Consulte seu coração, filhota
Suzana
da Cunha Lima
Sua
presença era notada em qualquer lugar que fosse. Alto e forte, do tipo apaixonado, impaciente, generoso,
solidário, dos grandes gestos e grandes desacertos também. Ele não sorria,
gargalhava, não andava, corria, queria tudo pronto para ontem, ocupava todos os
espaços. E tudo nele tendia ao exagero,
aos excessos, tanto na ira quanto na
bondade. Não foi somente amado, foi adorado e até mesmo, algumas vezes, odiado.
Ódio que passava logo diante de seu sorriso e seu olhar. Esse era meu pai, desde sempre, meu herói.
Quando
zangava comigo, me chamava de menina: Menina, venha aqui, percebeu o que fez?
Quando
queria algo de mim, já me chamava de filhota:
- Filhota, venha me fazer um cafuné. Filhota, peça na cozinha uma limonada. Filhota, isso e aquilo.- Com tantos irmãos e sem nenhum atributo
especial, eu me sentia tão amada como se fosse filha única.
Mas
o que chamava mesmo a atenção de quem o visse pela primeira vez, era seu olhar.
Seus olhos falavam, ora contentes, ora irônicos, divertidos ou amorosos ou até mesmo cruéis. Nada passava sem que esses olhos não percebessem e com eles, comandava tudo ao seu redor. Nada lhes escapava.
Quando,
já mocinha, imersa nos ardores e angústias da adolescência, no rebuliço dos
hormônios, era a ele que eu pedia conselho, ajuda ou consolo. E ele me respondia
através de um olhar banhado de ternura: - Consulte
seu coração, filhota. Ele vai lhe
indicar o melhor – e apontava para meu peito, silenciosamente, com aquele
olhar que era como uma luz a indicar o
melhor caminho, um farol no escuro das decisões difíceis.
Ele
não está mais nessa terra, mas permanece ao meu redor e sempre o sinto perto de
mim nos momentos de angústia ou solidão. – “ Consulte
seu coração, filhota “ e parece até que vejo seu olhar a me apontar
sorrindo, a melhor escolha.
Aquele olhar tão cheio daquele amor
incondicional que os pais oferecem aos seus filhos e que os tornam para sempre,
seus heróis.
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