MARIA A ESPIVETADA
Antonia
Marchesin Gonçalves
O que estou fazendo aqui? Está tudo
escuro, será que me perdi? Pensou Maria Fernanda. Ao se beliscar, não sentiu
dor, começou tatear e nada sentia, alguém está aprontando comigo. Sei que sou
chata, briguenta, gosto de transgredir as regras e sou mandona, tudo tem que
ser da minha maneira, mas isso está passando dos limites. Chamou seu pai, bem
baixinho, mas depois se pôs a gritar: você me paga, seu purgante. Nisso viu uma
luz branca e foi em sua direção, parecia um portal, atravessou. Senti-se
flutuando e a claridade ofuscou seus olhos, com as mãos os esfregou e, ao abrir
novamente, nada mudou.
Olhou em torno e visualizou uma
pessoa, se aproximou, era um senhor barbudo, uma veste longa toda branca. Ao se
olhar, percebeu estar de camisola curta e decotada, não é possível como vou
falar com ele assim? Se olhando mais detalhadamente, viu uma mancha grande de
sangue perto do coração, fui esfaqueada, então estou morta. Quem é o Senhor?
Eu,
filha, sou São Pedro. Você existe mesmo? Sim, querida Maria.
E
sabe, meu nome, eu morri, né?
Sim,
você não lembra?
Não,
não tem uma cadeira, preciso sentar para tentar lembrar.
São
Pedro levantou o braço e na sua mão apareceu um pequeno banco onde ela se
sentou. A conversa ia ser longa.
Puxa, só tenho vinte anos, é muito
cedo, eu tinha a vida inteira pela frente.
É
verdade, mas o que você fez para estar aqui, filha?
Calada,
pensou, depois de um tempo falou.
Fui
ingrata com meus pais, eles tentaram me dar de tudo, mas eu sempre achava
pouco. Entrei na faculdade e quis um carro e, com muito sacrifício, me deram,
pagando em longas prestações. Sou filha única, me tratavam como uma princesa.
Ambiciosa, resolvi estudar à noite para de dia garantir um dinheiro extra. Sou
bonita e meu amigo me levou para fazer programas à tarde na casa de garotas
universitárias, onde recebíamos homens casados, ricos e velhos para uma hora ou
mais de prazer.
Fiz logo sucesso, carne nova no
pedaço, né? Entrava uma boa grana.
Com ela podia me vestir com roupas
de marcas famosas, cuidar dos cabelos com aplique, bolsas e sapatos idem, meus
pais nunca poderiam me dar. Eles estranhavam, mas eu dizia que o escritório de
advocacia pagava bem aos estagiários e eu tinha que estar bem vestida, mentia
muito. Agora lembro que, nesse dia, meu amigo, que já ganhava uma comissão,
resolveu aumentar muito a sua parte e tivemos uma briga feia e, além de me
bater, porque eu reagi, ele me esfaqueou. Andava sempre com um grande canivete
para se proteger. São Pedro, o senhor poderia me mandar de volta, prometo que
serei outra pessoa, tipo me ressuscitar?
Infelizmente, não, quando o seu
amigo te largou e não pediu socorro, logo sumiu, você ficou morta muito
tempo. E agora? Você vai ter um longo
período de aprendizado e aceitação, nós temos aqui excelentes espíritos para
isso e depois desse tempo você poderá escolher em voltar para a terra com outro
corpo físico ou continuar aqui para também ajudar a receber os novos espíritos
nessa transição. Nesse tempo também poderá visitar em espírito os seus pais
para dar consolo e receber, quando eles também fizerem a passagem.
Acho que não, tenho certeza de que
quero aqui continuar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário