A CAÇA - Mario Augusto Machado Pinto



A CAÇA
(Título original: ONDE?)
MÁRIO AUGUSTO MACHADO PINTO.

A vida de advogado criminalista é cheia de surpresas. Afora as próprias da vida, há as que nos proporcionam consulentes e futuros constituintes. Aqueles com a “esperteza matreira”, estes pela transformação do anjo inicial em verdadeiro componente de Caixa de Pandora (que na verdade era um jarro), mas tudo bem. As surpresas fazem parte obrigatória do nosso cardápio diuturno. Como diria o Acácio: durma-se com um barulho desses!

Hoje recebi um rapaz do interior. Enquanto entra na minha sala, observo, pelo jeitão é do campo, da lavoura, trabalho manual, um pouco acanhado, roupa amarfanhada, botinas de couro cru de cor beije, rosto com sobrancelhas arqueadas, olhos tristes, barbicha crescida, cabelos compridos revoltos, orelhas de abano. Surpresa: nariz grego, ruga marca de vida, boca caída formando lábios grossos e dentes bem brancos. A surpresa são os dentes: tem-nos todos.

Cumprimenta com um forte aperto da mão grande e calosa. Diz chamar-se Rui, sobrenome Ronco, e está procurando se informar das leis pra uma coisa que quase fez, mas que vai tentar de novo. Depende da lei, claro.

Respondendo ao cumprimento digo para ficar à vontade e pergunto do que se trata.

A resposta é impactante: “se trata de matar o assassino da minha mãe” - diz. Assim. Ponto.

Há aquele silêncio de cachorro louco e ele, tomando a dianteira, fala que vai contar o porquê, mas resumindo porque a estória é longa. E contou:

Ele e sua mãe moravam na colônia da Fazenda Brinquinho, no Cariri. Seu pai devia estar por aí em algum lugar. Trabalhavam muito, sempre desde as seis da manhã para ganhar mais. Cada um ia pra um lado da roça que é longe. Certo dia cortou o dedão do pé e voltava mais cedo pra casa quando escutou gritos e urros de gente. Correu praquele lado e viu a mãe numa cruz posta de lado braços e pernas amarrados e um homem ajeitando as calças, saindo dela. Correu pra lá, no olho tudo virou sangue, levou um tiro no braço – ó a marca – caiu, mas viu o homem: o Brigito. Subindo no cavalo gritou pra ele: Alice é muito boa. Cai fora moleque! E sumiu, nunca ninguém mais viu.

Comentou: “não precisava ser do Cariri pra entender o que tinha que fazer, né? Lavar a honra dos Roco com o sangue do Brigito. Entende doutor? Pois é.”

Deixou tudo e seguiu os passos dele até aqui nesta cidade. Viu e sabe donde mora e trabalha. Perguntou:

Agora me diga doutor: se eu matar ele, o que me acontece?

Expliquei salientando que seria julgado e poderia sair condenado ou inocente. Apontei alguns detalhes. Enquanto falava observava o comportamento do Rui “felino observando o entorno de sua presa”.

Depois de um pouco pensar disse:

—  Doutor, entendi quase tudo e acho que vou correr o risco. Afinal o Sr. me foi muito recomendado. Preciso saber duas coisas: a primeira é quanto vai me custar. O Sr. já viu, né, não sou rico.

Expliquei o quanto custariam despesas judiciais, meus honorários e como deveriam ser  pagos. Ele concordou, mas disse que ainda precisava saber a segunda coisa. Disse-lhe que podia perguntar.

E, muito sério, falando baixinho perguntou:


— Onde compro a espingarda pra matar o Brigito?

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