CHÁ NO MAPPIN
Oswaldo
U. Lopes
A
Casa Anglo Brasileira era famosa, todo mundo a conhecia como Mappin ou até como
Mappin Stores o que denunciava sua origem britânica. Na velha São Paulo o que
podia haver de mais charmoso, mais típico do que tomar chá numa casa inglesa?
A
pauliceia quatrocentona não tinha dúvidas, toda tarde baixava no Mappin para
tomar o famoso chá inglês em finíssimas xícaras de porcelana chinesa,
acompanhado de deliciosos bolos e biscoitos também de procedência britânica. Os
mais requintados não dispensavam a “drop of milk”, alguns poucos, talvez soubessem que a famosa drop devia ser
colocada na xícara antes do chá propriamente dito. O chá muito quente não
poucas vezes rachava a preciosa e translúcida porcelana. Como convinha a
manteiga era francesa e o creme de leite mineiro mesmo
As
sempre elegantes e finamente vestidas senhoras que lá compareciam costumavam
levar as netas, desde que já com certa idade, para introduzi-las na sociedade,
a idade certa garantia um comportamento civilizado.
Era
isso que estava fazendo D. Olivia na companhia de sua filha Maria Rita e de uma
neta, Helena Maria. A única infelicidade de D. Olivia era ver a filha casada e
feliz com um médico dermatologista, famoso, competente, renomado professor,
porém carcamano! Isso era imperdoável! Nascido no Brasil, mas descendente de
uma família de imigrantes italianos, muito bem sucedidos, o Prof. Newton
estudara medicina em Nápoles, e escrevia e lia muito bem inglês, alemão,
francês, italiano e, é claro, português.
Dona
Olivia como boa quatrocentona dominava o francês e arranhava o alemão e era só.
Bem no fatídico dia, fatídico para ela, a coisa começou a desandar quando ao
término do chá, a elegantíssima garçonete dirigindo-se à Maria Rita disse:
-
Pomos na conta do Prof. Newton como sempre não é? Dava para ver o vaporzinho
subindo da cabeça de Dona Alzira e até ler seus pensamentos:
-
Quer dizer que o italianinho tem conta na
mais tradicional loja de São Paulo. Porcaria, porque nunca pensei nisso.
Tendo
superado, com nítido sofrimento, o primeiro baque, ela levantou-se
para cumprir uma tarefa que lhe era muito prazerosa: comprar um colar de
pérolas para sua neta que estava completando quinze anos.
Encaminharam-se
para uma joalheria nova que havia sido recomendada por uma grande amiga,
obviamente quatrocentona como ela, e que ficava ali pertinho na Rua Barão de
Itapetininga a três passos do Mappin e a dois do consultório do malfadado
genro. Proximidade que D. Olivia logo, para mais um amplo e memorável desgosto,
entenderia.
A
joalheria La Jota era moderna e muito bem mobiliada, um encanto de se ver.
Escolhe daqui, escolhe de lá, D. Alzira descansou o olhar numa peça linda de
três voltas e de alto preço que ficava deslumbrante no colo da neta que já o
incorporara e ia feliz da vida sair da loja com ele no peito. Bons tempos em
que andar na Barão de Itapetininga com colar de pérolas não causava preocupação
nem chamava muita atenção. Helena Maria estava radiante.
Tudo
perfeito e maravilhoso, chá encantador, passeio na Barão inigualável, vamos ao
pagamento.
Eis
que D. Olivia puxa o talão de cheques do Banco Comércio e Indústria de São
Paulo e começa a preencher sobre o olhar frio do gerente:
-
Minha senhora, para pagamento em cheque só podemos entregar após desconto do
mesmo.
Gelo
no ambiente, a linda tarde de primavera ficou fria de repente. Ia ter que tirar
o colar da neta que passeava impávida pela espelhada joalheria, mirando-se
embevecida em cada espelho.
Nisso
D. Maria Rita lembra-se do seu querido carcamano e suavemente informa o gerente:
-
Eu sou casada com o Prof. Newton Romalli que tem consultório aqui perto e vem a
ser genro dessa senhora que é minha mãe.
O
gerente abriu um largo sorriso:
-
Porque não disseram antes. Por favor, levem o colar, deixem o cheque ou mandem
pagar depois, como e quando quiserem. Acertamos com o Professor se preferirem!
O
ar continuava gelado, D. Olivia com o olhar frio contemplava a neta feliz, a
filha orgulhosa enquanto preenchia o cheque pensando na progenitora do genro e
em como fazer para enviar aquele maldito gerente para um lugar escuro e sombrio.
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