O mistério do Sr. Bruck
Suzana da Cunha Lima
Primeiro ato
(Homem idoso arrasta o
chinelo de couro até a poltrona do alpendre
onde senta à espera de passantes. O calor o incomoda, ele enxuga o suor da testa com frequência).
(Como não enxerga bem, força
a vista para identificar a voz feminina
que está cantarolando.)
NAIR: Pisa na
fulô, pisa na fulô. – (cantarola a vizinha enquanto pendura roupas no varal do quintal).
SEU BRUCK: (estica o ouvido para o lado da voz que ouve)
— Logo cedo e esse calorão de assar de um boi, hein
Nair!
NAIR: (Ela olha para ele, e sorri) - É bom pra secar minha roupa, Seu
Buck – (Ela se lembra de algo,
vira para ele, se aproxima do
muro) – O Nando, meu filho, disse que na aula
de história que ele teve ontem, citaram um tal
Cavaleiro Branco que viveu na sua terra. (Levanta as sobrancelhas). Quer dizer, então sua cidade existiu
mesmo?
SEU BRUCK: (fica irritado, se ergue da cadeira num ímpeto, e grita muito bravo) - Mas é isso, a senhora acha que minto!
Onde já se viu! – (Franze a testa e enxuga imediatamente o suor) – (senta-se
devagar e amansa a voz demonstrando
curiosidade)
— O que falaram sobre o Cavaleiro? O povo de hoje
não sabe nada dele.
(Suspira pensando: vamos ver o
que inventaram sobre o Cavaleiro Branco).
(Nair se aproxima mais ainda do muro com os pregadores de roupas na mão.
Cochicha como se não houvesse ali somente os dois.)
— Tem muito boato, sabe? Mas pelo que dizem, este Cavaleiro Branco
existiu mesmo. Mas que diachos ele fazia?
(Mr.Bruck sorriu, mais alegre. Refastelou-se na cadeira e buscou seu
copo de limonada que tinha chegado gelado e já estava morno)
— O que ele fazia? Santa Ignorância...Era simplesmente o chefe dos
Maçons. Ou a senhora também não sabe o que são os maçons? Já ia começar a
caçoar de Nair, mas ela não deu a menor chance)
(Nair se afastou meio ofendida, arrastando as chinelas, ostensivamente)
— Nosso professor disse que ninguém é obrigado a saber falar
estrangeiro. Onde já se viu...Lá vem o senhor com este palavreado só pra se
mostrar muito inteligente...
(Entra em casa, resmungando: É por isso que está aí sozinho, ninguém
chama pra nada. - E bate a porta com força.)
(Mr.Bruck ficou ali meio estatelado com a reação da vizinha, geralmente
gente boa. Como ela não voltava, tratou
de se recolher e buscar o alpendre dos fundos de sua casa, mais fresco àquela
hora – foi resmungando)
— Mas quem diria, a Nair, sempre tão amável... Será que o sol está
torrando os miolos dela? Também... lavar roupa ao meio dia, neste sol ? Tem
gente que não tem noção mesmo...
(Mas ao passar pela cozinha de
sua casa, sentiu o cheirinho do café que a mulher estava coando e já foi se
sentando por lá)
— Oi Cidinha, a Nair deve estar de TPM, viu? Me respondeu agora como se
eu tivesse ofendido o Santo Papa.
— O quê? Onde você escutou esta palavra? Aqui em casa não foi não, pois
nunca lhe dei a ousadia de pronunciar esta palavra. A gente sempre diz
“naqueles dias” e todo mundo entende do que se trata.
- Sou seu marido, oras! Pra quê tanta frescura? Céus, vou já pro boteco
do Neco. Pelo menos lá nos entendemos. A mulherada hoje parece que está toda de
TPM.
(E levantou-se logo em direção à porta da cozinha que dava direto para a
calçada. Ainda repetiu a malfadada palavra mais duas vezes, bem alto, pra
mulher escutar e ficar bem irritada.)
— TPM! TPM !
— Ora, seu malcriado!
(E recebeu de volta, na cara, um pano de limpeza bem fedorento e
molhado. Sr.Bruck mal teve tempo de se
apoiar no batente da porta, arrancar o pano que tinha se enroscado no seu
pescoço, e sair com a ligeireza que suas pernas permitiam.)
(Mal chegou na rua, recebeu o
bafo de um sol irado de 40 graus, tonteou e caiu na calçada) Ainda teve tempo
de gritar:
— Socorro!
E desmaiou. O vizinho que ia
passando ainda teve tempo de lhe aparar, impedindo que a queda causasse maiores
complicações do que um susto grande- Tentou acalmar sr. Bruck e ao mesmo tempo
pedir socorro, porque o velhinho era bem pesado)
— Pronto, Sr. Bruck, graças a Deus cheguei a tempo!
— D. Cidinha! Ajuda aqui! Seu marido está passando mal!
(Alguns transeuntes estavam passando por ali e correram para ajudar.
Outro tocou a campainha e uma senhora teve uma crise de histeria)
— O que foi, gente, Morreu?
— Que morreu nada, o velhinho aqui ameaça, mas não vai...
— Já vai tarde, sabe, oh velhinho chato!
(Cidinha abriu a porta da casa, viu aquele monte de gente em redor do
marido, estatelado na calçada, e se jogou aos pés dele, chorando e gritando)
— Ah, minha Nossa Senhora dos Nós Trançados! Me ajuda aqui. Não posso
perder o Eustáquio Bartolomeu agora. Não agora, me ajuda, me ajuda!
Ainda falta uma prestação para o seguro de vida, ele não pode ir embora
assim, sem aviso, é só mais um mezinho.
(foi quando reparou na mulher loura que soluçava e gritava ao mesmo
tempo. Cidinha gritou furiosa:
— Quem é aquela louca que está chorando tanto e chamando meu marido de
Taquinho?
(E foi assim que a vizinhança soube de três coisas naquele dia:
1 -- Que o nome de sr. Bruck era Eustáquio Bartolomeu
2 – Que haviam feito um seguro de vida e só faltava um mês para ser
quitado.
3 – Que havia uma Nossa Senhora dos Nós Trançados de quem nunca ninguém
tinha ouvido falar.
Mas ninguém soube responder quem era aquela mulher loura que chamava
sr.Bruck de Taquinho)
E tudo isso foi murmurado, cochichado, gritado por toda aquela gente que
mal conhecia o casal. Mas amava uma fofoca.
(Enquanto a cortina lentamente vai se fechando ).
SUZANA DA CUNHA LIMA
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