CURTAS DE BONDE
Oswaldo
U. Lopes
É
curioso o emprego da palavra bonde para designar o veículo de transporte
público que inclusive já foi de tração animal antes mesmo do uso do motor
elétrico.
Em
outras línguas, ou melhor, em outros países e outras culturas a palavra que
descreve essa geringonça, retrata claramente sua função ou seu funcionamento:
Elétrico
(Portugal), Tramway, Trolley (Reino
Unido), Street car (USA), Tranvia (Espanha), Tramway, Tram ( França), Cable car
( Canada) De uma maneira ou de outra os nomes sinalizam seu uso ou uma
característica (Cable= que tem cabo; Elétrico = movido por motor elétrico).
A
palavra Bonde usada entre nós é única e peculiar ao Brasil. Seu registro esta
presente na linguagem popular ou culta, sendo encontrada até em teses de
urbanismo que discutem as peculiaridades e utilidade desse meio de transporte.
Bonde não designa ou deriva de nenhuma função ou palavra que esteja associada a
esse tipo de serviço público.
A
origem mais aceita afirma que a palavra nasceu por volta de 1880 e sua origem
se deve ao fato de que na época a passagem do CARRIL DE FERRO (seria estranho,
mas pertinente se chamássemos os queridos bondes por esse nome) custava 200 Réis,
mas não havia em circulação moedas desse valor. Para remediar a situação a
empresa que manejava o Carril de Ferro passou a emitir cartelas com cinco unidades
ao preço de 1.000,00 réis, cédula cuja circulação era abundante. São os
antepassados dos famosos passes da CMTC que alguns ainda vivos conheceram na
juventude.
Os
bilhetes eram impressos nos Estados Unidos e tinham a denominação de Bond
(palavra que designa ação de uma companhia, mas também um compromisso de
recompra). Dai para a criação do neologismo bonde foi um passo, rapidamente
executado.
Quando
passaram a circular os bondes fechados, vermelhos, típicos que muitos se
recordarão iam até Santo Amaro, seu aspecto levou ao uso da palavra camarão
para esse tipo de veículo de transporte que, de certa maneira, era em tudo
semelhante ao tradicional bonde. Andava nos trilhos, tinha motor elétrico e
necessitava fornecimento de corrente elétrica para sua atividade. Fechado, era
certamente mais confortável e seguro.
È
curioso observar o surgimento desses nomes. O serviço de bondes tinha suas
características, não entravam pessoas descalças ou só de camisa. Por causa da
concorrência de ônibus de motor a gasolina, a Companhia que os manejava passou
a circular bondes abertos de maior parte que comportavam a tração de um reboque
não eletrificado. O veículo era robusto e aberto e nele, em tese, só poderiam
viajar operários que portassem suas ferramentas e estivessem descalços. Pela
diferença de preço (cobravam a metade) ganharam o apelido de caradura, já que
muitos se aproveitavam do preço e viajavam neles mesmo não sendo operários.
Estas palavras novas incorporadas à língua
acabam sendo um ponto de convergência entre o chamado falar erudito ou norma
culta e o falar popular. Este pela sua difusão extremamente rápida e poderosa
acaba por se impor e se incluir na língua,
no vocabulário e nos dicionários
LADEIRA ABAIXO
O
bonde tinha como destino o Jardim Paulista e como trajeto descia a Rua Pamplona.
Seu Manoel que era motorneiro calejado, já enfrentara aquela situação antes e
achava que a tiraria de letra. Não tirou, e ainda ficou devendo ao abecedário.
A
molecada, e não pela primeira vez, passara sabão nos trilhos com gosto e
vontade, e o bonde começou a deslizar na altura da Alameda Jaú e Seu Manoel de
imediato acionou a caixa de areia que era usada em dias chuvosos para evitar
que o bonde escorregasse.
Só
que a molecada fizera serviço completo, tirara também bastante areia da caixa
de modo que o bonde começou a ganhar velocidade espantosa, passou pela Batatais
voando e os passageiros sentiram no rosto e na paisagem a impressionante
velocidade.
As
vaias e gritos que surgiam quando o bonde não parava nas estações se
converteram em sussurro e olhares ansiosos vendo passar o veículo como um
foguete, o motorneiro batendo o pé naquela espécie de sino de som tão
característico que muitos se lembram, usado por eles a guisa de buzina.
A
Rua Estados Unidos se aproximava rápido e Seu Manoel começou a prometer mundos,
fundos e o que mais fosse para Nossa Senhora de Fátima, se o bonde conseguisse
cruzá-la sem uma colisão violenta. Sua
reza admitia até, diante da gravidade da situação, uma batida levezinha. Os
passageiros já não tinham mais cor, nem a quem apelar, os que estavam no
estribo se apertavam para dentro tentando achar proteção, os de dentro se
curvavam em direção ao chão, como o recomendado nos aviões. Os mais religiosos
já entregavam a alma ao Senhor e rezavam ferozmente.
O
bonde cruzou incólume a Estados Unidos e começou a perder velocidade ao entrar
no terreno plano, achegou-se ao círculo onde fazia o retorno e tendo escapado
de descarrilhar na primeira volta, foi perdendo velocidade, e na terceira parou e quieto ficou. Aliás, ficaram porque do bonde não se ouvia som
algum, só Seu Manoel que com a mão coçava os bigodes enquanto suspirava e
pensava nos anjinhos que tinham aprontado aquela para ele.
HISTÓRIA DE BONDE
PARA NETOS
-
Vovô você andou de bonde?
-
Andei!
-
É verdade que balançava muito?
-
É verdade
-
É era cheio de adrenalina?
-
Você quer dizer emocionante? Talvez, não tanto quanto os rachas de hoje, mas
dava para engolir em seco e suar frio.
-
Como assim?
-
Bem o bonde era uma espécie de ônibus. Aberto dos dois lados e que tinha um
estribo que ia de uma ponta a outra, para ajudar as pessoas a subirem e que também
servia para as pessoas viajarem em pé, penduradas em umas barras verticais.
-
E andar de estribo dava adrenalina?
-
Não, era tranquilo você ia vendo a paisagem e as casas. Tinha gente que mesmo
tendo lugar dentro preferia viajar no estribo. Quem não gostava muito era o condutor
que andava pelo estribo fazendo o famoso dois pra mim um pra Light.
-
O que era isso?
-
É que cada vez que ele cobrava uma passagem tinha que puxar uma cordinha que
registrava o número de pagamentos numa espécie de relógio mecânico que ficava
lá na frente. A turma que ia controlando pelo barulhinho, dizia que ele só
puxava a cordinha a cada duas cobradas, o famoso 2 x 1. Era curioso, ele era
chamado condutor e não cobrador porque tendo uma visão por inteiro do bonde era
ele quem dava o sinal de partida para o motorneiro.
-
Então a famosa adrenalina era não pagar?
-
Isso era simples e muitas vezes se fazia, mas não tinha adrenalina nenhuma.
-
Bem então conta logo a adrenalina!
-
Muitas vezes os bondes chegavam a determinado lugar e não tinha espaço para dar
a volta, que quando existia implicava um custo adicional grande, por ter a
forma de um balão. Por isso os bondes, sobretudo os abertos, tinham controles
tanto na frente quanto atrás e uma barra comprida que quando descida como que
fechava a lateral que não estava sendo utilizada.
-
E não viajava ninguém ai?
-
Pois é, ai que entrava a adrenalina. Você ia para esse lado que era chamado
entrevia. Pois, ficava entre as duas vias de trilhos dos bondes, uma que ia e
outra que voltava. Os bondes trafegavam direções opostas e se cruzavam às vezes
em alta velocidade, num movimento vertiginoso e barulhento e você lá no meio,
com medo, suando, vendo a adrenalina quase que escorrer! Consigo até sentir
isso tudo de novo.
-
Sei, e agora me explica porque acha que fazemos maluquices nos nossos rachas?
-
Sabe, morria-se pouco na entrevia e morre-se muito nos rachas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário