COMO. É? - Mario Augusto Machado Pinto

 


COMO. É?
Mario Augusto Machado Pinto

As pessoas seguem modismos. É Impressionante como chegam a quase abdicar da própria personalidade, modificar comportamento para poder ter e comentar algo não usual. Aceitam, mesmo não gostando ou reclamando e exibem Tenho; qualificam Ruim, Bom, Não vale a pena, mas estão lá, comem, compram, bebem, engolem e pagam!

Constato isso quase todos os dias no restaurante que frequento o "Amoela?Não." Venho perto das onze, quando abre. Nessa hora está sempre vazio. A clientela costuma chegar depois da uma. Aproveito para pensar o assunto da minha próxima coluna para a revista. Para ouvir os comentários fico perto do depositório das travessas com a comida, maneira de aproveitar algo quando interessante. Sou aceito, figura carimbada.

Provocativo, o restô possui regras e normas aos que querem comer o que lhes é oferecido. Não há escolha. É aquilo e pronto. Nada mais. Tem que seguir as instruções que vem na folha de orientação sobre como se comportar no salão, escolher a comida e as porções com que pode se servir. No início é estranho, mas como tudo, depois são aceitas as imposições.

Já vi o dono, um tipo esquisito, excêntrico, meio desgarrado deste mundo só se incomoda com o restaurante e com o que nele acontece provocado pela freguesia. A gente não sabe, mas imagina que  seja rico, e se é, não liga muito. De concreto mesmo, existe só o que se vê: veste-se de qualquer jeito. Às vezes, pelo cheiro, demonstra que a higiene nem sempre está entre suas preocupações. Resumindo: é uma figurinha rara.

Observo as duas senhoras idosas que silenciosamente se sentaram perto da minha mesa: classe média pelas roupas, penteados, sapatos e bolsas que exibem. Corpos e mentes deslocados sentam empertigados nas cadeiras, ficam tolhidas em seus movimentos pela incerteza de como proceder num local tão diferente. Transparece a pergunta óbvia: por que viemos? Nada sei, mas o vicio do escritor gruda na imaginação. Comentam:

- Você notou a porta da entrada? Acima do batente tem uma tabuleta escrita em italiano em letras douradas: Lasciate ogne speranza, voi ch´intrate. É da Comédia, de Dante, que passou a ser a Divina Comédia...

- É, reparei...Sei, mas não dei importância.

- Tem que dar! É pra gente aceitar tudo, tudo! Leu as instruções de como escolher o que comer e beber? Quantidade das porções? Que acha da bandeja já estar com todo o necessário? É muita pretensão, concorda?

- Isso até que facilita...

- ...Mas, não é só isso. Leia mais adiante: os vegetais tem que estar numa tigela, em separado. A comida quente fica em tigelinhas, tudo vai parar no prato fundo, prato fundo! Os talheres e o copo são de plástico. Toalha de papel! Imagina, não tem “couvert!”. Que horror!

Ao ouvir esses comentários tenho vontade de rir. A maior parte das pessoas diz isso mesmo, quase igual.

E elas continuam:

- Bebida é a do dia. Hoje é dia de suco de uva que eu detesto; você também não gosta. Como é que vai ser? Com toda essa estória...       Parece que o restaurante faz o favor de nos dar de comer...

- A gente paga!  Que mancada! Vou encher os ouvidos da Luiza. Ela vai ver só!

Ai aproxima-se e intervém um garçom:

- Boa Tarde. Sejam benvindas. Posso ser útil e ajudar as senhoras?

- Claro. Estamos como prisioneiras aguardando a ração a ser distribuída. Só falta bater a gamela nas grades!
 
O rapaz, todo mesuras, um pouco curvado, braço esquerdo às costas, olha pra mim, dá um sorriso amarelo acompanhado de uma piscadela e pede para elas o acompanharem.

Observo: vai indicando a comida pelos nomes usuais, diz como colocar as tigelas e o prato, avisa que as porções estão nessas tigelinhas, observa que não podem comer mais do que contém; a bebida só é servida ao final do almoço e é oferta da casa.

Escuto:

- Oferta? Até parece que oferecem espumante francês...

- É italiano, senhoras. Italiano.

- Por que italiano?

- Do dono.

- Tá bem. E isto, o que é?

- Miúdos de galinha.

-De frango, você quer dizer.

-Não, senhora. Miúdos de galinha.

As senhoras voltaram aos seus lugares, conversaram, riram, comeram de tudo, fizeram escarpeta no prato fundo e nas tigelinhas. Como se diz vulgarmente lamberam os beiços. Pagaram a conta sorrindo dizendo obrigado pela ótima comida.

A mais saliente das duas ao sair chamou:

- Moço! Vem cá. Explica uma coisa: os miúdos estavam ótimos, com boa aparência, mas faltou a...

- Moela. Aqui não se cozinha moela.

- Como assim?

- O patrão detesta moela. Ele avisa de cara antes de alguém entrar...

- Não vimos nem lemos nada. Verdade!

- O nome do restaurante. Pensa...

- Amoela, Amoela... Boa, Boa! Caiu a Ficha! Victorina.
- Como é?

- Ah Victorina, você está ficando surda. “Amoela? Não” não é resposta à pergunta Você ama ela?  É resposta à pergunta Você gosta de moela?  Moela? Não, e fica Amoela? Não. Entendeu?


Consegui material para a próxima coluna.

Um comentário:

  1. Muito bom seu conto, Mario Augusto. Você leva jeito para crônicas de costumes. Parabéns, Suzana

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