UMA VIAGEM PARA LÁ DE INSEGURA
Sergio Dalla Vecchia
Era um homem alto, imponente, estava sempre de
botas, terno, gravata e não largava um cachimbo que exalava o perfume
achocolatado do fumo Half & Half.
Tinha o hábito, como bom goiano de portar o
revolver acomodado em uma cartucheira no peito.
Fazendeiro nato, chegou aos oitenta anos comprando
fazendas desorganizadas a bom preço, fazia uma ótima gestão e assim que ela se tornasse
rentável punha à venda com ótima valorização.
Era ele o tio da esposa de Rubens e considerada por
ela um segundo pai.
Sua última aquisição foi uma fazenda no vale do rio
Ribeira no município de Registro, S P.
O preço foi bom, ele estava numa alegria só, seus
olhos brilhavam!
Assumiu a fazenda e começou a incrementa-la,
arrumando cercas, pomar e principalmente abastecendo os pastos de gado.
Pronto! Já tinha condição para convidar a sobrinha
com marido e os três filhos de dez, doze e treze anos.
Assim Rubens em um fim de semana de julho levou a
família para a fazenda, deixando-os para curtirem uma semana de férias.
O lugar era lindo, havia uma sede de madeira bem
próxima ao rio Ribeira.
Alugou um barco com piloto e saiu com a esposa
rodando o rio. Tudo era verde, a flora exuberante e a fauna se apresentava com
garças, marrecos, saíras e até um imenso urubu rei, nunca visto em lugar algum
pelo viajado casal.
Depois andaram a cavalo em um manga-larga pampa e
uma linda égua tordilha. As crianças não paravam de brincar com as galinhas,
cabritinhos e bezerros.
O fim de semana passou e Rubens voltou sozinho para
São Paulo na sua Chevrolet Caravan, deixando para trás a família e o
entusiasmado tio.
A viagem de Registro para São Paulo é feita pela BR
116 - Rodovia Régis Bittencourt e a distância é de 200km. Na época tinha uma pista
com duas mãos de direção e um imenso tráfego de caminhões. Normalmente ela era
feita em duas horas e meia.
A semana passou e Rubens retornou ansioso para
buscar a família.
As crianças estavam uma alegria só, coradas, mais
calmas e receberam o pai com aquele triplo abraço e muitos beijos.
Infelizmente a alegria acabou, chegou o domingo e
era hora da volta.
A Caravan já estava carregada e todos prontos para
partir.
Aconteceu que o motorista que viria para dirigir o
Alfa Ti do tio não chegava nunca. O tempo foi passando e decidiram ir sem ele.
O tio fez menção dele mesmo dirigir. Fato
impossível, pois não dirigia há anos e não enxergava bem.
A tarde já estava avançada e sem opção, Rubens deixou
que a esposa fosse dirigindo a Caravan com a s crianças, e ele levaria o Alfa
com o tio.
Tudo estava tranquilo até que já na Rodovia ela
começou a mostrar insegurança nas ultrapassagens dos caminhões. Ameaçava,
voltava e não conseguia!
Rubens vinha logo atrás e acompanhava atento todos
os movimentos.
A situação já era de perigo iminente! Os caminhões
impacientes faziam zig - zag querendo ultrapassá-la, mas não conseguiam e ainda
mais nervosos se tornavam!
Na época não havia celular e a única maneira que
Rubens encontrou foi emparelhar-se com ela e mandá-la segui-lo, ultrapassando-a
com muito risco. Por sorte achou logo adiante um trecho com acostamento, parou
saiu do carro e fez sinal para ela parar. A Caravan parou e sua esposa
apavorada ficou imóvel com as duas mãos grudadas no volante! As crianças
assustadas choravam! A cena era a imagem do pânico!
Já era noite. Pedir socorro para quem? Não havia
nenhum policial rodoviário. Os caminhões passavam em alta velocidade sem dar a
mínima, apenas balançavam os carros com o deslocamento de ar.
Rubens não tinha alternativa! No Alfa estava o tio
idoso muito ansioso e a família apavorada na Caravan! Tudo de ruim passava pela
sua cabeça. Um mal súbito do tio! Um desmaio da esposa! Até um caminhão
desgovernado passar por cima de todos no acostamento!
A solução era uma só. Prosseguir a viagem o quanto antes!
Após acalmar as crianças e depois a esposa com
muita conversa, orientou-a para guiar normalmente e apenas segui-lo.
Assim, quando Rubens percebia que se formara uma fila
de caminhões atrás da Caravan, ele saia para o acostamento no que era seguido imediatamente
pela esposa. Os caminhões passavam desesperados e logo em seguida os dois
carros retornavam para estrada. Essa operação foi repetida algumas vezes e a
tática foi aprovada.
Finalmente, após quatro horas de viagem chegaram todos
em São Paulo sãos e salvos!
O tio ainda convidou a família outras vezes,
mas eles sempre arranjavam uma desculpa para não aceitar, para a tristeza do
velho.
E assim o tempo passou e a fazenda foi vendida, mas
dessa vez sem lucro, pois o rio Ribeira voltou a inundar todo o vale causando
enormes prejuízos.
Esse
foi o último negócio do tio!
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