Pela
Eternidade
Adriana
Frosoni
Lena
chegou ao purgatório inquieta, questionando tudo. Sentia-se o ser mais
injustiçado do universo e decidiu que não pararia de reclamar enquanto não
permitissem que voltasse para resolver umas pendências.
Pudera.
Passou a vida sendo ciumenta do marido, possessiva com seus pertences e
invejosa das coisas alheias. Gildo manteve o casamento aos trancos e barrancos,
sempre dizendo que tinha de arcar com as consequências das suas escolhas,
certas ou erradas. Mas a morte dela veio sem aviso, deixando conversas
inacabadas, assuntos pendentes. Foi súbita e fulminante, parecia até que havia
sido envenenada com a própria peçonha.
Insatisfeita,
Lena procurou o setor de reclamações, alegando que nem deveria ter falecido.
Sempre fingira suas doenças só para manter Gildo ocupado, perto de si e longe
de outras mulheres, embora fosse totalmente saudável. Porém, não havia
argumento que permitisse a sua volta: mortos ficavam mortos. Se os vivos
descobrissem como era do outro lado, o mistério da morte se perderia e isso era
muito perigoso para a humanidade.
Até
que um dia ela se lembrou de que ouvia falar de “aparições” quando era viva,
nas quais nunca havia acreditado, mas agora, não tinha mais nada a perder.
Então, resolveu tentar. Passou um tempo observando os vivos, estudando regras e
estratégias. Quando se sentiu pronta, escolheu uma noite em que, supostamente,
a energia estaria favorável para as comunicações entre os planos terrestre e
espiritual.
Com
muito esforço, conseguiu se deslocar até sua antiga casa, indo direto ao local
de maior apego, o quarto do casal.
—
Gildo! — chamou, arrastando a voz como fazia quando brigavam.
Ele
acordou abruptamente, sentou-se na cama, arregalou os olhos e ficou de queixo
caído ao vê-la pálida e de pé no meio do quarto. O grito ficou preso na
garganta. O coração disparou, uma dor atravessou-lhe o tórax. Ele levou a mão
ao peito num último gesto de desespero, sufocou e tombou.
Lena
se aproximou e pediu para ele respirar fundo, mas já era tarde. Não conseguiu
sequer tocá-lo. Por mais que tentasse, seus dedos espectrais não permitiam.
Viu, impotente, uma luz intensa abrir-se diante dele.
—
Nããão! — berrou, desesperada.
Mas
Gildo já tinha partido para o outro plano. E ela ficou ali, com sua chance de
redenção dissolvendo-se como fumaça. Os que subiam ao céu alcançavam a paz
plena e jamais se comunicavam com as almas penitentes.
Quando
ela voltou ao purgatório, os espíritos administrativos balançaram a cabeça em
desaprovação, pois agora ela havia causado, também, a morte do marido. Lena,
que passara a vida tentando controlar tudo, agora enfrentava seu maior castigo:
a impotência diante dos fatos. Sem paz e sem esperança pela eternidade.
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