Conexão Grécia
Ises de Almeida Abrahamsohn
Sentei-me num banco para admirar o “Homem Pássaro” nos jardins do Parque da Luz.
O artista, eu sabia de outras visitas à Pinacoteca, era Nicolas Vlavianos,
escultor grego que adotou São Paulo como pátria definitiva. Gosto de seus humanoides dotados de asas a
conferir leveza aos corpos metálicos. Foi quando percebi na grama uma velha
carteira. A cor original há muito desbotara e nos cantos as costuras se
esfiapavam. Não atraíra o ladrão, que ali a jogara depois de removido o dinheiro. Olhei por entre as
divisões e encontrei apenas um papel amarelado, dobrado e redobrado, e uma
fotografia em preto e branco. Nela, uma mulher jovem e bonita de tailleur claro
e elegante chapeuzinho tinha por cenário um muro coberto por uma roseira
florida. Lembrei-me de minha mãe e tias na década de 1950. No verso, uma
dedicatória em inglês. A Stephanos, sua para sempre, Thais. Desdobrei o quebradiço
papel cuidando para não se rasgar. Era uma carta de 1958 escrita em grego
cursivo com trechos quase apagados da tinta azul original. Distinguia algumas
letras por conhecer o alfabeto. O tal Stephanos a havia guardado por mais de
cinquenta anos. Perguntei-me o que fazer.
A admiração pelo escultor grego e as boas lembranças de
uma estadia na Grécia me impeliram a tentar achar o dono da carteira. Talvez fosse
morador do bairro ali próximo, o Bom Retiro, onde ainda persistiam algumas
famílias gregas. Lá também vivia o único
grego que eu conhecia. O senhor Trasso
dono do único restaurante grego do bairro e ponto de encontro da velha
geração. Aos sábados de manhã ocupavam as mesinhas da calçada em frente a
grandes copos leitosos e perfumados de anis. Mostrei a carta e a carteira ao
meu conhecido. Notei que o seu rosto se entristecia. Sim, ele conhecia o dono da carteira. Era Stephanos Gúranis,
habitante do bairro e frequentador do restaurante. Havia falecido há uma
semana. Fora assaltado no Parque da Luz, o bandido o empurrara e fora
encontrado desacordado. No hospital alguns amigos foram visitá-lo, mas não
recobrou a consciência. Aos amigos sempre confidenciava estar juntando dinheiro
para voltar à Grécia e encontrar ainda uma vez aquela Thaís de sua juventude.
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