AS CORES DA IGREJA - Oswaldo Lopes

Dom Benedito


AS CORES DA IGREJA
Oswaldo Lopes

     1- As Cores e a Hierarquia da Igreja

         Quando jovem integrei a Juventude Universitária Católica (JUC). Foi um período muito interessante da minha vida, de sentimentos e reflexões que me acompanham até hoje. Também, de memórias criativas e, por vezes, muito engraçadas. Nesse tempo tornei-me muito amigo do Padre Benedito, Benedito Ulhôa Vieira que mais tarde se tornaria Bispo Auxiliar de São Paulo e posteriormente Arcebispo de Uberaba.

        Poucos sabem que, de certo, na chamada hierarquia da Igreja há apenas três degraus:

Diáconos – Auxiliares do sacerdote e podem celebrar até casamentos, mas não o sacrifício da missa.

Presbíteros – Os Padres como os conhecemos.

Epíscopos – Os Bispos, autoridade central na fé.

        As divisões e subdivisões, graus e degraus foram aparecendo na medida em que a Igreja crescia em tamanho e no número de fieis, tornando muito complexa sua administração, porém as três categorias continuam sendo únicas e primárias.

        O Papa, por exemplo, deriva o seu poder de seu título original: quantos de nós sabem que o título dele é Bispo de Roma e é dai que vem o seu pontificado e sua primazia, por ser ele o sucessor do Primeiro Bispo de Roma, São Pedro, ou ainda que os padres cruzam a estola (veste litúrgica usada na administração de sacramentos e na missa) e os Bispos usam-na na paralela, simbolizando o seu poder. Em tese as cores das vestimentas eclesiásticas também seriam simples:

- Preto com colarinho branco para os Presbíteros e Diáconos. Usavam a batina, muitos agora preferem um discreto terno com o típico colar branco.

-Violeta para os Bispos. Muitos bispos usam a batina ou o terno preto, mas têm um peitoral violeta que lembra sua posição hierárquica.

- Branco para o Papa

        Imagino que os leitores estarão se perguntando e os frades, monges e abades? Estes pertencem a ordens religiosas, cujas vestes foram determinadas por seus fundadores ou pela tradição, pois não existiam nos primeiros tempos da Religião Cristã. Frades em conventos e, monges e abades em mosteiros. Eles constituem o clero religioso que diferentemente dos seculares, por exemplo, fazem entre outros votos o da pobreza. As ordens religiosas têm assim, votos e características próprias e uma vida em comum, rezam juntos, trabalham e produzem alimentos ou outros produtos, como ferramentas. O abade num mosteiro beneditino usa mitra que é um símbolo característico do bispo.

        Os padres seculares recebem esta denominação por viverem no século, ou seja, “no mundo”. Estão sujeitos diretamente ao bispo e por não fazerem voto de pobreza, podem e possuem bens próprios ou de herança.

        A complexidade que se originou da expansão da Igreja e do número de seus fieis foi introduzindo variáveis como a do Arcebispo ou Metropolita, este segundo nome explicando bastante. São Bispos cujas sedes são de tal tamanho que constituem verdadeiras metrópoles.

        E os Cardeais? Bem, a tal da complexidade forçou a que a escolha de um novo papa se fizesse por um número reduzido de prelados: os cardeais. Um dos dogmas mais importantes da fé católica é a permanente assistência que o Papa tem do Espirito Santo nas questões de doutrina e fé.

        Cabe a ele a escolha dos Cardeais e, portanto, a composição do colegiado que escolhe um novo Papa num encontro que leva o nome pomposo de Conclave. Esta é uma palavra latina que quer dizer simplesmente, com chave. Isso porque ao se reunirem para a escolha, o espaço onde vão trabalhar é fechado a chave que só é aberta quando a escolha do papa termina. Passou à história o Conclave de Viterbo em 1268 que durou 34 meses e só terminou depois que arrancaram o teto e reduziram a alimentação a pão e água.

        Os Cardeais se destacam além desse poder, pela cor de suas roupas: púrpura. Isso nos remete à velha Roma onde os senadores usavam a túnica vermelha que os distinguia dos demais cidadãos.

        São três as ordens cardinalícias: episcopal, presbiteral e diaconal. Não é difícil perceber que o Papa pode escolher para Cardeal um diácono, um padre ou um bispo. Nos dias de hoje a grande maioria é da ordem presbiteral, embora sejam todos bispos ou arcebispos.  A ordem episcopal é como que reservada aos patriarcas de Roma. Algumas dioceses são tipicamente, pelo seu tamanho, cardinalícias. São Paulo é um bom exemplo.  Em tese o papa pode escolher para cardeal um diácono, um padre ou até mesmo um leigo. Neste ultimo caso ele será ordenado sacerdote de imediato.

        Ai estão as quatro cores fundamentais nas vestes eclesiásticas  da Igreja: branco, preto, violeta e vermelho. Serão só essas? Sim! Monsenhores e Cônegos compartilham o violeta (roxo) dos bispos, mas o usam como margem e borda das vestes e não como cor total da roupa.

        Estes últimos graus (Monsenhores e Cônegos) foram criados como que para homenagear padres já antigos no sacerdócio e que não foram distinguidos com o episcopado, ou seja, não se tornaram bispos. Os Monsenhores são de nomeação papal, indicados sempre pelo bispo ou cardeal da diocese a que pertencem.

2 – Homenagem a Dom Benedito

        É ai que minha amizade com Padre Benedito entra de novo. Ele me havia contado que o Cardeal de São Paulo àquele tempo,  D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, havia reunido os clérigos seculares para lhes fazer uma admoestação:

        Havia recebido queixa de um monsenhor de que os demais padres estavam fazendo comentários jocosos a respeito de sua recente promoção a este posto hierárquico. Embora reconhecendo que o posto não tinha lá essa importância, apenas colocava monsenhores e cônegos um pouco a frente nas procissões, o Cardeal pedia respeito e consideração, afinal era um título que ele solicitara.

        Saídos da reunião, nem um pouco compungidos pela retórica cardinalícia, um dentre eles enviara uma garrafa de groselha ao monsenhor queixoso, com o seguinte bilhete:

- Pronto agora você pode também mijar roxo!

        Guardei comigo aquelas sabias palavras. Quando Padre Benedito foi levado à condição de Monsenhor enviei-lhe um pomposo telegrama:

- Cumprimento-o efusivamente pela obtenção de tão preciosa distinção. Segue garrafa de groselha!

        Ele não se fez de achado. Quando pouco tempo depois fomos ao Rio de Janeiro para um encontro de jovens católicos, ficamos todos hospedados num seminário carioca. Enganam-se os que pensam nos jovens seminaristas cheios de regalias. O que mais tinha ali para comer era formosas e perfumadas jacas e foi o que comemos por uns quatro dias.

        Ao fim do encontro, Padre Benedito, condoído da minha sorte, levou-me para almoçar num convento das Irmãs de Jesus Crucificado que sempre se esmeram em bem servir os sacerdotes. A comida, embora simples, era maravilhosa. Ele sempre jurou que eu comi sete (07) bifes e ele um. Acho um exagero, ainda que possível.

        Durante essa viagem, numa dessas andanças pelo Rio de Janeiro ele viu uma loja da Cable Western que era especialista no envio de telegramas.

        Vim, a saber, depois o teor do vingativo telegrama dirigido a meu pai:

        - Papai, decidi tornar-me sacerdote. Ingressarei Ordem dos Dominicanos, tomando o nome de Frei Benedito.

        A Juventude Universitária Católica tinha fortes laços com os dominicanos pelo seu caráter progressista e visão atualíssima do mundo. Meu pai estremeceu de modo forte, acho que poderia até ter ocorrido um enfarte. Tinha um medo danado que seu filho se metesse num convento. Acho até que um medo maior de que seu virasse comunista. Quem me salvou foi minha irmã Leonor, mais velha, que também tinha sido de JUC e conhecia os meandros da estrada.

- Ele esta lá com o Padre Benedito essa história de Frei Benedito esta cheirando a gozação. Meu pai sossegou e quando voltei a São Paulo ele ria da história.

        Continuei muito amigo de Dom Benedito, embora o chamasse o mais das vezes de Padre, por força do velho hábito. Ele continuou muito amigo e presente, mas defensor ardente da fé e de suas consequências e, diria eu, até intransigente em questões religiosas. Certa ocasião fui a um retiro pregado por ele para os médicos da Faculdade de Medicina. Cravou-me o que ele falou e sempre achei que era dirigido particularmente a mim que nesse tempo já era meio agnóstico e não ia muito à missa, para não dizer simplesmente que não ia à missa.

- O indivíduo (no caso era eu sem tirar nem por) pode até ser amigo do Bispo, mas não pertence à Igreja.

        Depois disso tive oportunidade de vê-lo em várias ocasiões, sempre muito amigo e até brincalhão. Comentava meus cabelos brancos. A ultima vez foi em Uberaba, ele já era Arcebispo Emérito (com mais de 75 anos) e morava numa casa que havia comprado especialmente para viver isoladamente sem fazer sombra ao novo Arcebispo. Fizera história em Uberaba onde era conhecido como o Bispo da Esperança.

        Pedi-lhe, na partida, a bênção, senti que hesitava, talvez pensando se eu ainda tinha fé e era da Igreja, apelei lembrando que eu sempre a pedia a meu pai de sangue. Ele deu-a com ar solene, descrevendo no ar, com seus dedos longos e finos, os traços da cruz. Senti-me abençoado como nunca, embora achasse que ele ainda me considerava seu amigo, mas não pertencente à Igreja.

        Discordei e ainda discordo, sinto que Francisco e sua maravilhosa capacidade de perdoar e acolher estão a meu lado. Acho que Jesus na sua infinita Misericórdia nos ama mais que todos os ritos e cores. Bendita seja a palavra Dele e Bem-dito seja também meu grande amigo D. Benedito Ulhôa Vieira.


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