DESENCONTROS
Suzana
da Cunha Lima
-Vai
viajar? Perguntou a esposa, ao entrar no quarto onde o marido arrumava roupas
numa maleta de mão.
- Vou
sim, para o Rio. Afinal saiu o contrato que eu desejava! Aquele que virei noite redigindo, lembra?
Ela
não lembrava direito, pois ele sempre andava as voltas com contratos,
propostas, reuniões. – Mas, hoje é o dia da entrega dos prêmios dos Talentos,
Celso, lembra? Ganhei o primeiro lugar
em Prosa e também em Poesia. Fizeram até uma exceção para mim, pois ninguém
ganha dois prêmios de uma vez só.
- Prêmio?
- Celso ia do quarto para o banheiro reunindo suas coisas, mal se lembrava
daquele prêmio, muito menos que a esposa tinha ganhado. - Claro que lembro, mas
me deixe direitinho hora e local aí na escrivaninha, minha cabeça anda a mil
ultimamente.
-
O convite está grudado na geladeira, muito fácil de ver. Mas para refrescar sua memória,
é no Clube dos Libaneses, 20 horas. Pedem para os premiados chegarem antes, acho
que para fotos, entrevistas, estas coisas.
Precisamos sair daqui às 17 horas, no máximo. Sabe como é o trânsito das sextas feiras
depois desse horário.
-
Bom, pede a seu irmão para te levar, então. Acho que não chego antes das 18
horas aqui em São Paulo. Minha volta está marcada para as 17 horas.
Sentiu a raiva da mulher se avolumando como uma onda
gigante.
-
Estou te avisando desta festa tem mais de seis meses. É um prêmio
importante. Custa uma vez na vida eu
ficar em primeiro lugar em sua lista de prioridades? Sua viagem podia ter sido
adiada para amanhã, mas meu prêmio não. Você viajando agora fica
sujeito a horário de avião, e trânsito. Tudo pode acontecer de errado. - Luiza tremia, contendo a raiva.
-
Calma mulher. Não estou dizendo que não vou. São 45 minutos daqui
para o Rio. Às 20 horas com certeza estarei
lá e como você precisa chegar antes, seu irmão lhe leva e tudo certo. – fechou
a valise olhando em volta para ver se não tinha esquecido nada . – Depois deu
um beijo rápido no rosto da mulher, petrificada à sua frente, e saiu acelerado para
não dar mais explicações.
Luiza
nem foi levá-lo à porta. Jogou-se à cama chorando, sem saber o que fazer. Quantas vezes fora preterida, quando mais
precisava de seu apoio e presença! Mas agora era o cúmulo! Ganhar aquele prêmio a habilitava para o
Concurso Nacional de Literatura, era uma grande honra. Mas para o marido era apenas uma
atividadezinha qualquer que ela exercia, para não ficar sem fazer nada em casa.
Resolveu se acalmar. Não era uma má
ideia pedir ao irmão para leva-la. Podia ir até mais cedo e, com calma,
preencher todas as formalidades e exigências do concurso.
Manteve
suas atividades, indo de manhã ao salão de beleza, e pediu ao irmão para
almoçar com ela. Com ele ali, sairiam
mais cedo para se esquivarem do trânsito e do mau tempo, que se anunciava em
nuvens escuras e carregadas, turvando o céu até então, azul. Saíram às quatro
horas e logo começaram a enfrentar trânsito pesado na Marginal do rio Pinheiros
e a ameaça de um temporal era muito evidente. Relâmpagos riscavam o céu, trovejava muito e chuva
grossa começou a cair tão logo chegaram ao seu destino.
Ainda
bem que a maioria de seus familiares e amigos resolveu chegar mais cedo também
e foram todos se encontrando no Clube, bem antes do horário. Todos alegres com seu prêmio e torcendo pelo
seu sucesso, pois conheciam bem seu valor e esforço, e admiravam seu talento e
persistência.
Enquanto
isso, no Rio, Celso ultimava seus negócios e como terminara tudo antes do prazo,
em vez de ir mais cedo para o aeroporto, resolveu comemorar com os amigos num bar ali próximo e
foi-se descuidando da hora, sem perceber
nuvens ameaçadoras engrossando o céu, pressagiando temporal à frente.
Quando
tomou o taxi para o aeroporto, a chuva já caia forte, e levou um tempo enorme
para chegar ao Santos Dumont,
atravancado num trânsito infernal. Correu para o balcão para ser informado que os
voos estavam suspensos, sem previsão de retomada. Se tivesse chegado uma hora antes, ainda
poderia ter embarcado para São Paulo no horário.
-
Não conseguiu falar com Luiza pelo celular nem pelo fixo, para avisar de que
não chegaria a tempo. Na verdade, o
aeroporto se manteve fechado até à noite, e ele foi obrigado a pernoitar no
Rio, transferindo seu voo para o outro dia. E já que não tinha dado tempo para
a cerimônia da mulher, resolveu pegar uma praia de manhã e retornar a São Paulo
pela tarde.
Logo que desembarcou notou um alvoroço no
saguão, a televisão mostrava um acidente ocorrido naquela tarde com um avião da TAM. Estava mais preocupado em ligar para ela e
resolver tudo da melhor maneira possível. Sabia que viria chumbo grosso pela
frente, mas já estava acostumado e sempre dobrava a mulher levando flores ou
chocolates. Nada, ninguém respondia. Resolveu
ligar para o irmão dela, provavelmente ele teria informação sobre o paradeiro
de Luiza.
O
irmão atendeu friamente e ainda lhe deu uma notícia desagradável. Luiza não
estava em casa, tinha ido viajar.
- Para
onde? - Viagem internacional? - perguntou meio gozador.
- Nem
que eu soubesse não diria. Você é um cafajeste mesmo. Por que não foi à cerimônia ontem? A família em peso estava lá, e muitos amigos.
– O aeroporto fechou, amigo. Um temporal. Queria que eu viesse nadando ou a pé?
- Você nem devia ter viajado num dia tão importante,
mas seus interesses estão sempre em primeiro lugar, não é? Mas, estou te
avisando que tem muita gente boa de olho nela. Tomara que ela nunca mais volte para você. Não
a merece, de jeito nenhum. – e desligou na cara dele.
Ele
ficou ali estatelado, sem saber bem o que fazer. Tentou mais uma vez contatar
com Luiza pelo celular ou fixo e nada. Voltou parta casa começando a perceber o
despropósito de sua ação. Ao chegar, não
viu ninguém, nem a empregada. Pegou o
telefone para tentar falar com ela e aí quando percebeu um papel amassado na cesta de
lixo. Pegou e viu algo escrito:
Fortaleza
– 13 horas – TAM – Rafael
Quem
era este Rafael? Morava em Fortaleza?
Que loucura era aquela? Ligou para a TAM
e soube que o voo para Fortaleza tinha saído normalmente naquele dia, porém
tinha havido um acidente na aterrissagem. Maiores detalhes somente quando fizessem um
balanço de mortos e feridos. Ligasse outra vez dentro de meia hora. Quem sabe teriam mias informações para lhe
dar?
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