UMA
CARTA ALHEIA
Maria Luiza Malina
O som de arranho na porta cortou o silêncio da
monotonia do dia. Os olhos se voltaram para o chão percebendo a insistência em
empurrar o envelope que mal passava de sua metade.
Instintivamente Laura se agachou e tentou puxá-lo.
Sentia que havia alguém do outro lado, temerosa não abriu a porta. Aguardou o
ruído dos passos se afastarem. Arrepio-se. Há muito não recebia
correspondências. O listrado na borda da carta em vermelho e azul denota ser
estrangeira. Ela tenta puxar devagar. Enrosca. É muito volumosa. Procura por
uma faca para ajudá-la. O envelope fino como papel de seda quase se rompe.
Constata pelo visor da porta que não há ninguém. Abre a porta num vai e vem a
finalmente se desprende.
URGENTE. Foi o que desviou a atenção. No urgente, seus
pensamentos se embaralharam, podia ser um pedido de ajuda, morte. Os dedos
nervosos de unhas afiadas deram uma picada no canto superior do envelope. Neste
instante reconhece que o destinatário não lhe é familiar. O endereço é o seu,
confere e re confere o remetente. Os olhos repassam pela palavra urgente. O
volume é razoável. Percebe que houve tentativa em abrir a carta a vapor. Está
um tanto enrugada de cola, rasurada e ainda com o seu quase picote na borda...
Sentou-se analisando os nomes: Frederico Alcântara.
Frederico um nome forte, deve ser um homem especial, daqueles que encantam com
um cachecol em volta do pescoço. Aconchega
a carta ao peito repetindo o nome Frederico Alcântara... Imagina ser algum
parente de Dom Pedro e, o que será que o remetente Plinio Vilaça poderia querer
com tanta urgência... Alguma herança! Agora Frederico estava em suas mãos,
preenchia seus pensamentos, passou a ter ciúmes de um desconhecido. Resolveu
abrir o envelope em um movimento só. Ding... dong. A campainha. De sobressalto
esconde a carta atrás de si sem saber o que fazer... Ding...dong. A incerteza
crescia com a insistência do dedo na campainha que mostrava saber que a carta
fora entregue em lugar errado.
Aflita chegou-se a porta. – Toc...Toc. Alarmou-se. Resolveu
perguntar quem era.
- Sou eu sua vizinha, vamos tomar um café?
Laura abre a porta. Sandra a vizinha percebeu sua
inquietação e a acalma:
- Olhei pelo retrovisor quando estava prestes a te
chamar e, ouvi passos no corredor e alguém colocou algo debaixo da porta...
- Sim, era isto aqui, veja só, acabei abrindo sem
querer, só depois é que vi que não era minha. Ainda não li!
- Ora Laura! Podemos ler, uma carta do estrangeiro é
sempre interessante.
As duas se puseram a ler. À medida das palavras antes
soltas, começaram a fazer certo sentido para a própria Sandra. Acabava de
desvendar a verdade do antigo inquilino do prédio. O desconhecido para Laura, o
belo Frederico de sua imaginação teve vida curta; não passava de um farsante
contrabandista sob a fraudulenta imagem de um professor nativo de idiomas, por quem
Sandra se apaixonara e, desaparecera da noite para o dia. Era ele mesmo quem escrevia
uma carta para si mesmo. O endereço da carta era uma rua próxima e, ele usara
um envelope do estrangeiro. Restava a Sandra ir ao encontro do remetente para
desvendar na íntegra a suspeita.
Enquanto isso, Laura suspirava sem nada entender.
Sandra estava indignada ao perceber que ele, o Don Juan maldosamente,
conseguira envolver outro coração.
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