Ditos Populares
José
Vicente J. de Camargo
Dispenso
a academia!
Nada
de ambiente fechado, ar condicionado que me faz mal, televisão ligada em
programas que não me interessam...Em manhãs ensolaradas prefiro ver o verde e
sentir o cheirinho do mato fresco. Munido de boné, óculos de sol, lambuzado de
protetor solar e no pulso o relógio que marca tempo, passadas, pulsação e
batimentos cardíacos, tomo rumo do parque. Lá, decido não tomar o caminho da
esquerda nem o da direita, mas a trilha que cruza o parque passando pelo lago.
É mais íngreme com pedras soltas e buracos, mas em compensação tem o verde que
a cerca, o silêncio que permite ouvir os passarinhos e, com sorte, apreciar as peripécias
dos esquilos.
Na
metade do caminho, decido fazer aquela parada aconselhável para um gole de água
e para tirar a “água do joelho” como se diz. Neste ato, vejo, num arbusto ao
meu lado, uma carteira de bolso feminina camuflada entre os ramos. Examino-a antes
de tocá-la. Ao apanha-la sinto o desgaste e o embolorado verde musgo do couro,
indicando que ela já está ali há algum tempo. Ao abri-la, com um misto de
receio e curiosidade, não encontro dinheiro nem documentos. Numa das
divisórias, uma folha de papel amarelado dobrada em quatro, indica ser uma
carta. Desdobro a folha rapidamente e me deparo com um texto escrito em letras
tremulas, num azul desbotado. Nele, grampeado, uma foto de um casal abraçado,
de rosto colado, sentado na mesa de um bar, irradiando um sorriso de alegria e
nas mãos levantam copos de cerveja. Ambos
aparentam quarenta anos:
“Querido Zeca,
Quando receber esta, já não estarei
mais aqui. Esta é a melhor maneira que encontro para não sofrer mais, encontrar
a paz, já que a realidade de vivermos juntos custaria o sacrifício de nossos familiares
e isto, como já discutimos, não queremos. Por outro lado, continuar com essa
farsa, não posso mais, me afogo. Não se
preocupe, levarei nosso segredo comigo. Os momentos que passamos juntos foram
para mim os melhores de toda minha vida. Contigo conheci a paixão, calor que me
queima por dentro e que não consigo e nem quero apagar. Com você sou completa,
vivo! Sem você, só vazio, angústia, nada me preenche. Meus pensamentos são
todos para você, na espera do momento de encontrar seus olhos negros, sua voz
rouca, seu sorriso zombeteiro, seu bigode farto...
À esta carta anexo uma foto nossa de
uma das tantas noitadas que trocamos confidências no bar do Tico. Guarde-a bem,
pois ela é importante para você. Instruí o Marcos, nosso amigo de samba, que é
advogado, a passar em seu nome, como uso fruto, o apê que comprei dele para ser
nosso ninho de amor. Você sempre gostou de estar lá, como diz “tem atmosfera,
lhe dobra a vontade”...Quero que fique com algo que me lembre. Mesmo que esteja
com outra, sei que pensaras em mim, pois acredito quando diz que nenhuma outra
lhe dá o prazer das minhas carícias...Mas tem uma contrapartida: Como não posso
tê-lo na lista de meus bens, continua propriedade do Marcos. Ele postergará o
uso fruto de dois em dois anos com a apresentação da nossa foto. Caso contrário
ele doará a uma instituição de caridade que defini. Não se zangue com este meu
capricho, sou uma mulher apaixonada...
Sempre sua,
Denise”
Termino
de ler e um rol de perguntas me invadem:
Como
será que essa carteira veio parar aqui? Alguém a roubou, tirou o dinheiro e a
jogou no meio do mato sem querer o resto? Mas se fosse assim, muito
provavelmente teria os documentos. Ou foi algum familiar da Denise – o marido
talvez - que descobriu a carteira, leu a
carta e para não perder o apê, tirou os documentos para a não identificação e
jogou a carteira com a carta? Mas não seria mais fácil picá-la? Ou o próprio
Marcos – amigo da onça! Isso sim – para continuar com o apê em seu nome, teria
agido como o marido?
Dou
meia volta e numa “acelerada só”, chego em casa e vou direto ao computador. Pretendo
scanear a foto dos dois – a carta prefiro deixar em sigilo - para colocar nas
redes sociais com o título “Quem conhece um ou ambos me contate que tenho
informações importantes a prestar”. Mas paro, reflito, é justo fazer isso? E se
foi a própria Denise que se arrependeu e jogou bolsa e carta no mato? Ou o Zeca
que preferiu perder o apê e conservar a integridade da família? Tantas
alternativas podem ter acontecido, mas todas com riscos que as famílias sejam
atingidas – coisa que os dois amantes acima de tudo não queriam...E o que eu ganharia
com isso?
Não!
“Sapo de fora não dá palpite! ” ou “Em boca fechada não entra mosca! ” e ainda
“Cada macaco no seu galho! “. Os ditos populares são sábios, são a voz da
experiência, melhor segui-los...
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