O som do silêncio
Ises A. Abrahamsohn
Cecília tentava explicar ao namorado porque ela
acordava todas as noites às duas da manhã e depois, de novo às seis, mesmo nos
fins de semana.
̶ É o som do
silêncio, repetia. Ainda vou me acostumar às noites silenciosas aqui na
Alemanha.
̶ Veja , em
casa, em São Paulo, o cachorro do vizinho sem falta latia de madrugada quando
os donos chegavam. Eram latidos de alegria, de felicidade... Eu podia quase
vê-lo saltando e abanando o rabo de alegria. Não que eu acordasse de fato. Era
um ruído de fundo, até agradável, que me dizia que eu estava em casa, segura,
confortável na minha própria cama. Eu viajava muito naquela época e sempre
estranhava os quartos dos hotéis. Agora sinto falta do au, au,au, alegre e
sincopado. Você reparou que os cães aqui quase não latem e muito menos à noite?
̶ De manhã? Por
que acordo de manhã tão cedo? Acho que sinto falta do ronco surdo do primeiro
avião levantando voo de Congonhas ao passar pelo nosso bairro. O avião já voava
alto, não era um barulho que incomodasse, mas estava lá todos os dias. Era mais
forte nos dias nublados e mais fraco, quase um rosnar continuo, nos dias
ensolarados. Eu não precisava de despertador. Acho até que, conforme o ruído,
eu podia prever o tempo.
̶ Sei que você
vai me dizer que tudo é barulho indesejável e estou de acordo: São Paulo é uma
cidade barulhenta. Mas desde criança eu me acostumei. Eu gostava de imaginar
que o rooommm...... do avião era o sol que acordava e bocejava avisando um novo
dia. Vou me acostumar ao silêncio, mas ainda sinto falta do rosnar do meu sol!
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