Saci
Pererê de Castigo
José Vicente Jardim de
Camargo
Crônica
Recordo-me da insistência
de meu pai para que seus filhos, cinco ao todo, lessem a coleção de livros
infantis de Monteiro Lobato. Para ele, a leitura de um bom livro, gibis eram terminantemente
proibidos, era a melhor lição de casa das aulas de português.
Hoje sinto que essa
persistência do meu Velho tinha total razão de ser, pois, passadas tantas
décadas, trago ainda na lembrança o prazer que sentia em ler as histórias do
Sitio do Pica-Pau Amarelo: das caçadas de Pedrinho, das reinações de Narizinho,
da sua boneca de pano Emília com sentimentos e ideias independentes, do
Visconde de Sabugosa, sábia espiga de milho, das recomendações de Dona Benta,
avó carinhosa, sem falar nos quitutes da negra Tia Nastácia, cozinheira de mão
cheia. Tudo acompanhado da figura travessa, meio homem meio assombração, do
“Saci-Pererê”, pretinho de uma perna só, de pito aceso na boca e gorro vermelho
na cabeça, conhecedor como ninguém dos segredos da floresta e do folclore
brasileiro: mula sem cabeça, boitatá, lobisomem e outros tantos.
Monteiro Lobato, nascido
em Taubaté, interior de São Paulo em 1882 e falecido em 1948, foi não só um notável
escritor, contista e tradutor, como também o precursor da literatura infantil
no Brasil, além de ser, também, o primeiro editor nacional de livros didáticos
e infantis.
Suas histórias, de
linguagem simples, onde fantasia, realidade e ingenuidade se misturam, incentivam
a imaginação da criança a criar um mundo de “faz-de-conta” de personagens, situações
e atitudes, benéfico à sua formação moral e social.
Nada mais apropriado do
que manter o espírito de criança na criança, ou, como diz o ditado popular: “Cada
coisa no seu devido tempo”.
No entanto a obra infantil
de Monteiro Lobato está no limbo, dado a uma iniciativa junto aos órgãos
oficiais competentes, para que sua leitura seja proibida nas escolas públicas,
pois, tia Nastácia e o moleque Saci inspiram preconceitos racistas...
Gostaria muito de saber a
resposta que o autor daria, se fosse vivo, a tal argumentação. Com certeza algo
que levaria seus proponentes a se calarem ou as autoridades de não a aprovarem,
pois, como ele mesmo dizia: “Um país se faz com homens e livros”...
Mas, a resposta de
Monteiro Lobato deve ser dada pela própria sociedade, por aqueles que não estão
de acordo com essa onda crescente de desingenuidade infantil, que vem se propagando
a passos largos, principalmente a partir do desenvolvimento meteórico das
tecnologias digitais e da sua penetração nas redes sociais.
Papel preponderante nesta luta
pela direito da criança de continuar a ter seu sonho pueril está com os pais,
no incentivo deles aos filhos à leitura da correta literatura infantil.
Assim as chances, não só
do Saci-Pererê, mas também do Coelhinho de Páscoa, do Chapeuzinho Vermelho, do
Peter-Pan, do príncipe e da princesa de saírem do castigo em que se encontram e
vir a habitar novamente o imaginário infantil com certeza aumentarão e, quem
sabe, poderão vencer os super-heróis
infantis da atualidade, que armados até os dentes e movidos a golpes de
violência, ódio e rancor, destroçam os inimigos em combates sangrentos.
Assim noticias de jovens
que invadem escolas, igrejas, sinagogas e cinemas matando pessoas a esmo, sairiam
das primeiras páginas dos jornais para a sessão de raridades...
E a luz no fim do túnel, da
esperança de um mundo com mais paz, poder tornar-se tão brilhante como a luz de
Natal, resumindo a frase de Monteiro Lobato:
“Tudo tem origem nos sonhos. Primeiro sonhamos, depois fazemos”...
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