NATAL
IMPREVISÍVEL
Maria Luiza Malina
Véspera de Natal. O motorista segue as ordens de dona
Ephigenia viúva, passada da meia idade, herdeira de grande fortuna – apanhar a
única filha Helena no Abrigo dos Amigos, fundado por ela própria. Pequenos
núcleos formados por apartamentos individuais e ampla área externa de lazer, uma
mini cidade para pacientes de difícil convívio familiar – como costumava tratar
a doença da filha em seus 19 anos.
No trajeto, ruas repletas de passos apressados tinham
um só sentido – as compras de Natal. Trânsito lento em meio da multidão. Helena
observa pela janela do carro uma pessoa a passos lentos que esbarra no vai e
vem dos transeuntes e se encosta a uma montanha de sacos pretos empilhados junto
ao poste. Ela rompe o silêncio:
- Senhor Afonso, veja como as pessoas são boas. Aquela
pessoa recebeu tantos presentes. Que maravilha. Também recebi presentes hoje,
mas não tantos como ele.
- Que bom minha filha – resumiu seu entendimento numa
pequena frase, observando pelo retrovisor o quanto a menina crescera desde o
último Natal.
Afonso há muito as conhecia. A cada ano o ritual se
repetia e, dia vinte e seis ele a levaria de volta. No final do próximo ano a
buscaria. Entristeceu-se ao comparar as dificuldades financeiras de sua própria
família, mas havia saúde e convívio. Para aquela pobre menina rica não havia
nada disso, tão pouco sabia o que era isto, seu mundo era vivido de momentos –
nenhum dia para trás e nem outro para frente – julgava que talvez, ela fosse
realmente feliz, que Deus sabia o que estava fazendo. A mãe pouco a visitava
durante o ano. Estava sempre às voltas com atividades beneficentes, sociais e é
lógico, um tempo sagrado para as monótonas segundas feiras em que reunia as
amigas para um chá regado de fofocas e carteado; “as segundas da minha mulher
são passadas no tanque e na faxina colocando em ordem a casa os filhos na
escola e...”
- Pare, pare - gritou – abra a porta, quero ajudá-lo a
abrir os presentes!
O susto do grito apavorou Afonso tentando desviar o
carro, controlando as atitudes de Helena pelo espelho. “Meu Deus! O que faço? Trânsito
parado, as portas estão travadas. Se ela ficar muito nervosa vai começar a me
agredir. Melhor telefonar para dona Ephigenia. Coitada não queria preocupá-la.
Também não posso levar porrada aí é que vai ficar pior, com a gritaria da moça
as pessoas podem pensar que eu estou abusando dela. Ela empurra o assento,
minha nossa! Ainda quebra o carro. Anda trânsito, anda! Melhor rezar uma
Ave-Maria. Ave-Maria, o pão nosso de cada dia, não, não, não é isso .... Mal
acabei de notar que estava misturando as rezas e ia começar tudo de novo
quando...Uma fantástica idéia surgiu.”
- Calma senhorita Helena, fique calma, estou procurando
um jeitinho de estacionar. Acho melhor a gente descer do carro e dar uma carona
para moço e o levar para jantar na sua casa. O que acha?
- Sim. E os presentes dele?
- Também já pensei nisto. Enquanto a senhorita conversa
com ele, eu coloco os sacos, digo os presentes no porta-malas e, assim vocês
poderão abrir no jardim de sua casa, debaixo da linda árvore iluminada.
- Ótimo, vá chamá-lo. Vá chamá-lo. Espero aqui. Ele vai
se sentar aqui atrás comigo.
Afonso a
observou esfregando as mãos ansiosas. Precisava ser rápido, antes que ela fuja
do carro. Saiu. Aproximou-se do rapaz. Prometeu levá-lo a um restaurante. Ele aceitou
de imediato. Neste mesmo tempo enquanto abria a porta para acomodá-lo, apanhou
dois sacos mal cheirosos e os jogou no porta-malas. Entrou no carro aliviado,
percebendo a estranheza dos transeuntes em vê-lo recolher os sacos. O trânsito
se aliviou milagrosamente até a residência. Helena e o novo amigo conversavam
como grandes amigos. Ao chegarem, o portão se abriu para o imenso jardim com a
árvore de Natal enfeitada e embaixo muitas caixas coloridas. A senhora Ephigenia
a aguardava sem se importar com a companhia da filha que, lhe sorria e a chamou
por “mamãe, tudo bem!”
Afonso fez um movimento de calma para a patroa que, o
entendeu. Ela estranhou a atitude de Afonso em abrir o porta-malas e retirar
sacos de lixo, depositando-os na calçada. Seguiu os movimentos de Afonso que, olhou
para o céu e se persignou. Ouviu que agradeceu o pedido de ajuda recebido.
- Obrigado meu Senhor. Obrigado por fazer uma pessoa
feliz. Obrigado pela família e por todas as atribulações que me destes. Ficou
em paz assim como sua patroa.
Na volta ao Abrigo dos Amigos, desta vez Helena
retornou com seu amigo Porfírio que, após ser diagnosticado passou a conviver com
o tratamento de desintoxicação. Nunca mais retornou à cidade. Com o tempo e dedicação tornou-se Diretor do
Abrigo, tendo como paciente sua eterna Helena.
Dona Ephigenia viveu um Natal especial. Percebeu em
Porfírio o retorno do primogênito que falecera numa véspera de Natal. O Natal é
período de renovação, reconciliação, compartilhamento e esperança em dias
melhores.
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