GuSiNi
Fernando
Braga
— Meninos,
quem tem um tio? Eu tive um e o perdi!
Assim
começou Zé Osvaldo, relatando outro de seus casos. Contou ele que um tio de
nome Haroldo, desde jovem sempre fora um “durango”. Era um pouco obeso, tinha
um olho de vidro e chamava atenção a sua gargalhada, quando além de balançar
muito os ombros e a cabeça, emitia um som, xi...xi...xi, parecendo estar ele
com da boca cheia de pedacinhos de drops.
Ainda
jovem, este tio, morando no Rio de Janeiro, começou a frequentar um curso vago
de uma faculdade de Odontologia, que não havia sido ainda aprovada pelo governo.
Quando ia começar o último ano, ouviu dizer que sua faculdade não seria
reconhecida, mas uma outra, sim. Astuciosamente, conseguiu transferência para a
outra faculdade. Deu azar, deu-se o contrário. O governo reconheceu a faculdade
da qual havia se afastado e assim, não conseguiu o diploma.
Veio então para o interior do Estado de
São Paulo onde conheceu minha tia e casou-se. Era um dentista frustrado, sem
diploma, mas com prática. Seu primeiro emprego foi na Dental Orion, como
vendedor de produtos odontológicos. Para ganhar um pouco mais, tornou-se
viajante, indo de cidade em cidade, com um Jeep 51, fornecido pela firma, para
vender os mesmos produtos.
Mudaram-se
para São Paulo e ele resolveu abrir, irregularmente, um consultório de
Odontologia em Pirituba. Conseguiu ter muitos pacientes, mas foi descoberta a
sua irregularidade e teve que afastar-se imediata e definitivamente. Continuou a
viver de bicos, até que um dia ele, com dois amigos, conseguiram um invento. O
protótipo da peça, nada mais era do que um dispositivo que seria colocado junto
ao burrinho do breque de caminhões, ônibus e mesmo automóveis. Naquela época,
era frequente carros perderem o breque e então...esta peça teria a função de imediatamente
vedar o local de vazamento do óleo.
Abriram uma firma para poderem produzir
a peça e deram a ela o nome GuSiNi ou seja, Gu de Guerra, Si de Silveira e Ni
de Nicanor. O meu tio era o Silveira. Conseguiu com um cunhado, financiar a
compra de uma caminhonete, onde instalaram o dispositivo e após contatos, se
ofereciam para fazer demonstrações em grandes firmas como a Mercedes, Volkswagen,
Ford e outras. Não conheço bem os detalhes, mas o fato é que em uma das demonstrações,
o aparelho não funcionou, bateram a caminhonete, a grande invenção naufragou e
a firma foi para “as cucuias”.
Uns 20 anos depois, meu tio continuava um
duro e vivendo de bicos. Foi quando eu, resolvi fazer uma brincadeira e
telefonei a ele. Quando ele atendeu, coloquei um lenço próximo ao telefone, fiz
uma voz anasalada e disse:
—Quem fala?
—Aqui
é Haroldo. Quem é você?
—Oh! Haroldo, quanto tempo não nos
vemos.
—Estava com muita saudade de ti e
resolvi telefonar. Quem fala é o Nicanor.
—Quem? Nicanor?
—Ué, você se esqueceu de mim? Fomos
sócios na GuSiNi. Você era o Si de Silveira e eu o Ni de Nicanor. —Você sabe
que o Guerra morreu, né?
—Não sabia não. Mas, a que devo o prazer
de você se lembrar de mim e telefonar?
—Pois é Silveira, preciso muito de sua
ajuda. A situação levou à breca, perdi tudo o que tinha, moro em um apartamentinho
de apenas três cômodos, onde Judas perdeu as botas, minha mulher só fica
acamada, meu filho mora em outro estado e no momento estou muito necessitado.
Há três meses não pago o condomínio, como pão e mortadela, não tenho dinheiro
nem pra condução.
—Você Haroldo sempre foi mais abastado
do que nós. Te peço encarecidamente que me empreste uns Cr$ 5.000,00. Juro que
um dia vou te pagar, meu amigo. Não me negue, pelo amor de Deus! Me dê seu
endereço e irei pessoalmente buscar a sua ajuda. Tudo bem?
—Bem nada Nicanor, eu também moro longe,
em Santo Amaro, vivo de bicos e não tenho condições de te ajudar, no momento.
—Qual o seu endereço Haroldo?
Meu tio deu o endereço, após enorme
insistência.
—Olha Silveira, não vá me decepcionar. Afinal
fomos muito próximos e podíamos ter ficado ricos não fosse a peça inventada,
falhar na hora H.
—Mas eu não tenho dinheiro. Você acha
que eu iria te negar se tivesse?
—Silveira, então pelo menos Cr$ 3.000,00.
—Nem Cr$ 3.000,00, e nem Cr$ 2.000,00.
Nada. Não posso te ajudar.
—Silveira, amanhã vou passar na sua casa
e de preferência na hora do almoço. Peça à sua mulher fazer um almocinho para
nós. Tenho saudade do arroz e feijão dela! Quando você me vir e eu explicar
melhor a minha deplorável situação, vai entender.
—Não venha não, vou ter que sair!
Nicanor...Nicanor...diabo a linha caiu.
Silveira explicou tudo à sua mulher e
disse:
—Este desgraçado é capaz de vir mesmo.
Se vier, vai almoçar e vou arranjar apenas Cr$ 150,00 para ele. É tudo o que
tenho no momento.
Eu desliguei o telefone e morri de rir!
No
dia seguinte, eu fui até a casa de meu tio, chegando por volta das 11 horas.
Ao chegar, notei que o tio estava muito tenso,
nervoso e acabou me contando toda a história do telefonema do Nicanor. Minha
tia tinha preparado um almoço para esperar o indesejável, pois para eles, ele
certamente viria. A conversa foi longe, uma vez que fazia tempo que não nos
víamos. Quando bateu 1 hora e Nicanor não chegava, eu disse para minha tia:
—Tia, ele não vem. Posso substitui-lo?
Durante o almoço, contei para eles, o
trote que lhes havia passado. Meu tio começou a gargalhar, movendo muito os
ombros, a cabeça e como sempre, emitindo aquele som característico.
Matei a saudade do feijão com arroz de
minha tia, que tudo aprendera com minha vó.
Esse Zé Osvaldo é terrível! Esperem por
outras, deste safado!
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