Faço a postagem abaixo, por sugestão de Mario Augusto Machado Pinto, que deseja que os colegas leiam a crônica Gritos de Formiga, cuja retrata bem o nosso papo em sala na última aula:
Gritos
de formiga
Michel
Laub
(Escritor
e jornalista. Publicou seis romances, entre eles 'Diário da queda' (2011) e 'A
maçã envenenada' (2013), ambos pela Companhia das Letras. Escreve a cada duas
semanas, sempre às sextas-feiras).
A "Audi
Magazine" fez uma enquete sobre a "conquista mais subestimada"
de algumas áreas profissionais. Entre os entrevistados, o neurocientista
Alysson Muotri citou o ato de lavar as mãos. Já o arquiteto Lourenço Gimenes, a
invenção do elevador.
A resposta sobre a
atividade literária é minha: aprender a desistir. Ou seja, identificar o
momento em que o texto não pode mais ser melhorado em revisões obsessivas.
Publicar um livro é assinar uma trégua com as próprias ambições e limites,
incluindo aí talento e atração pela ruína hedonista.
Mas essa é uma
conquista interna, e, digamos, pouco comentada porque contraria o mito charmoso
da "inspiração". A conquista oposta –que depende de opiniões dos
outros e está longe de ser subestimada– é fazer com que ouçam a nossa voz. É aí
que se forma o buraco negro: com exceção dos meus amigos maravilhosos e de
você, autor bem resolvido que lê esta coluna, não conheço romancista, contista
ou poeta que tenha o reconhecimento exigido pelo próprio ego.
O tamanho da insatisfação
é variável, mas a essência é a mesma. Ela independe do sucesso de crítica ou
público, e sua presença é democrática em escritores de gênio ou não, e com ou
sem caráter. Sob a forma de queixa direta, falso distanciamento ou necessidade
de afirmação, a ladainha do mundo literário pode ser resumida numa certeza: em
algum nível, somos desprezados ou ignorados por certa corja que mexe certas
peças sem as quais é impossível abrir certas portas.
Não estou negando,
claro, que existam injustiças. No Brasil de hoje, há muitos nomes com destaque
objetivamente menor que o merecido. Para ficar só com meia dúzia (perdão,
amigo/autor bem-resolvido), lembro de Adriana Lunardi, Daniel Pellizzari,
Fernando Monteiro, Elvira Vigna. O romance "Todos Nós Adorávamos Caubóis"
(Carol Bensimon) foi esnobado de modo curioso nas premiações de 2014.
Coletâneas de contos como "O Homem que Não Gostava de Beijos" (Edward
Pimenta) não deveriam sumir das prateleiras e conversas semanas depois do
lançamento.
Na origem desses
exemplos pode haver conchavos e mesquinharia, mas também os acasos do mercado e
da existência. Entre dez autores semelhantes em qualidade, densidade, temas,
visão política, procedimentos técnicos e simpatia, todos contratados pelas
mesmas grandes editoras, um ou dois terão mais repercussão. Por quê? No fundo,
é um mistério. Se não fosse, seria fácil prever o best-seller de amanhã ou
evitar o ridículo das "bolsas de apostas" do Nobel.
Só que meu ponto aqui
é outro. Independentemente da sorte do livro, ou de seus amigos e inimigos
reais e imaginários, é inevitável que o escritor experimente algum grau de
decepção em sua trajetória. Ele certamente será turbinado pelo fato de vivermos
num país sem leitores, numa época sem atenção ou repertório para filtrar o lixo
cultural e informativo contra o qual damos nossos gritos de formiga, mas a
derrota nasce antes e vem da natureza do processo.
A literatura é uma
convenção que traduz num instrumento –a linguagem– sentimentos e anseios que o
escritor tenta nomear como pode. Repito, sempre, o exemplo: a palavra
"angústia", ou as dezenas de palavras que podem descrever tal
condição numa cena, não são a angústia em si. Essa é maior que a linguagem e, a
rigor, como tudo o que buscamos expressar por escrito, é incomunicável.
"Ser ouvido",
portanto, tem algo de utópico se pensarmos em conceitos como o do leitor ideal,
que entende exatamente o que gostaríamos de dizer. Não entende: gostando ou
não, ele não conseguirá ver no texto aquilo que vemos de modo orgânico, por
conhecermos tão bem o mundo interno a partir do qual o produzimos –aquele caldo
de inteligência, originalidade e carisma que orgulha nossa mamãe desde que
nascemos.
Parafraseando um dito
célebre de Samuel Beckett, escrever é fracassar melhor da próxima vez em que
escrevemos. A questão é negociar com a vaidade para transformar isso em algo
mais que vitimismo e rancor.
Uma espécie de
desistência, também? Talvez, e com a mesma contradição produtiva que acompanha
o término de um livro. Depor as armas é o que nos faz avançar. Diante do que
isso mobiliza em termos de autoflagelo, é até ridículo nos abalarmos pelo
silêncio ou pelos tomates na cara que virão depois.
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