A Verdade, a primeira vítima
Peça teatral em 3 atos
Ises de Almeida Abrahamsohn
Personagens (4)
Personagem: Miklos Kovacs, idoso 102 anos, húngaro, de
óculos, sentado em poltrona velha de vime na varanda de casa modesta de
alvenaria tomando chá de uma caneca de louça branca com um gato no colo. Ao
lado, em uma mesinha, um livro e uma lente. Tem dificuldade de escutar e fala
com sotaque acentuado.
Personagem: Nair: mulher, vizinha de Miklos, cerca de 50
anos, costuma ajudar o vizinho fazendo alguma limpeza e cuidando da roupa e
alimentação.
Personagem: Tereza, filha de Nair, jovem estudante de
jornalismo (22 anos).
Personagem: Gabor: colega de Tereza, último ano do mesmo curso, (24 anos).
ATO 1
Cena 1
Nair debruçada na mureta que divide sua casa e a
casa de Miklos, fala em voz bem alta.
Nair: Seu
Miklos, bom dia. Minha filha Tereza é aluna de jornalismo. Ela quer entrevistar
o senhor.
Miklos: Como,
Nair? Fala mais alto!
Nair: É a Tereza, minha filha. Ela
telefonou. Quer entrevistar o senhor para um programa de televisão.
Miklos: Não gosto de jornalistas. E
ela é muito pequena, tem só dez anos.
Nair:
Seu Miklos, isso faz tempo. Ela agora tem 22 anos. A entrevista é sobre sua
vida, na cidade onde morou na Hungria.
Miklos:
essa cidade não existe mais. O que adianta alguém saber dessa cidade agora. O
que passou, passou! Estou com 102 anos.
Nair: pois é por isso que ela quer saber sua
história. O senhor estava lá em 1942, quando a Alemanha invadiu a Hungria, não
é? Viveu a segunda guerra lá.
Miklos: Tá
vendo? Não sabem direito história. A invasão foi em 44, mas desde 38 o governo
era aliado dos nazis. Não quero falar sobre isso.
Nair:
Mas o senhor estava lá, não é? Devia ter uns vinte anos. Deve saber o que aconteceu. Mas ela não está
interessada nisso. Quer saber o que houve na sua cidade.
Miklos: Eu
consegui sair da Hungria em 40. Aí eu não estava mais na minha cidade. Estava
em Budapest. Eu era da resistência. Saí fugindo pela Ucrânia. Quando a guerra terminou
fui de navio de Odessa até Gênova e de lá para o Brasil. Não sei o que se
passou depois que saí.
Nair: Eu
acho que é isso aí que ela quer saber. Como foi trabalhar na resistência
naquele tempo.
Miklos:
não gosto de falar sobre esse tempo. Mas sou dos poucos que ainda vivem para
contar. Ela vai colocar a entrevista num jornal? Na televisão não quero.
Nair:
Não sei direito. Mas ela me falou que seria no meio de um artigo para jovens. A
ideia é mostrar pessoas que mesmo naqueles tempos difíceis pensavam com as
próprias cabeças.
Miklos:
está bem. Aceito falar com ela, mas antes quero ver o que vai sair publicado.
Sabe, eu fui ator de teatro lá, e aqui trabalhei em propaganda, agora chamam de
marketing. Então, eu entendo alguma coisa de comunicação.
Nair:
que bom! Vou logo ligar para ela. Que papeis o senhor fazia no teatro?
Miklos: a
gente fazia muita comédia. Para adultos e crianças. Eu saí em 40. Mas em 43 o governo fechou o teatro. Os do
governo não gostavam das peças que ridicularizavam o governo e então fechavam e
prendiam o pessoal. Vou mostrar as fotos e uns poucos recortes de jornais que
tenho de antes de 40. O pessoal não brincava. Apontava os corruptos, os venais,
os mulherengos...Era divertido.
Cena 2
Metade do palco onde está a varanda escurece. Fica o
canto à direita iluminado, onde se vê agora Nair falando ao telefone.
Nair: Oi,
Tereza! Consegui convencer o homem a falar com você!
Tempo de espera da resposta de Tereza
Nair respondendo: Não. Ele não falou
nada dos amigos daquele tempo. Só falou que tinha sido ator.
Tempo de espera da resposta de Tereza
Nair: Sei que o que interessa a você é sobre o que ele fez na resistência e o que
aconteceu com o grupo dele, mas você mesma vai ter que tirar isso dele. Quando você quer vir ?
Tempo de espera da resposta de Tereza
Nair:
amanhã à tarde está bem. Vou fazer um bolo e chá, ele gosta. Vai facilitar a
conversa. Você vem sozinha?
Tempo de espera da resposta de Tereza
Nair: já
sei. É o seu colega que sabe falar húngaro. Boa ideia, talvez facilite.
Fim do primeiro ato
Segundo
ato
Na pequena sala da casa de Miklos. Este está sentado à
mesa simples de fórmica com uma bengala apoiada ao lado, quando entram Nair, e
a filha Tereza acompanhada de um homem jovem.
Nair falando bem alto:
—
Seu Miklos, aqui estão eles: minha filha
Tereza e seu colega da faculdade.
Miklos: O que Dona Nair? Quem é esse
homem? A senhora me falou que vinha sua filha Tereza. Pode mandar embora. Não
quero mais gente aqui.
Tereza: Seu Miklos, não
fique bravo. Foi para ajudar. Trouxe meu colega Gabor porque ele fala húngaro e
pode facilitar na entrevista.
Miklos, irritado,
se levanta com auxílio da bengala: não quero falar húngaro. Estou no Brasil há
mais de cinquenta anos. Falo português! Entendeu! Não quero ouvir húngaro, ver
húngaro, falar húngaro! Sou brasileiro! Despache o seu amigo, colega, sei lá o
que ele é!
Nair: Seu
Miklos, se acalme. Coitado do rapaz. Ele teve boa vontade em vir até aqui. O
senhor sabe como aqui fica longe da cidade. Difícil de chegar. Foi para ajudar
a Tereza. Ele é colega da faculdade. Vou servir o chá e um pedaço de bolo e vai
ajudar na entrevista.
Miklos: Tá
bem, dona Nair. Desculpe. Bocs, Bocs. Ele pode ficar. Vamos ao bolo, que
é o que interessa agora.
Nair serve o bolo e o chá.
Miklos, visivelmente
mais calmo: Dona Nair, esse seu bolo de fubá está divino. Vamos lá. Agora estou
de barriga cheia pronto para a entrevista. O que você quer saber, moça Tereza?
Tereza: Vou
ligar o gravador, seu Miklos. Fica mais fácil. Se o senhor quiser, pode depois
ouvir tudo e, se quiser tirar uma parte, a gente apaga.
Miklos: Tá
bom, senhorita Tereza. Posso chamá-la assim? Na Hungria era assim. Senhora e
senhorita.
Tereza:
pode me chamar apenas de Tereza, seu Miklos. E quero apresentar meu colega que
vai ajudar. Ele tem mais experiência de entrevistas do que eu. Este é o Gabor.
Gabor se levanta da ponta da mesa e chega de pé, perto de Miklos, estendendo a
mão.
Gabor:
Prazer em conhece-lo, seu Miklos. Eu me chamo Gabor. Gabor Nagy. Já nasci no
Brasil. Meu pai veio em 1956 quando Stalin invadiu.
O velho Miklos desconfiado
escrutina com atenção o rosto do rapaz:
Miklos:
Conheci um Nagy naqueles tempos. É um sobrenome comum. E você vai saber daqui a
pouco porque eu não gosto do sobrenome Nagy. Vamos começar logo essa
entrevista.
Tereza, falando alto: Quando o senhor entrou para a resistência contra o nazismo? E por quê?
Miklos: Eu nasci em 1922. Quando eu
era bem jovem. Desde os meus 12 ou 13 anos na Hungria, nós já sabíamos bem o
que estava acontecendo na Alemanha com os nazistas no poder. Minha família era
luterana, mas tínhamos tios e tias casados com judeus. Meu pai era advogado e
dava aulas na universidade e minha mãe era professora de crianças na escola do
bairro.
Tereza:
Então, o senhor cresceu numa família culta. É isso?
Miklos:
Sim. Em casa, havia muitos livros e jornais. Toda noite escutávamos as notícias
pelo rádio. Em casa se falava alemão, além do húngaro, e na escola eu aprendia
também francês. E se discutia sobre o que era certo e o que estava errado.
Tereza:
E aí? O que vocês escutavam?
Miklos: Nas rádios da
Alemanha e da Áustria ouvíamos as propagandas dos nazis e os discursos de
ódio e as leis antissemitas. Nas rádios
clandestinas e francesas, ouvíamos as notícias sobre prisões de opositores que
sumiam e das medidas contra professores e funcionários que eram despedidos e
alunos que eram barrados nas universidades.
E em 36 aconteceu a noite dos cristais em várias cidades alemãs, com quebra das
lojas judaicas, agressões, humilhações e fogueiras dos livros considerados
anti-regime.
Tereza:
E na Hungria? O que se passava?
Miklos:
A Hungria era um país, na época, menos importante para Hitler. Na Hungria, havia
uma mistura de povos de várias origens e religiões e um grupo grande de romani
ou ciganos. Os dirigentes morriam de medo de serem invadidos pelos alemães. E
queriam a posse de terras invadidas na Romenia, e na Tchecoslováquia. Houve um aumento muito grande do nacionalismo.
Tereza:
Mas teve um governo que fez aliança com os nazistas, não é?
Miklos:
Pois é. O tal do Horthy. Ele era um almirante, uma espécie de regente na
Hungria. Ele e os amigos achavam que, se fizessem um pacto, poderiam depois
negociar vantagens com o governo do Hitler e tomar posse das terras invadidas. Era
violentamente antissemita e extremista.
Tereza:
Pois é! Mas quero saber quando o senhor
entrou para a resistência.
Miklos:
Foi em 38. Eu tinha 16 anos. Meu pai tinha sido impedido de advogar e minha mãe
foi despedida da escola,. Eram considerados da oposição e falavam contra o
governo e os nazistas. Venderam o que tinham e foram morar num sítio no
interior. Eu já vivia a maior parte do tempo com o grupo da resistência,
mudando de casa e fazendo pequenas tarefas. Recados, distribuindo panfletos,
etc. Depois, a gente passou a ajudar o pessoal a fugir de trem ou pelas
fronteiras.
Tereza: E
não tinha medo de ser apanhado?
Miklos:
O grupo era muito jovem. A gente não acreditava que iria ser apanhado. Eu
fiquei por lá até 40, 1940, até a Hungria se aliar ao eixo. Aí havia verdadeira
caçada de jovens para o exército que estavam preparando para junto com os
alemães invadir a Iugoslávia e a Rússia.
Tereza:
E quando saiu e por que?
Miklos:
o cerco foi se fechando sobre nós e os outros grupos de resistentes. Quando
apanhados eram espancados, às vezes, até morrer. Então, uma tarde, lembro até hoje, um companheiro
entrou correndo e avisou para sumirmos dali. Alguém tinha delatado. Cada um já
tinha programado uma rota de fuga.
Tereza:
E quem era o delator?
Miklos:
Aí é que está. Naquela
hora ninguém sabia e não importava. Eu fugi de trem e fui pela rota que eu
conhecia e que a gente usava para tirar as pessoas da Hungria. Eu consegui atravessar
a Romênia e entrei na Rússia. Fiquei em Odessa até o final da guerra. Um do
grupo, também veio alguns dias depois. Ele sabia quem era o delator do grupo.
Era um que era meu maior amigo. Fiquei arrasado.
Tereza: E quem era ele? Qual o nome?
Miklos:
Não quero falar
sobre isso. O que interessa? Era um traidor.
Tereza: Era
o tal Nagy, que o senhor falou no começo?
Miklos:
Pois é isso. Se quer saber mesmo, o nome era Andras Nagy! Traidor! Não sei que
fim levou e não quero saber.
O colega de Tereza, Gabor, que
tinha se mantido calado até então, sentado, de repente se levanta pálido.
Gabor:
Meu avô se chamava Andras Nagy! E ele não era traidor!
Miklos tenta se se levantar,
apoplético, com a ajuda da bengala, com raiva e grita:
Miklos: Fora daqui. El innen! Seu átkozott avô, seu maldito avô, era meu maior amigo.
Traidor. Causou a morte de muitos outros
resistentes. E prenderam os infelizes do grupo que a gente ia levar para fora
do pais. Devem ter morrido todos nas câmaras de gás. Só sobrou eu e o Bence.
Miklos
continua:
Dona Nair, tira esse pessoal
daqui. Não quero mais saber de entrevista, coisa nenhuma. Fora.
Nair
tenta acalmar o velho:
— Calma, seu Miklós. A Tereza não sabia de
nada do rapaz. Nem podia saber. E o rapaz também não tinha ideia
de coisa alguma. Acalme-se. O rapaz quer falar alguma coisa. Escuta ele... Tome
o seu chá. Vai acalmá-lo.
Miklos:
Vocês mulheres com seus chás. Para qualquer desgraça lá vem o chá. Vou tomar.
Tá me dando uma dor no peito. Ai.... Vou tomar...
Nair se vira para o rapaz:
— Então, moço: Garbo.
Grabo, seja quem você é. Fala! Ele vai
escutar você, até porque não vai conseguir levantar sozinho da cadeira do jeito
que está.
Gabor fica de pé e encara Miklos e com voz emocionada começa a falar
— Eu ainda conheci meu avô Andras. A gente chamava
ele de vô André. Eu gostava muito dele. Tinha um jeito triste e à noite às
vezes gritava em húngaro. Eu não sabia o que significava. Quando fiquei maior
ele explicou: Ne ölj meg. Não me matem! Tinha pesadelos terriveis.
Ele foi preso, torturado e sofreu muito.
Miklos agora um pouco mais
calmo, olhava as próprias mãos.
Miklos:
A gente achou que ele tinha se passado para o lado dos nazis para conseguir
tirar a irmã e a mãe do país.
Gabor:
Ele conseguiu fugir para Itália e depois para a Suécia. Voltou para a Hungria
em 1945 e casou. Ele, com minha avó e meu pai ainda criança fugiram da Hungria
em 1956 na revolução contra os soviéticos.
Vieram para o Brasil de navio, de Gênova. Meu pai casou no Brasil com uma
húngara, Ilka, que faleceu ainda jovem. Depois já com 50 anos casou com minha
mãe, que é brasileira, filha de portugueses.
Miklos: Como eu vou saber que ele
não inventou essa história de que foi preso e torturado ?
Gabor:
O senhor pode acreditar ou não! Mas eu vi o corpo dele e as cicatrizes
profundas. E ele mancava de uma das pernas. Era uma fratura que sofreu na prisão e
infeccionou. Ele tinha uma caixa com cartas que tinha escrito para os antigos
amigos e todas voltaram ao remetente.
Miklos agora calmo e meio
envergonhado:
Miklos:
Tá bem, rapaz.
Vou lhe dar um crédito. Quero acreditar em você.
Gabor se
afasta um pouco e diz:
— Tereza, vamos embora. Quero voltar com a caixa das cartas para ele ver que
não estou inventando. Aí você pode terminar a entrevista.
Gabor para Miklos: Vou voltar, seu Miklos! Vai ver que é tudo verdade! Vou trazer a caixa
de cartas que Vô André deixou. Ele era contador e viveu até os 94 anos. Ele
viveu os últimos anos em nossa casa e nós guardamos essa caixa. Ninguém na
família fala húngaro, mas ficou como lembrança.
Terceiro e último ato
Dois dias depois.
Cenário. Dona Nair com
telefone na mão falando da cerca para Miklos sentado na varanda.
Nair:
Seu Miklos, o rapaz que veio com Tereza anteontem quer saber se pode vir amanhã
à tarde para mostrar as cartas do avô. A
Tereza vem junto.
Miklos: Não sei não se quero
ver o sujeito de novo. O avô era um traidor, traiu o nosso grupo. Eu não tenho
nada a falar com ele.
Nair:
Seu Miklos, ele parece um bom rapaz! Ele quer limpar a barra do avô. Se ele
fosse um qualquer não tava nem aí.
Miklos: Tá bom, tá bom, dona Nair. Você tem razão. Deixa ele vir.
Você vai trazer aquele seu bolinho de fubá? Quando como o seu bolo eu fico mais
feliz! Miklos dá uma risada. Esqueço as desgraças e a dor na perna!
Dia seguinte:
Cenário. Iluminação na sala da casa de Miklos. Nair serve uma fatia de bolo ao Miklos que
tem uma caneca de chá ao lado.
Chegam Tereza e Gabor. Ambos desejam boa tarde a Miklos.
Miklos:
Ah! Chegaram enfim! Tereza, vou escutar o jovem aí só porque a Nair pediu e
você é quem trouxe ele aqui.
Gabor:
Seu Miklos, eu não sei o que tem nessas cartas, mas já percebi que em seis
delas tem o seu nome no envelope. Separei das outras endereçadas a outras
pessoas que talvez o senhor conheça. Aqui estão.
Gabor coloca as cartas na mesa,
em frente a Miklos.
Miklos:
Dona Nair, me ajuda. Traz a lente que eu uso para ler e puxa a lâmpada para
perto da mesa.
Nair puxa um abajur de pé para
perto da mesa e traz a lente de aumento.
Miklos:
Vamos ver agora o que o Andras escreveu para mim. As cartas foram todas
devolvidas ao remetente. Tem uma carta aqui bem antiga de setembro de 1940, postada
em Trieste na Itália. Essa ele enviou para o endereço de posta restante que só
ele conhecia. Eu já tinha escapado fazia um mês. As outras foram enviadas depois de 1945, da
Suécia e da Bélgica e estão carimbadas pelo correio da Hungria que devolveu ao
remetente.
Miklos:
Vou começar pela primeira
Miklos começa a ler
silenciosamente:
Sua fisionomia vai se
alterando. Dá um murro na mesa.
Miklos gritando:
— Que covardes! Filhos da puta!
Desculpe dona Nair e Tereza.
Miklos afasta a lente e começa a chorar.
Miklos:
Não consigo mais ler! Dona Nair me traz um copo d´água...
Ainda com a voz embargada continua:
Miklos:
Os policiais o agarraram quando foi se encontrar com um companheiro no parque
Városliget.
Exclama: O que fizeram com meu melhor amigo! Como o torturaram! Não vou traduzir essa parte para vocês.
Depois ele pede perdão por não ter aguentado a tortura e indicado nossos nomes.
Gabor:
Tá vendo seu Miklos? Meu avô não era o traidor frio que o senhor pensava.
Ninguém consegue resistir à tortura. E ele escreveu para explicar.
Ele escreve como conseguiu escapar?
Miklos:
Pelo que entendi não tinham celas especiais e eram presos na prisão comum que
estava lotada. Então, muito ferido, foi
jogado numa cela coletiva onde havia gente presa durante a noite por bebedeira
e pequenos roubos. O guarda da cela era simpatizante nosso e quando soltaram a
turma, o Andras assinou com outro nome e saiu junto. Estava ainda muito
machucado mas conseguiu escapar para o interior até se recuperar e de lá foi para
a fronteira da Iugoslávia com a Itália, e atravessou para Trieste.
Gabor:
Pois é mesmo o que ele contava. Que escapou para a Itália e depois para a
Suécia. O que dizem as outras cartas?
Miklos:
As outras são depois do fim da guerra. Ele queria me localizar. Mas eu já
estava a caminho do Brasil e ninguém saberia meu novo endereço. Da minha
família ninguém sobrou em Budapest e na Hungria. Meus pais não voltaram à
capital e morreram no interior. Três primos recrutados sumiram na Rússia.
Gabor:
Mas o senhor poderia traduzir para mim? A gente pode ligar o gravador.
Miklos:
Sim, mas noutro dia. Hoje vamos comemorar. Reencontrei meu amigo a quem eu
injustamente acusei e afastei. Em tempos de guerra a gente não pode acreditar
no que ouve. Dona Nair: traz a champanhe!
Nair:
Mas seu Miklos, não tem champanhe na sua casa e nem na minha. Como é que a
gente vai arrumar champanhe assim?
Tereza: A gente vai buscar no mercado, mãe. Vamos comemorar.
Alguma coisa deve ter. Champagne ou sidra não tem importância.
Cena final: na mesma sala
iluminada. Miklos parece bem mais empertigado e coloca o braço ao redor dos
ombros de Gabor. Todos empunham uma taça com bebida borbulhante.
Miklos: à Amizade! Ao Gabor, meu novo jovem amigo!
Música alegre
FIM
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