SOLTARAM A BRUXA
Oswaldo
Romano
Hoje é um
daqueles dias que eu costumo dizer “Soltaram a Bruxa”.
Ali atrás dei uma topada, vi estrelas! Coitado do meu
dedão! Já vinha sofrendo da vez anterior, a unha está amarelada. Escapou do meu
pensamento aquele palavrão, só não foi alto porque deu tempo de contê-lo.
Mal me refiz, continuei agora olhando onde piso. “Gato
escaldado...”. A calçada está muito ruim, buracos, pedras levantadas. O
responsável é o proprietário do imóvel. Quem vigia e aplica multa é a Prefeitura.
Bem... Não interessa, mas quem vai cuidar do meu dedão?
Enquanto criticava a sujeira da calçada, eis que vejo uma
carteira. Apanho-a ou deixo pra lá? Pode ser que a Bruxa hoje esteja do meu
lado. Coisa difícil, nunca aconteceu.
Parado, quase em cima, deixo as pessoas passarem. Me abaixo,
pego-a, momento em que um senhor de camisa verde, apressado, me vê, e sem parar
olha para trás e ri, depois continua seu andar atropelado. Ainda bem, odeio
curiosos.
Vi que a carteira era velha, surrada. Andei um pouco me
afastando do burburinho. Encostei-me a uma porta fechada, e abri a carteira com
cuidado. Era de um couro ensebado guardava uma foto de mulher com bordas
amareladas, e uma carta também manchada. Abro para ler:
“Pedro, agora chega! Escrevo porque não tive coragem de falar
pessoalmente. Com seu papo que tanto se orgulha iria tentar me convencer. Eu
gosto de você, mas nunca na vida passei tanta fome, como agora. Não adianta me
procurar. Você não vai me encontrar. Nem no cemitério você vai me achar. É só”.
Do dono da carteira
nada encontrei, nem cheiro. Tem a foto. A foto seria dela ou de uma filha. Posso
procurar esparramando pela mídia.
Maldita hora em que a peguei. Pensativa, imaginava o que
fazer.
Vejo voltando o homem que me viu pegar. É ele, o de camisa
verde. Está calmo agora, sem aquela correria.
Assim
que se aproximava, eu disse:
—Oi,
oi senhor.
Me
viu, parou e logo perguntou:
—
E ai? Ficou rica?
—Antes não tivesse pego - falei. Tem uma foto de mulher e uma carta de despedida,
velhas, malcheirosas.
Não
tem qualquer endereço. O senhor pode me ajudar?
—Dona,
eu posso. Fiz mal em parar aqui. Não tem
um telefone, um nome completo... Nada, nada?
—Não,
nada.
—A
gente é curiosa... né? Nem pego nela. Posso ajudar, sim. Livre-se dela. Vê
aquele guarda ali na esquina? Então...
Fui, boa sorte.
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