A Sinestita
Fernando
Braga
Há
alguns anos, veio ao consultório de Zé Osvaldo, um casal e sua filha de 15
anos, para tirar certas dúvidas. Diziam eles, que desde miúda, com 6 ou 7 anos,
embora se mostre inteligente, mistura muito as coisas. Sente gosto estranho quando
ouve som forte, as cores têm calor, umas quentes, outras frias e também têm
cheiros agradáveis e ruins. Quando toca
alguma superfície rugosa, diz que aquilo tem gosto de laranja. Caracteriza a
vozes das pessoas, como tendo diferentes sabores, doces e amargos.
—
É muito estranho doutor!
—
Para ela, letras e até palavras têm cores próprias, umas verdes, outras brancas
como leite, róseas e assim por diante. Parece estar brincando conosco, mas o
fato é, que tem isto há muitos nos. Ela vai muito bem na escola, notas altas em
quase todas as matérias, mas lá também, tiveram conhecimento de suas sensações
diferentes, e até fomos chamados para conversar com os
professores. Chegou a ser motivo de brincadeiras de suas amiguinhas, mas ela
não se importa, porque diz que nasceu assim.
—
Já fizemos consultas com alguns médicos, até com psiquiatra, que após ter feito
uma série de exames e mesmo uma tomografia computadorizada da cabeça, disse que
não era nada e que melhoraria com o tempo.
—
Esperamos que o senhor, nos possa dar melhores explicações.
—
Ah! Doutor! Ela começou aprender álgebra, aquelas equações do primeiro, segundo grau, X , Y etc ... e
diz que agora, frequentemente, olha para
cima e vê fórmulas, equações matemáticas pairando no ar. Outro dia ao olhar uma
revista colorida, sentiu arrepio no corpo ao deparar um vermelho rutilante, e ainda, quando ouviu um
pedaço da opera La Bohème que estávamos ouvindo, a música produziu gosto de morango em sua boca. O vermelho ela
sempre associa à letra A.
Falando
bem baixo para ela não ouvir: “Doutor, será que é alucinação? Aqui entre nós, já
tivemos um louco na família. Será que isto pega?”
Zé
Osvaldo dirigiu-se à mocinha explorando melhor os sintomas, os fatos. Ela
confirmou e disse que nada daquilo a atrapalhava e que até gostava, por sentir
ser diferente das outras.
Após
exame neurológico detalhado e olhar a tomografia, inteiramente normal,
dirigiu-se aos familiares e disse:
—
Meus queridos, sua filha tem o que é conhecido como Sinestesia, que vem a ser não
propriamente uma doença, mas um comportamento diferente de seu cérebro. Deu a
seguinte explicação:
— Cada
área de nosso cérebro desempenha uma determinada função e receberam um nome e
um número para identificá-las. Assim, na área motora, área 4, as células, os
neurônios produzem movimentos do corpo. O lado direito do cérebro, move o lado
esquerdo do corpo e vice-versa. O local da visão está no lobo occipital, aqui
atrás, áreas 17,18 e 19, a audição no lobo temporal, áreas 22 e 23. A
sensibilidade do corpo está na frente do lobo parietal, áreas 3,1,2. Cada
sentido, o tato, o gosto, o cheiro, a visão e a audição, tem áreas próprias.
Existem conexões entre as várias áreas através dos prolongamentos celulares, que
se chamam dendritos. Agora prestem a atenção., existe uma área aqui atrás, muito importante, localizada entre os lobos occipital,
parietal e temporal, do lado esquerdo, conhecida como área de associação, 39 e
40, que recebe informações dos diferentes tipos de sentidos e os mescla. Graças
a esta área, você pode reconhecer por exemplo, uma moeda pela visão, pelo tato se
fechar os olhos e ainda se a derrubarem no chão, pela audição. Nesta área você
tem uma representação, uma memória, uma gnosia, de tudo o que viu, ouviu, cheirou,
sentiu pelo tato e pelo gosto. É uma área onde todos estes estímulos se juntam.
Em
alguns casos, podem ser processadas aí, informações diferentes das habituais, misturando som, tato,
sabor, cheiro e visão também.
Sua
filha pode ter um número aumentado de conexões neurais relacionadas a esta área
39, o que a tornou uma Sinestita.
Dizem
que os bebes são sinestitas e à medida que desenvolvem seu cérebro, parte
destas conexões regridem. Se não regredirem, pode acontecer este fato, ficando
um adulto sinestita, podendo ouvir cores, cheirar números, sentir gosto das
formas. Nascem com estas características e convivem com elas a vida toda.
É
uma alteração rara, três vezes mais frequentes em mulheres e canhotas, como sua
filha. Pode haver transmissão hereditária.
Sua
filha vai ficar assim, não precisa tratamento porque é normal para ela e, já
nos confirmou que isto não a atrapalha.
Para
encerrar quero enfatizar que a sua filha, que é muito linda, foi acariciada
pelo sabor cromático de uma fragrância musical!
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