Teatro Realidade
José
Vicente J. de Camargo
Custava
a crer que a cena não fosse real! As lágrimas escorriam pelo seu rosto e os
soluços eclodiam no ar atento da plateia. A iluminação difusa do cenário
ajudava a compor a cena fúnebre em que o palco foi transformado. Os
espectadores o miravam compartilhando a sua dor pela perda do ente amado. Lembranças
pessoais lhes brotavam do fundo da alma, ligando seu íntimo real ao imaginário
da peça.
Mas
justamente esse conflito entre ficção e realidade era o que mais atormentava a
mente do ator principal, que não conseguia desassociar um do outro. Sobretudo
sabendo, sem ensaios nem floreios, que esse conflito era o causador do seu sofrimento
irreversível, sem cura. Era o preço que tinha de pagar pela arte que escolhera
com tanto ardor.
Sua
recompensa viria glamorosa nas palmas e nas críticas de louvor que receberia da
plateia e da mídia agradecida...
Natureza de Amor
José Vicente J. de Camargo
José Vicente J. de Camargo
Seus
pés já davam sinais de cansaço e o corpo insistia numa pausa. Lamentava não ter
procurado mais tempo para o exercício do caminhar solto e despreocupado pelas
matas, montanhas e campinas. Era seu hobby predileto na adolescência e
juventude. Mas, com o diploma universitário, a preocupação com o trabalho
profissional o absorvia cada vez mais, enquanto seu tempo livre decrescia na
mesma proporção. Sentia não ter se rebelado contra essa regra estabelecida por
uma sociedade focada no sucesso do capital. Tanto tempo perdido sem que seu
espírito fosse devidamente recompensado. Do seu íntimo crescia a vontade de
abraçar a paz, o silêncio que o ambiente ao seu redor lhe transmitia. Ao atravessar
um riacho que cortava a trilha, resolveu fazer uma parada aproveitando a água
corrente e fria para relaxar os músculos. Sem o peso da mochila nas costas, os
pés se deixando massagear pela correnteza e a sede amainada pela água
cristalina, contemplava a mata verdejante. Quanta força e vida. Relaxado, deixava
essa pujança lhe penetrar na alma. Sentia-se revigorado. De repente, talvez
pela natureza borbulhante, se sentiu transportado para um romance de João
Guimarães Rosa:
“Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um
descanso na loucura”...
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Amor de Mãe
José Vicente J. de Camargo
José Vicente J. de Camargo
Esse
“escurinho” não pertence à minha ninhada, fareja a gata Mel ao ver entre sua
cria uma manchinha escura procurando uma de suas tetas. Mas retém o impulso de
expulsá-lo, quando o observa um tanto desnutrido miando de fome.
Antes que contagie os demais, vou fortalecê-lo, e depois o carrego ao terreno vizinho de onde deve ter vindo, já que na casa da madame “gato de fora não mia”. No entanto, ao sentir sua ganância sugando-lhe a teta e a aceitação dos membros de “direito ao leite” com o intruso, sem reclamações, brota do seu íntimo o amor de mãe:
Antes que contagie os demais, vou fortalecê-lo, e depois o carrego ao terreno vizinho de onde deve ter vindo, já que na casa da madame “gato de fora não mia”. No entanto, ao sentir sua ganância sugando-lhe a teta e a aceitação dos membros de “direito ao leite” com o intruso, sem reclamações, brota do seu íntimo o amor de mãe:
“Um
a mais dá para suportar! Depois, minha ninhada fica mais exótica, como gosta a
madame, artista plástica de mão cheia...”
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