O POBRETÃO E O CIRCO - Maria Luiza Malina


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O POBRETÃO E O CIRCO
Maria Luiza Malina

A espera de novidade na pequena vila era o que preenchia a praça da igreja após a reza do terço. Dois ônibus: um que chegava com poucos turistas eu outro que saia transportando jovens para a faculdade na cidade vizinha. No depois, tudo se acalmava com as luzes das casas se apagando uma a uma. Um lugar parado.

Era nesse meio de tempo, ao som ardido das cigarras, que o Pobretão tinha seu espaço. Assim conhecido por não saber seu próprio nome; vivia de favores em troca de pequenos serviços; no entanto era muito estimado e confiável em seus prováveis 17 a 19 anos.

Certa noite não apareceu. O silêncio tornou-se assustador. No raiar do dia, um cheiro de café coado percorria casa por casa, acompanhado do mugir das inquietas vacas leiteiras, o Pobretão deu sua nota de aparição gritando aos quatro cantos, acompanhado do bimbalhar do sino da igreja anunciando seis horas da manhã:

- O circo chegou, acordem todos! O circo chegou. Acordem! – Seguia pela rua central marchando, batendo bumbo, batendo palmas. Ria e apontava a quem se aventurasse a abrir a porta ou janela, convidando:

- Venha, siga a bailarina e se transforme em borboleta. Cuidado com o palhaço, ele é o ladrão de coração... To to toró to tototó... E a marcha continuava festiva.

Ao final da tarde, como de costume todos lá estavam reunidos na praça para ouvir e comentar as novidades do Pobretão. Lá vinha ele prosa e feliz como ele só!

- Vamos todos para o circo, venham ver os malabaristas, é de graça O circo está montado perto da lagoa. O leão fica solto...  - Não é preciso dizer que a praça se esvaziou num minuto e, insistia amedrontando com histórias de flautas e cobras encantadas - Venham conhecer os mistérios do lago!

A notícia correu de boca em boca pela região. Uns chegavam assustados outros, um tanto desconfiados com o tal circo junto com a história de ciganos que roubam crianças. Turistas chegavam à região para piqueniques e, enquanto aguardavam o circo aparecer, contavam casos uns aos outros, ao som ruidoso das crianças. Os finais de semana passaram a ter outra conotação – o deslumbramento que aquele espaço proporcionava. Conversavam mais entre si e seus pensamentos soltos imaginavam o quanto seria interessante ter um circo naquele local abandonado, com um leão rugindo, um cavalo dançarino, um mágico com um coelho na cartola. Enfim, com tantas idéias o domingo terminava e todos voltavam para suas casas felizes esperando o próximo fim de semana.


EMPREENDEDORISMO ESPONTÂNEO


A pequena vila de agricultura familiar aos poucos se modificava. Os habitantes conseguiam sentir o efeito benéfico que as conversas do circo proporcionavam. Idéias tomaram vulto precioso. Sem perceber ou aprender uns se tornaram empreendedores com a venda de produtos caseiros, outros transformavam em realidade as fantasias criadas nas conversas.

Enfim um movimento diferente chegou aos ouvidos do prefeito que, só se preocupava em se reeleger. Nos finais de semana, o destino era a Capital, precisava fazer bonito. Quando se deu conta a própria população estabelecia regras de boa convivência na praça da Igreja.

Não teve dúvidas. Percebeu que o Pobretão era uma espécie de encantador do povo, quer dizer carismático e, ofereceu um emprego na prefeitura, com a incumbência que zelar pela região do lago, aumentando em muito as histórias. As pessoas se acostumaram a ouvir aventuras de circo, não lhes importava mais se eram reais ou não, vivenciavam o momento vestindo-se como tal.

Deu certo. Um dia, uma surpresa! O prefeito reeleito trouxe para a vila um circo de verdade, foi o maior espetáculo da terra. Os olhos dos moradores faiscavam. Boquiabertos constataram que era tal e qual a imaginação descrita pelo Pobretão nas contadorias da praça. Triunfante ele seguia à frente do cortejo anunciando a chegada do circo com a criançada a sua volta, seguidos da fanfarra e de toda a parafernália que parecia ser maior do que a própria vila.

Com uma surpresa destas o local sofreu rápidas transformações ao acolher tantas pessoas sem a devida estrutura. As famílias ofereciam refeições, as carroças decoradas eram usadas apenas para dormir e adivinhações das cartomantes. As cartomantes sempre vaidosas, gananciosas e curiosas. Sobre elas o Pobretão nada  havia contado. O sucesso logo se fez notar, junto com as desavenças criadas nas consultas.

A vila se modificava aos poucos. O Pobretão sequer foi lembrado pelos habitantes envoltos na real beleza circense. No dia da estréia – que tanto anunciava em suas chamadas – “é GRÁTIS, venham todos!” – foi pisoteado. Socorrido por um jovem aprendiz de mágico que cuidava da entrada, este o levou para a carroça onde os artistas se preparavam. Recebeu um bom banho na tina e o vestiram com a capa de mágico. Aparentavam a mesma idade.

O dono do circo, ao ser avisado de um novo mágico em seu circo, não tardou em conhecê-lo. Homem rígido, de poucas palavras exigia muito dos artistas, cujo pagamento incerto dependia da bilheteria.

Ao ser apresentado ao Pobretão, sequer levantou os olhos, apenas ouviu a voz ao perguntar seu nome – “Pobretão” – foi o que ouviu. Julgando estar sendo vítima de deboche, rápido desenrolou o chicote. O aprendiz de mágico reteve sua mão no ar berrando pela primeira vez – “Não lhe ponha a mão, ele é o meu irmão, seu filho desaparecido no acidente do desfiladeiro. Soubemos que é um andarilho contador de histórias sobre circo, que levou o povo deste lugarejo a sonhar e acreditar nas suas histórias, muitos conseguiam visualizar um circo que não exista. Meu pai  aceite-o como ele está, embora desfigurado a sua voz é igual a de mamãe.”

Ele se lembrou do tempo que era um trapezista e sua amada confiava que seus braços a sustentariam no ar. Chorou. O chamou pelo nome – “Paulinho, Paulinho”. O encontro modificou a família circense. O circo se tardou acampado mais do esperado pela prefeitura. O movimento cresceu e todos prosperaram.


A vila teve muitas histórias para contar antes de se transformar na Cidade dos Milagres.  Os frequentadores da pracinha, sem a ilusão do circo que fazia com que seus olhos brilhassem tristes ficaram sem nada ver. Imploravam por um contador de histórias.

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