REALIZANDO UM SONHO
Carlos Cedano
SEU JOAQUIM
PARTE UM
Seu Joaquim escutava falar maravilhas do
circo, seus netos já adolescentes, sempre comentavam com entusiasmo o que
tinham visto quando viajaram com seus pais para a grande cidade. Ele ficou admirado
com a alegria dos netos nas suas narrativas e como tinham curtido o circo, nas
lembranças do velho homem não existia nada que o levasse a sentir o que seus
netos pareciam ter vivido. Mas, pensou ele: eu
sempre morei nesta pequena cidade desde que ela era apenas um vilarejo e não
existe nas minhas recordações nada que me possa dar uma ideia cabal do que seja
um circo.
Tudo isso aguçou sua curiosidade e queria
saber mais e disfarçadamente começou a perguntar mais sobre o circo, soube que
um circo tinha palhaços que nos fazem rir, leões que nos apavoravam,
homens-bala que voam para longe, domadores temerários, equilibristas corajosas
e lindas, trapezistas ousados e outros personagens. Cada dia o vô se
entusiasmava mais com a ideia do circo e decidiu ir para a grande cidade, falou
para seus filhos e netos que visitaria seu velho primo Fonseca. A família se opôs
dizendo que ele não poderia viajar sozinho, que estava velho, quem cuidaria
dele e como iria se virar na cidade e etc. etc.? O velho insistiu veementemente
e venceu pelo cansaço, um dos netos se comprometeu a acompanhá-lo e deixá-lo na
casa dos primos e que passados quinze dias o buscaria. E assim foi!
Joaquim viajava com a esperança de conhecer
um circo de verdade, mas quando começou a indagar com os primos Fonseca sobre o
circo lhe disseram que nessa época ele viajava para outras cidades e ninguém
sabia quando voltaria. Seu Joaquim não desistiu de seu sonho e começou a percorrer
a cidade e visitar parques, jardins e todo lugar onde encontrasse crianças. Ele
perguntava se eles já tinham visto um circo, conversava com crianças de todas
as idades e lhes pedia pra dizer do que mais gostaram, em alguns casos as
crianças respondiam sobre animais fantasiosos, uma águia verde foi um exemplo
ou como um deles tinha lutado com um tigre e outro com um leão, escutou uma menina
que tinha desfilado vestida de princesinha sobre um cavalo no picadeiro, outro
sorria e dizia que ele seria um palhaço quando grande em quanto outro o
retrucava dizendo que preferia ser um domador.
Foram quinze dias escutando os pequenos
amigos que o ajudaram a desenhar como seria um circo com os personagens
narrados e descritos por elas mesmas. Voltou feliz, foi uma bela viagem disse
para a família sem revelar o segredo que tinha na cabeça.
O CIRCO DE SEU JOAQUIM
PARTE DOIS
Seu Joaquim conhecia uma clareira bem
perto de sua cidade, belo lugar para iniciar um circo a céu aberto, terra plana
e rodeada por belas árvores, mas isso podia esperar disse ele para si mesmo,
antes precisava aprender mais sobre os circos, visitou a pequena biblioteca da
cidade, mas pouca coisa encontrou, conversou com amigos e pouco sabiam de como iniciar um circo e menos
ainda como criar um circo sem personagens reais, visitou o pároco Enéas que lhe
disse que o único que lhe podia oferecer era o acesso a sua biblioteca, talvez encontrasse
algum livro que o ajudasse. Seu Joaquim começou a vasculhar a biblioteca do padre
que não era tão pequena. Após dois dias de procura se deparou com um livro que
atraiu sua atenção por seus desenhos e personagens fantásticos; o livro roubou
todo seu tempo! Leu novamente o nome do autor, era um senhor
de nome Lewis Carroll e o livro se chamava Alice
no País das Maravilhas.
Quando acabou e ler e reler o ancião já
sabia como seria seu circo, seria composto de narrativas de historias improvisadas
por crianças estimuladas por desenhos coloridos. Cada criança deveria narrar o que
enxergavam nos desenhos, vale tudo que vir à cabeça disse ele, não importa que
seja o bicho mais raro ou inexistente e sem preocupar-se que a historia parecesse sem pés e sem
cabeça, sonhem acordados, essa seria a única regra!
Nosso velho amigo encontrou uma jovem
professora da escola pública que além de pedagoga, era professora de desenho.
Andreia escutou com atenção a ideia de seu Joaquim e foi se entusiasmando com o
projeto, ele lhe emprestou o livro que tinha lido. Dois dias depois, e com
aspecto de não ter dormido muito, Andreia exultante lhe disse que agora sua
ideia lhe parecia mais fantástica ainda e foi perguntando lhe:
— Quando começamos?
— É pra já! Respondeu seu Joaquim.
No mês seguinte ambos se reuniam diariamente
e durante muitas horas. Andreia elaborava os desenhos coloridos pintados em grandes
pedaços de cartão tendo como inspiração Miró, Kandinsky e o próprio Lewis
Carroll. Os desenhos misturavam traços diferentes e misturavam figuras
geométricas e circulares e características surrealistas. Eles foram pregando os
desenhos em paneis grandes de bambu construídos pelo seu Joaquim na clareira. O
colorido do conjunto dos desenhos ficou sensacional na opinião do padre Enéas,
um dos poucos que sabia do segredo do circo.
Fizeram testes com vários alunos entre
nove e quatorze anos e os resultados que observaram os deixaram muito
satisfeitos. Agora se tratava de levar para frente uma experiência mais ampla com
mais crianças e com convidados entre os quais
professores e familiares.
O dia da apresentação foi num sábado no
lusco fusco do dia, tinham sido colocadas tochas e os convidados sentaram-se no
chão num semicírculo frente aos paneis.
A apresentação se iniciou com as palavras
de seu Joaquim fantasiado como um ser desconhecido com o rosto coberto por uma
mascara brilhante e uma capa preta também brilhante. Foi breve e explicou ao
público que se tratava de uma experiência inédita para mostrar a enorme riqueza
da imaginação e criatividade que todo ser humano possui!
O primeiro menino escolheu um painel que
inspirou nele o desejo de viajar para longe flutuando e rodeado de balões de
diferentes cores e tamanhos e acompanhado de notas musicais que pareciam de
outra dimensão. Outro subitamente se encontrou num vórtice de um lugar
desconhecido povoado por seres quase transparentes, conversou com personagens de
rostos diferentes, porém muito amigáveis e que lhe pediram para contar sobre
seus pais e amigos. Uma menina se fixou num painel com desenhos de nuvens cinzas
e brancas e onde “enxergou” os rostos de
seus avós e de sua falecida mãe, não sentia medo, ao contrario essa visão lhe
transmitiu calma e certeza de que eles estavam num lugar de paz e amor. E assim
foi com outros meninos que relataram aventuras com animais nunca vistos, outro
relatou a amizade entre um tigre de listras com as cores do arco íris e uma
espécie de cervo cujos chifres emitiam sons que pareciam acalmar o tigre.
E assim foi passando o tempo e quando
todos os meninos narraram suas historias seu Joaquim agradeceu a presença de
todos os convidados não sem surpreender-se do silêncio dos assistentes que
pareciam hipnotizados, aos poucos foram
“acordando” cada um deles tinha feito sua própria “viagem” e tinha descoberto segredos
de sua própria imaginação.
A novidade se espalhou na pequena cidade e
todos queriam assistir a uma nova apresentação, foi o inicio de um sucesso que
extrapolaria o vilarejo e ganharia dimensão nacional e talvez. Mas isso já é
outra historia!
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