O noivo paulista - Ises A. Abrahamsohn



O noivo paulista
Ises A. Abrahamsohn

O casamento estava marcado para o terceiro sábado de maio. Ainda faltavam dois meses e Maria Ercília Isabel Lima Ramalho não via a hora. Era  filha única de rico comerciante português, instalado na rua da Quitanda no Rio de Janeiro. A contragosto do pai, e com a oposição da mãe, Cilinha, como todos a chamavam, tinha escolhido como noivo um esforçado, mas pobretão advogadozinho da atrasada província de  São Paulo. Em meados do século XIX, São Paulo tinha poucos habitantes e pouca importância. De nada adiantaram os conselhos e rogos dos pais. A moça tinha se apaixonado por Adamastor Ribeiro das Neves que encontrou quando o rapaz visitava um tio rico que morava na capital. Levado pelo tio frequentou durante uns meses os saraus da burguesia endinheirada, e assim conheceu a rica herdeira. Adamastor, devemos reconhecer, era um belo homem. Alto e elegante, tinha olhos sedutores  castanho-esverdeados de longos cílios. A pele ligeiramente amorenada sugeria uma herança mediterrânea. Embora pobre, o terno era bem cortado e a barba aparada e perfumada mostravam o cuidado com a aparência. Aliás, tinha na aparência e no diploma de advogado os seus maiores trunfos. Era educado e gentil no trato o que acabou por amolecer o coração da mãe da noiva e, por extensão, a oposição do pai. O casal iria viver em São Paulo em casa presenteada e bem montada com o dote da noiva. Tudo ia bem, até que um dia receberam na residência o cartão de visita de um certo engenheiro Deodato Ribeiro das Neves que se apresentava como primo do noivo, e estava hospedado num hotel do centro da cidade. Retornaram-lhe com o convite para o chá da tarde no sábado. A entrada de Deodato na mansão dos Ramalho causou sensação, ou melhor, consternação. O jovem engenheiro também era bem apessoado, alto, cabelos negros, porém, inegavelmente era mulato. Disfarçando o mal-estar, trataram-no bem enquanto escutavam a história da família. A avó tinha sido escrava liberta antes de casar com o português Adalberto Eurico das Neves, fazendeiro da cidade de Itu. No dia seguinte, entre lágrimas Cilinha escrevia carta, ditada pela mãe, ao seu querido Adamastor desfazendo o noivado.

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