O SAPO E O ESCORPIÃO - Suzana da Cunha Lima




O SAPO E O ESCORPIÃO
Suzana da Cunha Lima

Patricia e Gilda eram jovens, alegres e tinham um bom emprego. Sempre se encontravam as quinta-feiras para bater papo, num barzinho descolado, perto de onde trabalhavam. Era o momento delas, de colocar os assuntos em dia, falar das fofocas da semana, enfim, desestressar.

Naquela tarde, Gilda chegou antes e começou a ler um livro antigo de fábulas. Como produtora teatral  pensava encenar uma delas para público infantil.

Patrícia  achegou-se, curiosa.

- Lendo fábulas, Gilda? – foi se sentando -  O que há de novo e especial nestas histórias tão antigas e ultrapassadas?

- As crianças ainda gostam, e devo preparar um roteiro baseada numa dessas – Gilda esticou os braços, bocejando. – Tive trabalho demais hoje, ainda bem que acabou e estamos aqui, jogando conversa fora.

-   Mesmo com a Internet, tablets, filmes em 3D, celulares incrementados, criança ainda gosta deste tipo de história? Pensei que só queriam saber de Harry Porter, Vampiros e coisas do gênero. – insistiu Pat, muito curiosa.

- Gostam sim, Pat , é incrível. Principalmente as pequeninas que ainda não sabem ler, adoram bichos falando. O duro é colocar a história numa linguagem que elas entendam e tem que ter muito produção para ficar interessante (cenário, música, estas coisas). 

- As fábulas de hoje já são mais politizadas, até as histórias infantis estão tendo fins diferentes...Já li uma que Chapeuzinho casa com o Lenhador e a vovó vai vender pastel na feira.  – comentou Pat rindo. Mas eu me lembro ainda de muitas fábulas que minha avó contava e que hoje seriam quase ridículas. Pobre vovó!

A raposa e as uvas, por exemplo.  A raposa pulava, pulava e não conseguia  pegar nem um cacho pendurado. Depois diz que não queria mesmo, as uvas estavam verdes... Vai embora com um olho comprido... Qual a moral mesmo?

Quem desdenha quer comprar – informou Gilda, mais familiarizada no assunto. – Aliás, parece aquela nossa amiga do escritório que fez tudo para conseguir o posto de secretária e quando não conseguiu, disse aos quatro ventos que aquele lugar era uma porcaria, tinha que trabalhar até tarde e aguentar desaforo de patrão. Mas a gente bem sabe que o negócio era outro, não é? Não conseguiu seduzir o chefe de jeito nenhum e ainda ficou mal afamada. E o pessoal tirou um sarro dela tão grande que foi preciso transferi-la de sessão.

 As duas riram muito, quase se engasgaram, pediram refrigerante ao garçom.

- Verdade Pat. – comentou Gilda. – para crianças pequenas, estas fábulas ainda servem,  mas para adultos, faça-me o favor! As que minha mãe contava era sempre para ensinar alguma coisa.  Lembro-me de uma em que dois amigos passeavam na floresta e se depararam com um urso. Ficaram em pânico e fugiram.

Um deles correu para uma árvore e lá ficou.  O outro tropeçou e caiu, então fingiu-se morto. O urso viu que não podia subir na árvore, então foi cheirar o que estava no chão. Depois, pensando que estava morto mesmo, foi-se embora.  Aí o amigo desceu da árvore e perguntou a ele:

- O que o urso te disse, enquanto cheirava suas orelhas?

- Que é nestas horas que a gente vê quem é amigo, quem não é.

As duas quase tiveram um ataque de riso pensando no urso cheirando o amigo caído, apavorado, tentando não respirar e louco de raiva do outro que nem tentou ajudá-lo.

As duas estava se divertindo muito e procuravam se lembrar dos antigos ditos, ditados e fábulas de antigamente, admiradas de como podiam ter gostado daquele monte de baboseiras... Hoje não faz quase sentido, disse Pat.

 - Ah, Gilda, me recordo daquela do lobo e do carneiro que estavam bebendo água do mesmo riacho e como o lobo queria comer o carneiro, ficou inventando um monte de histórias, inclusive que o carneiro estava sujando a água que ele bebia, embora ele estivesse bem abaixo no rio, quando a intenção era comer mesmo o carneiro. Não lembra um chefe que quer despedir um funcionário muito bom para colocar outro menos qualificado no lugar? Não tem nenhum argumento, então inventa um qualquer, geralmente que não tem nada a ver.

- Sei muito bem e eu que levei a pior naquele caso do contrato com o Senac.- falou Gilda.  – O chefe queria meu lugar para a amante dele , uma periguete completamente desqualificada que só servia mesmo para tirar xerox e inventou um monte de histórias para me tirar de lá. Coisa sem pé nem cabeça mesmo, nem formada a tal zinha era.  Ainda bem que precisavam de alguém experiente no setor de eventos infantis e  fui lembrada pelo Dr. César. Estou gostando muito de trabalhar nesta área nova, ainda mais que não preciso ver mais aqueles dois cretinos.

Elas tomaram seus sucos incrementados, enquanto tentavam lembrar de outras fábulas e  ditos.

- Oi Pat, lembra aquela da assembleia dos ratos que queriam dar um jeito de saber quando o gato chegava para poderem se salvar a tempo?

- Sei, e ai resolveram que deveriam colocar um guizo no gato, não é? falou Pat. Mas quem ia fazer o trabalho perigoso?

- Aí é que está a questão. No meu trabalho anterior, o que mais havia era reunião idiota que lembra bem esta fábula. O problema era sério e vinham com soluções ridículas. Nenhuma delas vingava porque importava em ter que conversar com o Chefe, que ninguém queria ir, porque ele era o causador de tudo e metia medo em todos. Ah, quem quisesse colocar um guizo nele ia ver depressa a porta da rua., ele era o dono do escritório...

Pat contou que a avó gostava de colecionar frases de traseira de caminhão e sempre achava alguém ou alguma coisa relativa àquela frase. Tinha uma que todos sabiam a quem ela se referia: mulher de janela, nem costura nem panela.  E completava com a outra: a preguiça era oficina do diabo. Todos sabiam para quem eram as farpas.  Para uma mulher que gostava de exibir seus seios volumosos na janela, bem onde seu avô passava, todo empertigado, para pegar o ônibus. Não havia uma vez que ela não viesse com alguma gracinha::

Oi sr.João, em sua casa existe pão? O que é seu está guardado, não precisa ficar apertado. Quem não te quer não te merece. Minha avó ficava uma fera.

Um dia não conseguiu conter a raiva.  Encheu um tacho de melado e foi na casa da mulher.  Mal ela apareceu na janela, minha avó jogou o balde em cima dela. Ela ficou toda melada e os cabelos se emaranharam, uma desgraceira só, ela vivia passando chapinha nos cabelos. Foi um Deus nos acuda. Tive que levar vovó correndo para a cidade, antes que a polícia aparecesse.  Mas ninguém quis ser testemunha.  Não se falou um pio, acho que todos estavam cheios da presença de uma moça tão desclassificada ali, num bairro família.

- Tem outras que eu acho que  servem mais para meter medo - falou Gilda quando terminaram de rir.  Lembro-me de vovó contando  a fábula do escorpião e do sapo.
- Como é essa, acho que não conheço – perguntou Patrícia.

- Ah, o escorpião queria atravessar o rio, mas não sabia nadar. Então pediu a um sapo que estava ali perto, se ele podia  levá-lo para o outro lado.  O sapo não queria, com medo de ele lhe dar uma picada.

– Imagine se vou fazer isso a alguém que está me prestando um favor – disse o escorpião, cheio de brios.  – E tanto insistiu que o sapo resolveu levá-lo. Quando já estavam chegando,   o escorpião mordeu o sapo, que chegou moribundo, na outra margem, e perguntou quase morrendo: Por que você fez isso?

Aí o escorpião respondeu: porque é de minha natureza morder...

- Nossa, e qual a moral desta fábula, Gilda? Só se for para a gente tomar cuidado com escorpiões, porque faça o que você fizer de bem para ele, no final ele vai te morder. É isso?

 - É isso aí, amiga, ainda mais quando se trata de questões de amor. Conheço muita gente assim, você não? Respondeu Gilda muito agitada - Pat,  o que a gente vê mais é homem escorpião.  Você faz tudo para agradar, mas no fim, sabe que vai ser mordida, posta de lado. E desculpe, amiga, tenho que ir correndo agora.

- Eu te acompanho, mas pensei que tínhamos a tarde livre. O que deu em você?

- Pensei agora no Amorim, ah, ele vai ver só. Não vou levar nenhum sem vergonha nas costas, é isso. E um conselho, não confie também em ninguém do signo Escorpião.

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