O Palhaço Topetão
Angela Barros
Essa história que vou contar para vocês aconteceu em
Cachoeirinha, no Agreste pernambucano. Para quem já andou por aquelas bandas
conhece bem as casinhas de pau a pique, pintadas com cores coloridas e cortinas
de chita nas janelas. Muro, não tinha não, apenas a terra batida impecavelmente
varrida. Para encontrar alguém bastava perguntar pelo nome, todo mundo se
conhecia por lá.
Pois bem, numa dessas ruas sem nome e sem número morava Seu
Chico, homem dos seus sessenta anos, de pele tão craquelada pela exposição ao
sol que parecia ter uns setenta ou mais, como todos que trabalhavam na roça
como ele. O velho Chico, como era conhecido, era famoso na cidade. Quando moço,
todos os domingos ia trabalhar no circo como palhaço. O palhaço Topetão,
alegria da molecada.
Seu Chico tinha um neto, Chiquinho, 10 aninhos, sapeca que
só. Morava em São Paulo e para alegria do avô, a mãe todos os anos nas férias
de dezembro despachava o filho para Pernambuco. Logo que chegava o menino
corria para o avô e pedia para ele colocar a velha roupa de palhaço, já toda
desbotada.
Conta as histórias do circo, vô! E lá iam eles sentar na
soleira da casa. Tá vendo aquele terreno ali na frente? Era lá que o circo era
armado. Quando os carros do circo chegavam na entrada da cidade anunciando as
atrações no alto falante, a criançada e até os adultos saiam de casa para ver o
cortejo passar. A molecada aos berros atiçavam os bichos, gritavam chamando os
palhaços, a mulher barbada, os malabaristas, os trapezistas. Tinha até o globo
da morte. Eu, Chiquinho, corria para preparar minha roupa não vendo a hora de
me apresentar. Até chegar a hora do espetáculo no domingo, a criançada ficava
enlouquecida rodeando as tendas dos artistas e as jaulas dos animais, alegria
só.
E assim, o ritual se repetiu ano após ano, até o neto do velho
Chico se tornar adolescente. Com isso as visitas foram rareando cada vez mais
até o Chiquinho, por mais que gostasse do avô, não achava mais graça nas
viagens para a pequena cidade de Pernambuco.
Seu Chico, sentia falta do neto e ficava cada dia mais
triste. Ligava para conversar com o Chiquinho que agora não queria mais saber
de ser chamado de Chiquinho e sim de Tico, apelido dado pelos amigos e com quem
passava a maior parte do tempo.
Os anos passaram e seu Chico já beirando os oitenta anos,
continuou apaixonado pelo mundo do circo. Todos os domingos era visto
anunciando com grande alegria as atrações do Grande Circo Alegria. Que
corressem, caso contrário não encontrariam mais ingresso. Em alto e bom som
repetia:
- Respeitável publico, não percam o grande espectáculo do
palhaço Topetão, que de tanto deixar a franja crescer não há brilhantina que
segure o seu topetão!
- Olhem, olhem a mulher barbada que pensa que é homem! Mas
homem não é não!
E o povo da cidade rodeava o palhaço, as crianças aplaudiam.
Eu não vou faltar, ouvia-se gritar. Seu Chico, quero dar muita gargalhada
domingo, hein! Escutava-se outro. Ô
palhaço, tá na hora de cortar esse topete, vai tropeçar nele!
Foi assim, que todos na cidade, por carinho ao velho Chico,
resolvem enxergar e se alegrar com o
invisível Grande Circo Alegria do querido velho palhaço Topetão.
Até que um dia o velho Chico chamou a atenção de um
jornalista de São Paulo que fazia um documentário sobre a região. Como quem não
quer nada o jornalista, filho de um dos moradores de Cachoeirinha, puxou prosa
com o velho, que de tímido não tinha nada, e não se fez de rogado, desandou a
tagarelar.
- Sabe moço, disso o velho, tá vendo aquele circo ali, é o
mais famoso de Pernambuco. Não há leão, elefante, engole espada ou cospe fogo
que faça tanto sucesso como o palhaço Topetão. Eu, seu moço! Meu neto deve
chegar logo para me visitar e assistir ao espectáculo.
- Você conhece ele?
Antonio era o nome do jornalista, que ficou intrigado com
tudo o que estava vendo e quis conhecer um pouco mais da história do palhaço
Topetão.
- Será que a família sabia o que estava acontecendo?
O palhaço leva o velho até sua casa. Conversa vai, conversa
vem, o jornalista descobre que frequentou a mesmo faculdade do neto do Seu
Chico.
Voltando para São Paulo, Antonio procura o Chiquinho, nome
carinhoso conservado pelo avô. Conta
tudo o que tinha visto e ouvido em Cachoeirinha, para o neto do velho Chico
agora empresário de sucesso, desconcertado e triste.
E se faz domingo outra vez na pacata cidade do velho Chico
que vestido com sua surrada e agora rasgada roupa do palhaço Topetão, foi rumo
ao Grande Circo Alegria. Logo percebeu um agito fora do comum nas ruas, as
crianças gritavam alegres.
O palhaço diminui o passo, coçou os olhos, firmou a vista e
viu uma grande névoa de poeira subindo no terreno de terra batida, local do seu
circo. Aos poucos, a poeira baixou e surgiu uma grande tenda de lona colorida
com uma bandeira se agitando no ar onde podia-se ler Grande Circo Alegria em
letras garrafais e coloridas.
Seu Chico, arregalou os olhos que brilharam como os de uma
criança que ganha um doce. Viu leões, macacos e tigres enjaulados. Elefantes
elegantemente enfeitados, com sinos nas patas anunciando sua chegada.
Malabaristas, palhaços com longas pernas de pau, homens cuspindo fogo pela
boca, mulheres com cobras passeando nos seus corpos, uma mulher barbada feia de
da medo.
De repente, veio em sua direção um lindo jovem vestindo sua
roupa de Topetão que lhe estendeu os braços fazendo palhaçadas e dizendo, venha
cá meu vô, vamos para o circo, todos esperam o palhaço Topetão na arena, o
espetáculo precisa começar! O velho Chico, como sempre fazia, sem pestanejar
seguiu adiante em direção do seu circo para mais uma apresentação.
Como tudo que é bom acaba um dia, depois do espetáculo o neto
do palhaço explicou para o pai que infelizmente o circo precisava continuar
suas apresentações pelo mundo afora e que se ele concordasse, ele, seu neto a
partir daquele dia seria o jovem palhaço Topetão.
E assim, a estória do Grande Circo Alegria e seu palhaço
Topetão chega ao fim.
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