Acasos
Ises de Almeida Abrahamsohn.
Entre panfletos e contas que o carteiro despejava na
caixa o envelope marrom amassado passaria despercebido não fosse o berrante
URGENTE em vermelho. O endereço era mesmo o seu, mas do destinatário nunca
ouvira o nome nem desconfiava quem fosse.
Olhou o carimbo: Lamego, Viseu. Vinhas a não se acabar
recobrindo as suaves encostas ao longo do Douro foi a imagem que lhe veio à
mente. Adorava a região onde viveram seus avós. Olhou o verso, nomes também
desconhecidos. Primeiro cogitou de
devolver ao correio. Mas, e se contivesse algo que de fato não pudesse esperar?
Pensou em localizar o destinatário pelo Face ou pelo Twitter o que poderia lhe
custar algum tempo. Não iria se dar ao trabalho se não fosse mesmo urgente.
Finalmente decidiu-se por abrir o envelope. Marília
passou rapidamente pelo texto:
̶ Ora, vejam só, que sortudo esse tal de Mário
Seixas Schmidt. Pelo jeito vai herdar uma bela propriedade. Queria que fosse
eu! Sempre quis ter uma quintazinha no
Douro para lá passar os verões e outonos... Bem, vamos lá atrás do Senhor
Mário. Ele tem que se habilitar até o fim desta semana. Talvez ele me convide
para passar uma temporada na tal quinta....
Animada pela ideia, Marília atacou o computador. Uma
dúzia de Mários Schmidt no Face mas nenhum tinha Seixas ou um S como inicial do
meio. Eliminou os que não moravam no Brasil e sobrou a metade. Na linha do
tempo nada que ajudasse. Olhou o relógio e deu um pulo. Teria que retomar a
pesquisa quando voltasse da Universidade.
À tarde, no metrô, voltou a pensar no desconhecido Mário.
̶ Bem que podia ser um cara legal, estou
precisando de um novo amor... Já faz um ano que terminei com o Renato. Tá
certo, não precisa ser namorado, um bom amigo pelo menos, tá difícil de achar
alguém, caras interessantes são raros, a maioria não consegue nem conversar
direito, só querem sexo, tá difícil mesmo... Quando aparece um melhorzinho, vai
ver e é casado o canalha, ou divorciado com filhos e mil problemas....
Chegou em casa aflita e voltou à telinha acompanhada
de um copo de leite. Dos seis candidatos, dois não tinham fotos. Esperançosa,
enviou mensagens a todos antes do jantarzinho frugal. Iria checar depois do fim
do noticiário. Acionou o celular e sim! Justo um dos sem foto era o Seixas Schmidt.
Combinaram encontrar-se no dia seguinte.
Marília chegou dez minutos antes ao café do Shopping. Inspecionava
os homens que entravam. Quase se levantou ao ver o rapaz atraente de terno e
cabelos escuros dirigir-se ao balcão. ̶ Bem que podia ser o tal Mário.... Mas não é!
E pronto! Acorda menina, tá ficando idiota, tá esperando quem? Galã de novela? Devo estar bem
carente, estou ligada ainda no tipo do Renato, bonito, mas ordinário, chega,
chega! Esquece!
Alguns minutos depois ouviu seu nome. Virou-se. Lá estava ele.
̶ Bem, não é exatamente o homem dos meus sonhos, pensou ao apertar a mão do rapaz loiro, já um pouco calvo, de olhos claros e sorriso amigável. Meio envergonhada, explicou-lhe porque abrira o envelope. Mário encomendou os cafés e contou-lhe a história da herança. Ao se despedirem, convidou-a para almoçar no dia seguinte.
Seis meses depois Marília, de
mãos dadas com Mário, inspecionava as vinhas carregadas de frutos.
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