O
SHOW CONTINUA
Jeremias Moreira
Recebi a ligação do Dunga com a notícia de que
precisavam de um sax-tenor na banda onde era o baterista, com urgência. Se
estivesse afim eu deveria fazer um teste ainda nesta tarde. Desliguei o
telefone, botei algumas roupas numa mochila, peguei o meu sax e fui para a
rodoviária. Às cinco da tarde estava no Studio Avenida abrindo o estojo do
instrumento. Passamos algumas músicas e o Jerry, o chefe da banda, me aprovou.
Eu deveria me apresentar já no show daquela noite. A estrela do espetáculo era
a Elena Grimaldi e havia uma música em que faríamos um dueto - sax e voz – por
isso eu deveria esperá-la para um ensaio. Enquanto isso fui a uma padaria
próxima, comer alguma coisa, e me pus a pensar nos irmãos Marchiori, com quem
eu tinha uma dívida de jogo. Minha dúvida era se os avisava sobre a minha
repentina saída de Ribeirão. Sabia da crueldade como agiam com quem tentasse enganá-los.
Esperava que eles não interpretassem dessa forma. Minha vida andava tão confusa
e de repente aparecera essa oportunidade e queria muito aproveitá-la. Nada
deveria atrapalhar. Optei por contata-los na semana seguinte e explicar tudo. Eles
haveriam de compreender e eu, certamente, teria algum dinheiro para abater parte
da dívida. Estava absorto com esses pensamentos quando avistei uma loira
espetacular tomando um café, apressada, no outro lado do balcão. Ela estava
acompanhada por um brutamonte que poderia, muito bem, ser o doublê do Hulk. O
Hulk foi até o caixa enquanto a loira remexia em sua bolsa. Eu a olhava tão
magnetizado que acredito que foi o que lhe chamou a atenção. Ela ergueu o olhar
e virou-se para mim. Ficamos alguns segundos nos encarando até que o Hulk
voltou. Ela sorriu discreta, como quem diz “lamento”. Colocou a alça da bolsa
no ombro esquerdo e o seguiu para fora da padaria. Terminei meu lanche e voltei
para a casa noturna. Logo na entrada dei de cara com o Hulk, que falava no
celular. Fiquei intrigado com sua presença e quando cheguei ao palco lá estava
a loura da padaria. Ela era Elena Grimaldi. Quando fomos apresentados havia
magnetismo de verdade em nossos olhares e demoramos a perceber que Jerry iniciara
sua orientação de como queria o solo. Iniciamos o ensaio e o solo foi
fantástico. Foi um verdadeiro jogo de sedução. Com seu jeito de cantar e um olhar
sensual, ela enviava sinais manifestos de que a paquera era de mão dupla. O
Jerry se deu por satisfeito, encerrou o ensaio e quando Elena passou por mim
sussurrou que me aguardava no camarim. Nossa discrição não impediu que Dunga
sacasse, o tempo todo, o que rolava. Aliás, me conhecendo, já esperava por
isso. Puxou-me de lado e me contou os detalhes. O Studio Avenida pertencia a
Galeno Rocha, o maior banqueiro do jogo da cidade. Elena era sua protegida e outras
“cositas más”.
O dublê de Hulk era o Pichinga, um dos seguranças de Galeno e encarregado
da marcação cerrada sobre Elena. Um cara mau. Eu que me cuidasse. Se há uma
coisa que não sei fazer é me cuidar. Hesitante, guardei o sax no estojo e lentamente
caminhei em direção à padaria, onde o Dunga me esperava. De longe avistei o Pichinga
na stage door, ainda ao celular. Nesse instante ele não vigiava Elena. Lembrei-me,
quando ainda adolescente, do ensinamento de meu irmão: “com mulher a gente só
tem uma única chance”. O descuido do Pichinga soou como um presságio e fui
apossado de um forte sentimento, que, como um imã, me arrastou até o camarim dela.
O corredor estava vazio. Parei diante da porta e dali conseguia sentir o
perfume de Elena. Dei três batidas. Minha
pulsação foi a mil nos segundos que se seguiram. A porta se abriu e dei de cara
com um homem mais velho, bem vestido, olhar altivo, que me recebeu
surpreso. Desceu o olhar para o
instrumento que eu segurava na mão e voltou a me encarar:
— Deseja algo? – perguntou com ar superior.
Deduzi rápido que estava diante do próprio Galeno
Rocha. Certamente, ele surgira no clube de surpresa.
— Oh! Não... Nada... Só queria me desculpar com a
Elena do meu vacilo no ensaio. No show vou entrar no tempo certo. Queria dizer
apenas isso. Desculpe. – improvisei.
— Ok! Recado dado. – ele disse.
Despedi-me e sai rumo à padaria. Nem quis imaginar o
que aconteceria se Galeno chegasse meia hora depois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário