O ESTAGIÁRIO
Jeremias Moreira
Quando o Cacau
terminou a Escola de Propaganda e Marketing, a Dorinha, sua mãe, pleiteou um
estágio para ele, na agência de Wellington Olvieto, um ex-colega de faculdade. Embora
se destacasse pela inteligência, naquela época, Wellington vivia na pindaíba e era um tanto careta. Dorinha foi acolhedora e introduziu o amigo numa
patota articulada. Wellington
Olvieto tornara-se um influente publicitário e sua agência, a WO&K Propaganda,
uma das principais do país. Sempre fora grato a Dorinha, e acatou seu pedido. Designou
Cacau para estagiar no concorrido departamento de criação. O maior cliente da WO&K
era a rede de Supermercados Corcovado, para quem a agência preparava a campanha
de verão. No terceiro dia de estágio do Cacau, o presidente da rede Corcovado,
Abel Delís, viria à agência para aprovar um comercial. O filme, dirigido pela badalada diretora Fábia
Novais, fora aprovado pela agência, na véspera, com entusiasmo. Tinham certeza
de que, no ar, o filme estouraria a boca
do balão. Permitiram que Cacau assistisse a apresentação. Wellington
Olvieto abriu a reunião tecendo elogios ao cliente e à agência. Os demais
continuaram com o mesmo papo furado até
que, Fábia Novais explanou sobre sua concepção do filme e em seguida iniciou-se
a projeção. Abel Delís assistiu ao filme por cinco vezes e pediu para acender as
luzes. Olhou em volta e fitou o rosto de cada um. Apesar do clima de otimismo, o
pessoal se fechou em copas e evitou
o olhar do Abel. Ele já estava acostumado, sempre esperavam na maciota, por sua aprovação. Ninguém se
manifestaria antes dele. E depois apoiariam unânimes o seu julgamento. Chegou até Cacau, que ao contrário dos demais foi
ponta firme e sustentou o olhar. Era um olhar confiante que chamou sua
atenção. Abel Delis apontou para ele e disse:
- Você! Qual é o
seu nome?
Sem vacilar,
Cacau respondeu de pronto:
- Carlos
Alberto, senhor. Costumam me chamar de Cacau.
- Você
participou da realização desse comercial, Carlos Alberto?
- Não senhor!
- E por que não?
- Bem, senhor...
sou novo na agência. Ainda estou dando um time
como estagiário.
- Ah! Você é novo
na Agência... E o que achou do filme, Carlos Alberto?
- Posso dizer o
que acho, senhor?
Foi como se uma
nevasca caísse dentro da sala. Rosa Freitas e Manolo Zamba, a dupla de criação;
Fábia Novais; Lilica, a RTV; o pessoal do atendimento e, claro, Wellington
Olvieto, todos congelaram.
- É exatamente a
sua opinião o que quero, meu rapaz! - respondeu Abel Delís.
- Bem senhor, creio
que o filme comete algumas mancadas.
Em primeiro lugar, não vejo uma família de verdade. Fiquei grilado com a interpretação dos atores. Eles não agem como
personagens. Falta o calor de uma relação familiar verdadeira. Depois...Acho
que o texto força a barra e tenta
impor uma atitude ao consumidor quando deveria sugerir algo bacana. Fazer as pessoas curtirem e pensar coisas assim: “Puxa que família joia!” ou “É legal comprar no Corcovado!”. E, isso
não acontece com o filme, senhor!
Abel Delis ouviu
atentamente, esboçou um sorriso e dirigiu-se a Olvieto:
- O que você
acha?
Wellington
Olvieto foi rápido:
- Exatamente o
que estávamos comentando. O Cacau... O Carlos Alberto expressou muito bem a
opinião da agência. Achamos que a escolha do elenco não foi adequada e que,
infelizmente, a direção não conseguiu extrair veracidade dos atores. Creio que
a má interpretação contribui para a dureza do texto, se bem que, agora, vendo o
filme, percebo que está impositivo demais. Mas, vamos dar um jeito nisso.
Fábia Novais quis
bronquear, mas Lilica sinalizou para
ela ficar na sua. Abel Delís
perguntou quando o filme entraria no ar e foi tranquilizado pelo diretor de
marketing. Ainda tinham o prazo de duas semanas. A dupla de criação se fingia de morta. Pareciam duas múmias.
Lilica apressou-se em discutir um novo cronograma, mas Abel Delis interrompeu e
levantou-se:
- Bem... deixo
os detalhes da refilmagem com vocês e espero que da próxima vez eu veja um
filme que traduza nosso verdadeiro espírito empresarial.
Aproximou-se de Wellington
para despedir-se com um aperto de mão e sussurrou em seu ouvido:
-
Wellington, gostaria que o garoto...o Cacau, participasse da criação desse novo
comercial.
- Oh! Sim...
Como você pode ver a WO&K está sempre garimpando as feras do futuro. – respondeu
Wellington Olvieto, oportunista.
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