O Mooquense. - Da série de Zé Osvaldo - Fernando Braga

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O Mooquense.
(Da série de contos do Zé Osvaldo)
Fernando Braga

       Meu amigo e colega de muitos anos, Zé Osvaldo, além de perspicaz, tem a mania de cavar oportunidades, para gozar os outros. Mais uma vez tentou ele aprontar.  

Operou um paciente da coluna, com resultado bem satisfatório. Devido ao contato de   10 dias, tornaram-se próximos. O paciente disse morar muito tempo no bairro da Mooca, onde exercia a profissão de jornalista, responsável pelo lançamento semanal de um folheto, um jornalzinho, com notícias exclusivas de seu bairro e ainda, uma vez cada três meses de uma revista de capa colorida, com paisagens do bairro, artigos interessantes da região, notícias de casamentos, natalidades, obituário, esportes, enfim, assuntos variados, para colocar a população em dia, com os acontecimentos. Vivia da publicidade que conseguia de lojas, supermercados, clubes, indicador profissional, etc. Seu ganho devia ser pequeno, para aceitar internação pelo SUS, não ter um seguro saúde.

        Cerca de 10 dias após a alta, veio ao consultório para dar notícias, trazendo na mão uma garrafa de vinho e um envelope onde havia colocado alguns jornaizinhos e a última revista do bairro, que lançara. Mostrava-se um mooquense e  palmeirense de coração!

       No dia seguinte Zé Osvaldo folheou o conteúdo do envelope e logo lhe veio à mente um pequeno ardil, com direção certa.

Fizera há anos, amizade com um advogado e toda sua família, com o qual saia frequentemente em fins de semana para jantar, junto com outros amigos, nenhum deles era médico. Queria um ambiente diferente para não falar em medicina, com a qual convivia diariamente!

       S.R eram as iniciais deste seu amigo, causídico com boa fama e clientela, que vivia em uma bela casa na Rua França, em pleno jardim Europa. Era um vencedor em sua profissão e com isto tornara-se abastado. Contudo, nem sempre fora assim, pois sua família era de classe média e sempre haviam vivido na Mooca, onde fez seus estudos. Logo cedo, ainda com 13 ou 14 anos, começou a trabalhar em uma farmácia de manipulação onde era o responsável pela limpeza do laboratório e lavagem do material usado na feitura das poções medicamentosas, tais como os tubos de ensaio, pipetas, frascos, pinças etc. O farmacêutico era muito exigente com a limpeza, erguia os vidros contra a luz para identificar alguma mancha ou sujeirinha deixada. E era nisto que S.R mais esmerava e dizia que até hoje não admitia, em qualquer lugar, qualquer sujeirinha em copo, prato, colher.

       Posteriormente, arrumou emprego em um escritório de contadoria, quando começou a interessar-se pela matéria. Fez um curso de contador e assim que pode, abriu o seu próprio escritório, ficando livre de chefes. Tornou-se conhecido no bairro e seus ganhos, melhoravam muito por ocasião da apresentação de impostos de renda, quando muitos iam recorrer à ele. Casou-se com uma formosa mulher do bairro, e começou a desenvolver sua prole.

       Muito inteligente e querendo alcançar níveis mais altos, entrou para a faculdade de advocacia, terminando-a, após cinco anos. Em seu escritório ainda na Mooca, passou a ter clientela invejável, pois todos já o conheciam desde contador.

       Eis que um dia apareceu um cliente para que fizesse um inventário. Tratava-se de alguém com muitas posses. Por seu trabalho profissional recebeu uma boa quantia, com a qual efetuou grande parte do pagamento de uma bela casa, quase uma mansão, aonde mora até hoje.

       Só então saiu da Mooca, passando a morar no Jardim Europa, dando um importante passo em sua via social e profissional. Muito querido e capacitado, com esta mudança de bairro, não perdeu os seus clientes e adquiriu outros.

       Sempre que saiam, gostava de falar da mocidade, seus trabalhos, estudos no bairro da Mooca, do tempo que remava no rio Tiete pelo clube Esperia. Enfim recordações, e mais recordações.

        Zé Osvaldo resolveu passar uma peta, em seu amigo.

       Escreveu uma carta para S.R nos seguintes termos:

       “Prezado companheiro S.R.
Quem é mooquense, nunca o deixa de ser. Alguns de nosso bairro querido tiveram a felicidade de acompanhar sua vertiginosa trajetória rumo ao sucesso em sua profissão, e em sua vida particular. Conseguiu dar uma educação aprimorada aos filhos, hoje todos formados. Embora esteja ausente há mais de três décadas de nosso bairro, sabemos que você ainda é um dos nossos, seu coração bate ainda pela Mooca. Estamos lhe enviando um exemplar de nossa prestigiosa revista onde você poderá analisar o dinamismo em nosso bairro, o sucesso de membros de nossa sociedade, novas entidades, o clube, supermercados, enfim o progresso que veio e do qual nos orgulhamos.
       Isto dito, queremos participar a você o motivo principal deste contato, procure entender: Está em fase quase final de construção uma escola para crianças carentes, com quadras de esporte, piscina, tudo com doações de nossos amigos do bairro. Está chegando a fase de montagem de tudo, das salas de aula, dos escritórios, almoxarifado, enfermaria, etc. etc. etc. Neste sentido estamos precisando da colaboração de antigos moradores e você veio imediatamente à mente de alguns de nossos antigos amigos.
  Na realidade, nossa sugestão, é que você pudesse doar à nossa instituição a quantia de R$ 400.000,00, que pode ser parcelada em 4 ou 5 vezes, com um recibo que você poderá descontar em seu IR.
Caso você colabore, gostaríamos que seu nome ou alguém de sua família, como por exemplo, seu pai, fosse dado a uma das salas de aula de nossa instituição.
Não queremos absolutamente forçá-lo. Mas estamos cientes de que concordará com este pedido beneficente, que para você deve ser uma grande satisfação.
       No final, Zé Osvaldo pegou o nome de três indivíduos com aspecto mais idoso que constavam de fotos na revistinha, assinou seus nomes e despediu-se dizendo:
      “Dentro de 10 dias voltaremos a nos comunicar com VS. Deus te abençoe!”.

 Dentro de um envelope, colocou a carta junto com a revista da Mooca e em uma manhã, quando ia para o Hospital, deu uma passadinha em frente à casa de S.R, enfiou o envelope por baixo do portão, tocou a campainha e saiu às pressas em seu carro.

       S.R sempre foi muito desconfiado e quando recebeu o envelope, apenas com seu nome na frente, sem seu endereço e sem remetente, ficou de orelha em pé. Tinha certeza de ser uma gozação de algum amigo ou familiar e já pensou em seu cunhado. Mostrou tudo à esposa e deram muita risada, na certeza de ser pura gozação.

       Telefonou ao cunhado e brincando disse:

       — Então você quer me tomar R$ 400.000? Sai daí seu gozador. Pensa que me engana?

       O cunhado ficou parado, não entendendo nada. Resolveu dar um pulo na casa de S.R e lá, após ler a carta, jurou que nada tinha com isto! Pensaram juntos em outros amigos   e companheiros, que pudessem fazer a brincadeira, mas restou uma dúvida:

      — Será que não é verdade? Ambos eram da Mooca e deixaram lá muitos companheiros.

       S.R esqueceu o assunto, mas após 15 dias recebeu outro envelope, com um jornalzinho da Mooca e nova carta que dizia:

       “Prezado S.R

       Conforme havíamos dito, aqui estamos novamente comunicando-nos com o querido   mooquense.  Ficou estabelecido que a melhor sala de aula terá o seu nome. Foi um acerto geral.

       Gostaríamos de irmos pessoalmente em sua mansão, acertar os últimos detalhes, na certeza de que vamos poder contar com sua preciosa colaboração. Para nós será uma dádiva, o que para você será uma pequena contribuição. Nossas crianças vão lhe agradecer, principalmente em nossa inauguração próxima!

       Um forte abraço. Telefonaremos a você para marcar uma data para nosso encontro.”

       Neste envelope constava o endereço do remetente assim:

      Rua Groenlândia, o número, São Paulo e o CEP.

       Zé Osvaldo em seu caminho diário para o Hospital vira o numero de uma mansão da Rua Groenlândia, que fora colocado no envelope.

       S.R continuou achando que era gozação. Mas de quem?

       Seria alguém que vivia na Mooca para ter folhetos e revista do bairro, mas e agora, este endereço? Será de algum mooquense, que também teve sucesso na vida, para morar neste local, em uma mansão melhor que a sua?

       Logo no dia seguinte passou novamente pela Rua Groenlândia, deu rápida parada em frente à suntuosa casa e vendo o guarda na frente, perguntou quem era o seu morador. O guarda respondeu que lá morava o Dr. Péricles, um construtor.

       Voltando à sua casa e conversando com sua mulher continuaram a achar que era gozação, mas que estava estranho, estava.

       Na quinta feira seguinte, S.R recebeu um telefonema e a pessoa se identificou como o Dr. Horácio, companheiro da Mooca, responsável pelo envio das duas cartas.

       Zé Osvaldo colocou uma bala na boca, fechou com os dedos uma de suas narinas, para mudar a sua voz e não ser reconhecida.

       S.R, como advogado vivo e experiente logo disse:

       —Meu amigo, não estamos entendendo nada. Que firma está construindo a Escola?

       — Qual é o CNPJ? Vocês nunca mandaram qualquer endereço. Apenas um daqui perto na Rua Groenlândia. La mora um tal de Dr. Péricles, que nada deve ter a ver com vocês.

       — Pois é! É a firma, de um dos nossos construtores.

       — Caro causídico, todas suas dúvidas serão esclarecidas quando nos encontrarmos.  Levaremos todo o plano de construção da Escola, o endereço, os responsáveis e nossos colaboradores. Suas dúvidas serão dirimidas no sábado às 10 horas, se concordar. Iremos eu e mais dois amigos, mooquenses.

        S.R aceitou.

       Na sexta, falou com um seu amigo que era delegado em Pinheiros, explicou o caso e, desconfiado que era, pensou em poder tratar-se de um assalto planejado. O delegado concordou e disse que muitas ações deste tipo, estavam sendo efetuadas naquela região. Seria interessante pegar esta quadrilha!

       Planejou o delegado, no sábado, colocar duas viaturas com quatro guardas armados em cada uma, nas proximidades da casa de S.R. A polícia ficou com uma cópia do controle remoto que abria o portão da frente e ficariam de sobreaviso caso um carro, que não   fosse de alguém de sua família, parasse próximo à casa. O sinal para a invasão do domicílio seria a luz junto à entrada, que seria acesa. Com este sinal, os guardas abririam o portão e com as viaturas, invadiriam o local. Tudo combinado.

       No sábado, por volta das nove horas, Zé Osvaldo foi até a casa de S.L. Tocou a campainha e a empregada que também estava por dentro de tudo e que talvez seria quem iria acender a luz externa, logo identificou o amigo da família e foi abrir o portão. Zé Osvaldo encontrou S.R e começaram a conversar. Logo, lhe disseram  que  não podia se demorar, pois estava para chegar um grupo de pessoas estranhas.  Contaram toda a história, o drama vivido há quase 20 dias, com os chamados mooquenses, que desconfiavam serem bandidos querendo achacar. Zé Osvaldo não se aguentava de rir e deixava a conversar fluir. Nesta altura, S.L falou da polícia lá fora aguardando pelo bando, esperando por um sinal vindo de sua casa.

       Ainda rindo, Zé Osvaldo falou:

       — Deixa de besteira S.L, fui eu que fiz esta brincadeira! Sabia que era um mooquense de primeira!

       S.L gritou para sua mulher:

      — Foi ele, este desgraçado do Zé Osvaldo.

      — Deixe-me ir avisar a polícia do lado de fora para que possam ir embora. La estava também, em uma das viaturas, seu amigo delegado que ao tomar conhecimento do   fato, não achou graça e perguntou a S.R, se ele não queria que os guardas dessem um chega pra lá, neste amigo engraçadinho. S.R não concordou e voltando para casa, logo estava tomando um uísque com seu amigo, ambos rindo muito. Este episódio correu de boca em boca e todos comentavam:

       — Este Zé Osvaldo não é fácil. Temos a obrigação de juntos, prepararmos uma para ele.


       Aguardem a próxima deste gozador!

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