CORAÇÃO E RAZÃO
Ledice
Pereira
Naquele sábado chuvoso e frio a cidade estava deserta. Neusa resistiu um
pouco a sair com aquele tempo, mas precisava chegar ao destino até as 16 h.
Havia marcado aquele encontro e, embora arrependida, tinha que manter o
combinado.
Já fazia três anos que não via Edson, desde que ele deixara a capital
para se enterrar naquele lugarejo distante. Queria encontrá-lo, saber como
estava, o que fazia, como vivia. Chegou a pensar que ele havia se regenerado.
Edson foi obrigado a deixar a cidade desde que se envolveu com um bando
de marginais. Começou a praticar pequenos furtos que evoluíram para assaltos
maiores e tráfico de drogas.
Era procurado pela polícia e vivia escondido aqui e ali, sem endereço
certo, e disfarçado.
Ela não acreditou quando ele ligou para o telefone da vizinha, mandando chamá-la e dizendo que era do
hospital.
Ficou sem entender quem estaria ligando de um hospital, mas foi
atendê-lo.
Marcaram um encontro num casebre qualquer do centro da cidade.
E ela estava ali, apreensiva e tentando se proteger da chuva que caía
agora impiedosa.
Com o endereço anotado num pequeno papel, saiu procurando o tal número.
Mas não o encontrou. Havia vários grupos mal vestidos e mal encarados e
ela começou a sentir medo.
Estava quase desistindo quando uma mão forte, lhe apertando o braço,
retirou-a dali com certa brutalidade. Neusa tremia dos pés à cabeça. Daquela
figura escondida sob um agasalho preto com a cabeça coberta só conseguia ver a
longa barba que juntava ao bigode cobrindo-lhe a boca.
Reconheceu aqueles olhos azuis que nunca havia esquecido. Olhos que já
não tinham o mesmo brilho de outrora e estavam tristes.
Ele a arrastou para um pequeno bar na Rua Sete de Abril onde um garoto
realizava uma limpeza no balcão e desvirava as cadeiras que se encontravam
sobre as mesas.
O garoto os ignorou e ele tirou o gorro deixando cair os longos cabelos
engordurados.
Só então ela conseguiu falar:
─ O que foi feito daquele Edson que eu conheci? O que fizeram com você?
Ele, sem nenhuma emoção, falou de supetão:
─ Estou enrascado. Preciso fugir pra longe. A polícia está fechando o
cerco e eu preciso de dinheiro. Tudo que você puder me arrumar. Não adianta
falar que não tem. Sei que você tem conta na Caixa Econômica e vou aguardar até
segunda-feira pra você me dar. Vou esperar você aqui, às 11 h com todas as suas
economias. Caso contrário, digo que você é minha cúmplice e te levo pra cadeia
junto comigo.
Dizendo isso, ele deixou-a ali sozinha, assustada e sem saber o que
fazer.
Aconselhada por seu patrão, advogado renomado, Neusa denunciou o rapaz.
Sabia que ele nunca mais seria aquele jovem por quem ela um dia tivera um
sentimento maior.
Seu envolvimento com más companhias o tornou mais um ser marginalizado.
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