ENTÃO, É NATAL - Oswaldo U. Lopes

                              1º colocado

CONCURSO DE NATAL 2020





ENTÃO, É NATAL

Oswaldo U. Lopes

 

 

        Nos textos dos evangelhos há pouca referência à noite de Natal. Lucas assim relata o nascimento de Jesus:

Enquanto lá estavam, completaram-se os dias para o parto, e ela deu à luz seu filho primogênito, envolveu-o com faixas e reclinou-o numa manjedoura, porque não havia um lugar para eles na hospedaria. ”

        José Antônio leu o pequeno trecho do Evangelho em plena noite de Natal, de plantão no Hospital das Clínicas, e pensou:

— Que mulher extraordinária!

        Não era obstetra, aliás não gostava muito dessa especialidade.  Era um eminente cirurgião torácico, dos bons, já fizera e participara de inúmeras operações cardíacas.

        Mas, durante a residência cirúrgica, tivera seu quinhão de obstetrícia e aquela descrição de uma primogênita que dera luz seu filho e o envolvera em faixas, reclinando-o numa manjedoura, não era nada parecido com o que costumava ver. Gritos e por vezes desespero, não eram incomuns nas parturientes de primeiro filho. Um pouco mais abaixo no mesmo Livro de Lucas leu:

Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade

        Era noite de Natal e as ocorrências eram as de sempre, como se os homens de boa vontade estivessem de folga, e os tiros, atropelamentos e confusões habituais não se importassem muito com a Virgem que dera luz seu primogênito.

        Foi quando ouviu um ruído claro e alarmante, vindo da entrada. O enfermeiro, empurrava uma maca, transtornado. História simples. Teresa, jovem, recém-casada e grávida estava no supermercado do bairro, quando começou a confusão e vários tiros foram disparados. Caso grave, estava com pressão baixa. Tentou acalmá-la:

— D. Teresa vamos ter que operá-la, a bala furou o abdômen e vamos ter que abrir para ver os estragos.

— E o meu bebê? Perguntou ela.

        Começou a gostar dela, “e o meu bebê”, fora o primeiro pensamento.

— Faremos o possível e o impossível para salvá-lo.

Sabia que as chances não eram grandes, queda de pressão, laparotomia, tudo conspirava contra aquele feto.

        Noite de Natal, resolveu no rugir de sua agnosticidade, apelar para aquela mulher jovem que numa noite igual a essa dera luz seu primogênito.

        Operou, ajudado pelo residente, com toda tranquilidade de que foi capaz. A hemorragia era brava, veia porta pega de raspão, uma alça intestinal perfurada, hematoma lombar posterior. Conseguiu resolver tudo e ela continuava bem, saira do choque e respirava ainda com a ajuda dos aparelhos, mas já estava acordando. Delicadamente, levou a mão ao útero no abdômen inferior e percebeu-o grande e pulsando. Tirou a mão e rezou mais uma vez.

        Acompanhou-a carinhosamente. Que força interior, não se queixava nem reclamava. Teve uma recuperação como ele nunca vira, e alta tranquila com seu bebê intacto, e com uma cara ótima.

        Quando ela foi embora ele pensou... É, Maria era forte e destemida, mas não era a única. Aqui estava Teresa, primigesta e decidida. Agradeceu à Maria com seu restinho de fé pelo milagre de salvar Teresa e, pelo fato de existirem tantas Marias neste mundo, dando Graças a Deus.


A PEQUENA ALICE E O NATAL - Antonia Marchesin Gonçalves

2º colocado

CONCURSO DE NATAL 2020



A PEQUENA ALICE E O NATAL

Antonia Marchesin Gonçalves

 

 

                Acordei cedo e a primeira coisa que sinto é um perfume de comida gostosa no ar, um misto de assados e bolos que enchiam aos poucos todos os cantos da casa (como aquelas nuvens brancas do céu que devagar enchem todo ele). Nos meus cinco anos, acabados de fazer, hoje é festa, pensei.

                Calcei os chinelos e chegando à cozinha com fome para o café com leite e biscoitos feitos por Francisca, já a encontrei de avental branco sorridente me dando um beijo de bom dia e me dizendo:  hoje não posso contar história procê, Alice, tenho muito que fazer querida é Natar disse ela. O que é natar Francisca? É uma historia linda muito comprida, antes do fim do dia te conto.

                Fui procurar a mamãe para perguntar sobre o tal de natar. Ela estava atarefada separando a louça mais bonita para a festa, e também disse mais tarde me explicaria: Estou muito ocupada agora filha, vai brincar no quintal.

Adultos, nunca têm tempo para nós crianças. Saí amuada e fui brincar, mas querendo que alguém pudesse me contar sobre o famoso natar. Depois do almoço meus avós chegaram, estavam bonitos, cheirosos com travessas que deixaram na cozinha e voltaram para me beijar.

                Amo os dois e sempre estão prontos para fazerem as minhas vontades. Fui logo perguntar ao vovô, que adora contar histórias, sobre o tal de natar. Para a minha felicidade ele me levou à varanda; Aqui não atrapalhamos ninguém. Sentou na cadeira preferida e eu no seu colo, e começou a me contar.

“Primeira coisa Alice o nome desta festa de hoje é Natal, não natar. Tudo começou há muitos e muitos anos. Antes de você nascer vovô? Sim, querida Alice bem antes, nos tempos mais antigos, longe daqui, havia um casal, sendo ele marceneiro, tiveram que abandonar sua casa e aldeia, porque um homem poderoso que se dizia rei soube através de um bruxo, naquele tempo havia muitos bruxos adivinhadores, sabe, Alice? Pois bem, o bruxo disse que naquele ano nasceria o verdadeiro rei do mundo.

                Ele ficou muito bravo e então mandou expulsar da cidade todas as mulheres grávidas, sabe aquelas com bebê na barriga, com medo que nascesse o homem que roubasse o seu reinado. O casal João e Maria grávida era um deles, que tiveram que fugir. Ela montada num burro e ele a pé pelo deserto até encontrarem uma choupana de palha para passarem a noite, naquela madrugada nasceu o menino. Quando ele nasceu apareceu no céu uma grande estrela com muita luz e uma cauda grande iluminando o encantadoramente o lugar, tanto que de muito longe se via. E, aí começaram a chegar pastores, com suas ovelhas e até reis, pois todos sabiam que esse menino não era o rei como nós conhecemos, mas sim o homem que iria ensinar o mundo a palavra de Deus, enviado pelo pai do céu, aquele para quem eu rezo e agradeço toda noite antes de dormir, pedindo a sua benção como a mamãe me ensinou. O nome dele era Jesus Cristo. É por isso que todo dia vinte e quatro de dezembro se comemora em sua memória o aniversario dele, como eu comemoro todo ano o meu. Natal é a data natalícia de Jesus.

 

O menino que não gostava do Natal - Maria Verônica Azevedo

3º colocado

CONCURSO DE NATAL 2020





O menino que não gostava do Natal

Maria Verônica Azevedo

 

       — Natal! De novo?

       Era sempre assim. Nenhuma ilusão, sem visitas, sem escolhas, sem cartas.

       Ficava a olhar, pela janela, as ruas enfeitadas.

       Nisso entra a supervisora do orfanato. Era muito severa. Mas trazia uma boa notícia. Finalmente uma família queria conhecer Fabrício. 

       Esses não se importavam com a cor da sua pele.

       Estavam convidando Fabrício para  passar a noite de Natal com eles e os dias que antecediam o Ano Novo. O menino ficou perplexo.

       Jamais imaginara que isso pudesse acontecer. Ansioso, correu para se aprontar.

       Nunca havia andado de carro. Não que se lembrasse...

       Quando via crianças nas calçadas de mãos dadas com adultos... pensava que seriam os pais. Os dele ele não conhecera, não que  se lembrasse.

       Mais encantado ficou com a casa. Era grande, iluminada e toda enfeitada com coisas que lembravam o Natal.

       O portão abriu sozinho!

       Duas crianças alegres vieram correndo em sua direção. Nas mãos, presentes para ele.

       O carro parou. Abriram a porta. Fabricio encabulado se encolheu no banco do carro. Não sabia o que fazer. A menina, bem mais crescida do que o garotinho, logo entendeu o braço e puxou Fabrício pela mão.

       Sem oferecer qualquer resistência, Fabrício acompanhou a menina.

       — Eu sou Verena. Tenho oito anos e você como se chama.

       — Eu? Sou Fabricio.

       — Prazer. Este aqui é meu irmão Bert.

       O menino, muito louro, o rosto coberto de sardas, aparentava uns três anos de idade. Olhava curioso, porém não dizia nada.

       Aí ouviu-se uma voz de mulher que parecia chamar com uma fala estranha. Fabrício perguntou:

       — Por que ela está falando tão esquisito?

       Verena   começou a rir.

       — É normal. Somos alemães. É a nossa mãe chamando. Vamos entrar logo. Temos uma surpresa.

       Seguiram pela alameda do jardim. Cruzaram um extenso gramado ladeado por flores variadas. Fabricio se sentia no Céu, mas bem encabulado. Tudo aquilo era muito novo para ele. Levava  nas mãos os pacotes dos presentes. Estava no mundo da lua.

       Enfim chegaram à porta da casa. A senhora que Fabrício concluiu ser a mãe, os recebeu com um abraço discreto. Fabricio imaginava que uma mãe fosse mais simpática e carinhosa.

       Ficou pensando se ela era assim mesmo ou fazia cerimonia por ser alemã. Lembrou da merendeira do orfanato que era alemã e muito fechada. Era difícil vê-la conversar com estranhos. Nem o rapaz da padaria que vinha trazer o pão todo dia conseguia quebrar o gelo dela.

       Parado ali, imerso em seus pensamentos, o menino não se mexia. Foi preciso  Astrid cutucá-lo para ele voltar a atenção ao que se passava. Aí todos se dirigiram para a sala de jantar onde o almoço estava servido.

       Fabrício, bem encabulado, ficaria ali como convidado, durante as festas até depois do Ano Novo. Foi acomodado numa cama extra, no quarto das crianças.

       No segundo dia, após o Ano Novo, Astrid, a mãe de Verena, chamou Fabrício para conversar. Sentados embaixo da grande paineira do jardim, o menino não dizia nada. Então Astrid com voz suave e carinhosa perguntou:

       — Fabrício, você gostaria de ficar aqui conosco para sempre? Quer fazer parte da nossa família?

       Ele ficou um instante boquiaberto sem saber o que dizer. Depois disse emocionado?

       — Sim. Eu quero muito. Mas como isso será possível?

       — Eu vou adotar você como meu filho.

       Ela o abraçou sem dizer mais nada. E ele se aninhou naquele abraço.

Presente de Natal - José Vicente J. Camargo

 

4º colocado

CONCURSO DE NATAL 2020






Presente de Natal                                                       

José Vicente J. Camargo

 

Vou driblando o corona vírus passando a pandemia na minha casa de praia revezando as caminhadas pela  natureza pujante com a novidade do Home Office, despreocupado com eventual contágio, uma vez que o local está isolado no meio da  Mata Atlântica, abraçado ao mar aberto e despovoado de outros semelhantes a não ser minha esposa, o que me leva a supor que dificilmente o corona me achará.

Nesta manhã ouço surpreso, vindo do silêncio da mata, os primeiros acordes do canto melodioso e forte do sabiá laranjeira, a anunciar que a primavera chegou e que ele está à procura de uma companheira para dar continuidade a sua espécie. Minha mente dá um estalo! Primavera, Já? Cada ano passa mais rápido...e esse pensamento leva a outro: “Então significa que o Natal está chegando. Não demora muito e já estaremos festejando! ” Minha mente estala novamente, Festejando? Em plena pandemia? Estão proibidas as aglomerações!

Meu consciente que reluta em não aceitar esta imposição, dá um mergulho no passado e traz lembranças, desde a infância, de tantos Natais festejados entre as famílias parentes quando era costume se assistir primeiro a Missa do Galo – pontualmente a meia noite para depois ter a ceia comemorativa que reunia, na maior casa do clã, todos os pais, avós, tios, primos e amigos. Lembranças saudosas destas festas ainda trago comigo que me incentiva, na terceira idade, repeti-las no âmbito da minha família com a presença dos filhos, noras, genros e netos que chegam em casa hoje a missa foi antecipada para antes da comemoração abraçados a pacotes de papéis e laços coloridos espalhando-os ao redor da árvore de natal para depois, bebericando as borbulhas do champagne, iniciar o “diz que diz” das novidades e fofocas aguardando o chamado da Vó para se sentar à mesa aromatizada de apetitosos e fumegantes quitutes, que serão degustados após a oração pelas graças recebidas neste e as desejadas para o próximo ano.

Mas, e o Natal deste ano com o Corona vírus ainda solto fazendo vítimas, como fica? Com o tal “distanciamento social” sem abraços nem beijinhos, entrará para a história assim como o ano, perdido, triste, que poderia ser arrancado da folhinha que não faria falta. Porém Natal significa esperança que renasce com o Menino Deus, que traz nova luz a iluminar nossos caminhos, a orientar-nos e, portanto, deve ser festejado com alegria e confraternização. Para amenizar a situação do “não deixei passar em branco”, vou ligar para meus três netos e perguntar o que querem de presente de Natal. Pelo menos não sentirão tão abandonados do espírito natalino pois, o presente do avô é, segundo eles, o melhor de todos (pudera, sempre pergunto antes o que querem ganhar e nunca falho, apesar das broncas da avó que acha que os acostumo mal).

Enquanto procuro o número dos celulares penso: “ainda bem que gostam de tudo que é de última geração, pois assim posso comprar pela internet e pedir para entregarem na casa deles. Creio que vão pedir o novo celular 5G ou o último jogo eletrônico que acaba de estrear no mercado. A neta, que quer estudar astronomia, acho que vai querer um telescópio eletrônico, bem mais potente do que o último que lhe dei. Ainda bem que meus dois filhos economizaram na linha sucessória permanecendo nesses três netos, senão meu décimo terceiro não daria para cobrir o desejo da avó de fazer um cruzeiro de navio no réveillon ...

O resultado dos três telefonemas foi inesperado! Quando os indaguei sobre minhas sugestões de presentes, foram unânimes na resposta, parece até que combinaram:

“Vô! Que adianta novo celular, jogo eletrônico, vasculhar a Via Láctea atrás do rabo do cometa se não tenho com quem compartilhar, torcer, brincar. Com distanciamento social não dá! Não há presente que substitua o convívio dos amigos, o “cara a cara, peito a peito”! Portanto o que mais quero de presente de Natal é:

“A Maldita Vacina!” Não importa de que país venha, mas tem de ser o mais rápido possível para liberar minhas energias e principalmente o rosto dessa porcaria de máscara, não aguento mais ficar sem fazer esporte, academia e de dar meus abraços e beijinhos na galera ansiosa...”

Bem! Dever de avô eu cumpri, perguntando! O presente desejado, que é o de toda a humanidade, vai ter de esperar as complexidades dos poderosos. Eu, particularmente, não sou Santo pra fazer milagres...

DUAS CRIANÇAS - Suzana da Cunha Lima




DUAS CRIANÇAS

Suzana da Cunha Lima

 

Ele nasceu há mais de dois mil anos em Belém, uma cidadezinha da Palestina, e foi colocado, recém-nascido, numa manjedoura.  Ainda bebê, precisou se refugiar no Egito, para fugir da sanha infanticida  dos soldados do Rei Herodes.

Quando o perigo acabou, voltou para sua terra onde cresceu, pobre e analfabeto. Morreu aos trinta e três anos, nas mãos dos carrascos de seu próprio povo.

Ele era Jesus de Nazaré, um Rei cujo reino não é deste mundo, porém o Poder transformador de sua Palavra e de sua Verdade permanece vivo até hoje.

Aylan Kurdi nasceu dois mil anos depois, em Korbana, na Síria, e morreu,  ainda criança, coberta de espuma e sal, nas praias de Ali Hoca, em Bodrun, Turquia.  Levada pelas ondas, como um dejeto qualquer, é um símbolo trágico do desespero migratório, que tem sepultado tantas vidas e tantos sonhos.

 Aylan Kurdi também precisou fugir do longo braço dos soldados de sua própria pátria, esfacelada pela guerra civil e por um perverso fanatismo que não obedece a nenhuma regra ou convenção humana civilizada.

Ele morreu, porém sua voz ressurge no grito e indignação dos povos e, quem sabe, consiga tocar, com sua inocência, os corações dos que possuem poderes para conter o Mal.

Há uma verdadeira e profunda ligação entre estas duas crianças: ambas fugiam da opressão de seus governos totalitários, ambas buscavam um espaço de liberdade para viver seus sonhos e cumprir sua missão.

O mundo caminha entre o Bem e o Mal desde que o primeiro homem pisou neste planeta.  O Mal se impõe pela violência e o Bem age pela paz.

Estamos nesta encruzilhada, é o que me vem à mente nesta época em que celebramos o nascimento de Jesus, cada vez mais angustiados e desesperançados diante da extrema crueldade como o Mal se manifesta.

Será que chegou a hora de nós, homens e mulheres do Bem, nos levantarmos contra a barbárie e desembainharmos também nossas espadas?

 Espadas de coragem e inconformismo, oferecendo o que temos de melhor, nossos talentos, nossa voz e nossa arte, para que não aconteça mais outros Aylans Kurdi.





(Texto baseado em fatos reais - reapresentação) 

UM NATAL SUIGENERIS - Ledice Pereira

 




UM NATAL SUIGENERIS

Ledice Pereira

 

Minhas lembranças de Natal são sempre com a família reunida. Uma das primeiras reuniões de natal de que me lembro, foi na casa de uma irmã do meu pai. Eu devia ter uns cinco para seis anos. Meu tio era um agregador. Gostava de juntar a gente para juntos, comemorarmos. Meus primos eram mais velhos uns oito ou nove anos. Eu os admirava. Até hoje eu os admiro e amo muito. Nesse ano, quando voltamos para casa, papai Noel havia deixado presentes no meu quarto. Mal consegui dormir de tanta felicidade. O bom velhinho não havia esquecido de mim, mesmo eu estando fora de casa.

Acostumei-me com essas festas passadas com tios e primos. Desde a adolescência, procurei manter essa tradição. Incentivava minha mãe a reunir pessoas queridas e eu a ajudava na arrumação da casa e no preparo dos quitutes.

Ao me casar, a ceia de fim de ano passou a ser na minha casa. Foram muitos anos. Com as crianças então era sempre muito divertido. Só parei, quando minhas então velhinhas se foram. Aí, me senti liberada das minhas funções de anfitriã natalina. Desde então, temos passado cada natal num lugar diferente.

Neste 2020 atípico, fico a pensar como será o encontro de Natal. Será virtual, pelo Zoom, Skype, whatsapp? Até lá, nossa “quarentena” será na verdade de quase três centenas de dias de reclusão. E o nosso pedido para o bom velhinho é que ele nos traga a esperada vacina e muita, mas muita, SAÚDE!

 

Um conto de Natal - Paulo Abrahmsohn

 

 


Um conto de Natal

Paulo Abrahmsohn

 

- Acho que o Papai Noel vai trazer todos os presentes que pedi, disse Toninho.

- Nada disso, respondeu a irmã Camila. Papai Noel não existe e não vai trazer nenhum presente para você.

- Crianças, chega com essa discussão, todo ano é a mesma coisa. Hoje é véspera de Natal. São quase 11 horas e está na hora de todo mundo ir dormir.

Camila acordou no meio da noite por causa de um barulho que vinha da sala. De novo! Pensou ela. Deve ser aquele ratinho que nos visita de vez em quando. Mas hoje vou dar um jeito nele. Levantou-se e, pé ante pé, saiu do quarto com cuidado para não fazer nenhum ruído. Primeiro foi até a cozinha pegar uma vassoura. Vou ensinar umas coisas para este ratinho nunca mais voltar.

Chegou à sala de vassoura em punho, pronta para dar um jeito no intruso, mas em vez disso sentiu a presença de alguém. Assustada, olhou melhor, arregalou os olhos e gaguejou:

- Quem é o senhor? Parece o Papai Noel?  

- Sim, sou eu mesmo, Camila.

- Mas, mas... É o Papai Noel de verdade?

- Sou o Papai Noel de verdade.

- Eu pensei que o senhor não existisse, disse Camila. Está entregando presentes para todos?

- Não, eu não entrego nenhum presente. Pense bem Camila. Como seria possível entregar presentes para todo mundo?

- Então o que o senhor faz, Papai Noel?

- Eu entro em todas as casas e espalho um pouco de sentimentos de Fé, Esperança e Solidariedade. O Espírito do Natal. E torço para as pessoas praticarem isto todos os dias até o próximo Natal.  

- Sim, Papai Noel, o mundo seria muito melhor se todos fizessem isto.

- E agora, Camila, preciso ir às outras casas. Boa noite, vá dormir.

- Boa noite, Papai Noel.

Camila acordou mais tarde naquela manhã e quando chegou à mesa do café todos já estavam reunidos, conversando sobre o dia de Natal. A mãe perguntou:

- Camila. Feliz Natal. Já perguntei para o Papai e para o Toninho. O que faz esta vassoura aqui na sala? Você sabe?

- Não mamãe, não tenho ideia, respondeu Camila muito séria e pensativa.


FULO – O DRAGÃO E OS LIVROS - Antonia Marchesin Gonçalves

 

 


FULO – O DRAGÃO E OS LIVROS

Antonia Marchesin Gonçalves

       

 

                Nona (vovó em italiano), conta uma historia. Alê,  é hora de almoço não de dormir. Mas meus pais sempre contam na hora das refeições para que eu coma tudo. Então, vou pegar um livro. Não nona tem que ser inventada na hora, e de preferência de ação. Pensei comigo, tô ferrada. Bom, era uma vez um dragão, grande, com o rabo comprido, asas e braços fortes, um corpanzil, quer dizer, um corpo grande. Dava medo, mas era domesticado, o nome dele era FULO e diziam os antigos escritos que ele era guardião dos livros. Muito antigamente poucos sabiam ler, então não davam valor aos livros. Naquela época só os ricos aprendiam a ler e escrever, e os padres também.

                Voltando ao FULO, ele era muito inteligente, tinha superpoder, soltava fogo pela boca. Isso não é superpoder nona, todos os dragões soltam fogo pela boca, até eu sei. Para poder salvar os livros do mundo, ele tinha um ouvido poderoso, por mais longe que fosse, ouvia quando as pessoas jogavam fora os livros, então ele os recolhia, guardando em sua caverna. Mas a caverna já estava tão cheia que ele começou a guardar em volta dela, e os cobria com folhas de palmeiras para proteger da chuva e do sol. Por que ele guardava, dragão não sabe ler? Ah,  Alê, aí que está outro superpoder, ele sabia ler.

                O seu padrinho, a pessoa que o criou, era um cientista que estudava os animais, afirmando que não eram irracionais, quer dizer, que não eram inteligentes e não pensavam. Educou FULO para se expressar com os braços e facial para ser entendido, o ensinou a ler para mostrar ao mundo a sua teoria. O mundo, o chamava de cientista maluco, FULO era o seu modelo.

Mas um dia Norberto, o cientista maluco, ficou doente, ele ficou desesperado e foi chamar o médico da aldeia, mas quando chegaram nada mais podia ser feito, Norberto já estava morto. O desespero tomou conta de FULO, ele nunca matou sequer uma mosca, ele era vegetariano, só comia frutas, verduras e legumes, foi difícil entender que Norberto nunca mais cuidaria dele.

                Muito triste voltou para sua caverna ficando isolado lendo principalmente sobre a morte. Entendeu que todos um dia iriam ter o mesmo fim do Norberto, inclusive ele. Dali por diante, FULO preciso aprender a se defender, e a cultivar sua própria comida. Aprendeu a caçar pequeno animais e já voava para distâncias maiores.

 

Um dia, numa floresta que ele ainda não conhecia, escutou um barulho de asas se mexendo e ao olhar numa clareira. Era um dragão fêmea.  Ela era simpática tinha asas lilases, dentes alvos, e corpo quase retilíneo coberto por cintilantes escamas de fêmea. FULO se apaixonou, e foram morar juntos na caverna e FULO. Ele ensinou NOLA a ler e tiveram vários filhotes. Alguns livros tiveram que sair de dentro da caverna para que a família de FULO tivesse espaço para habitá-la.  E lá naquela caverna viveram felizes para sempre.

 

Gostou? Não gostei do final, coisa mais de menina, nem uma luta entre machos, ou ele ter ajudado algum rei na guerra, isso sim seria emocionante. Bom, nona, já comi tudo, vou brincar.

               

A importância dos livros - Ledice Pereira

 






A importância dos livros

Ledice Pereira

 

 

Aquela biblioteca da escola era o lugar onde Junior gostava de se esconder. Adorava ler aqueles livros desenhados, cheios de figuras coloridas que o faziam divagar pelos caminhos da leitura, levando-o a reinos distantes e misteriosos.

A professora agora já sabia onde encontrá-lo. Toda vez que o menino não voltava para a classe, depois do recreio, era só procurá-lo na biblioteca. Às vezes, o encontrava sentado no chão, imerso na leitura. Outras vezes, o achava dormindo entre vários exemplares abertos.

Ao mesmo tempo que ela o admirava por sua preferência, preocupava-se, pois, ele perdia as outras aulas, principalmente as de exatas.

Resolveu falar com os pais do menino. Esperou que um deles viesse buscá-lo para abordá-lo. Fernando era jornalista e explicou que, desde pequeno, o menino se interessara pelos livros.

Marli explicou que era ótimo isso, mas que não podia deixar que ele perdesse as outras matérias, tão importantes também.

Fernando então resolveu que contaria ao filho uma história. Junior não dormia sem ler uma. Naquela noite, Fernando o chamou e começou a contar:

“Era uma vez um belo dragão chamado Fulo, que foi encarregado de tomar conta dos livros de uma biblioteca. Ninguém podia pegar o livro que queria sem ter que pedir autorização a Fulo.

Pedrinho gostava de ler apenas histórias de bichos. Fulo ficava bravo e soltava labaredas avermelhadas quando o menino insistia no estilo. Só concordava em liberar livros que falassem de outros assuntos. De tanto temer a ira de Fulo, o garoto resolveu variar nos temas, descobrindo que havia um mundo infinito a ser desbravado. Descobriu a mitologia, o suspense, o mundo das fadas e dos duendes, a história das guerras e dos povos oprimidos, as biografias dos músicos e dos artistas plásticos e com isso teve conhecimento de que os números apareciam sempre com muita importância e que sem os números, as operações matemáticas e a ciência, nada existiria. Por isso, a importância de se navegar em todas as esferas da cultura: das que tratavam da humanidade e as que tratavam das ciências exatas.”

Junior achou que o pai inventou uma história muito legal, apesar de não crer nem um pouquinho em dragão. Afinal, não era mais tão bobo para acreditar em história de carochinha. De qualquer forma e por isso mesmo, concluiu que já estava na hora de ampliar seus conhecimentos, dedicando-se às outras matérias. Estava com quase 13 anos, não podia se comportar mais como um garotinho.

Marli, mal pôde acreditar quando, no dia seguinte, não precisou ir atrás do aluno. Encontrou-o entre os outros alunos, explicando fórmulas matemáticas como se sempre tivesse participado das aulas.

De certa forma, a leitura tinha aberto aquela cabecinha, deixando-a pronta para o conhecimento. Apenas Junior não tinha se dado conta.

      

Chiquinha Gonzaga - Uma mulher à frente de seu tempo - Ises A. Abrahamsohn

 


Chiquinha Gonzaga -  Uma mulher à frente de seu tempo

 Ises A. Abrahamsohn

 

 

Eu conhecia Chiquinha Gonzaga como pianista compositora do “Abre Alas, que eu quero passar” carnavalesco e de músicas de grande sucesso popular na virada e início do século vinte. Não sabia mais que isso até fazer um curso à distância promovido pela revista Concerto sobre mulheres compositoras. Fiquei empolgada ao saber sobre a extraordinária vida e obra dessa compositora. A maior parte do que vou escrever encontra-se na Internet e no livro Chiquinha Gonzaga uma História de Vida de Edinha Diniz. Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu em 1847 no Rio de Janeiro, filha de um militar do Império e de mãe de origem muito pobre, filha de escrava. Foi declarada como filha legítima embora o casamento só tivesse sido legalizado em 1860. Mas o pai educou-a para casar-se na melhor sociedade. Teve aulas de francês, boas maneiras e de piano com o tio que era flautista. E foi uma criança prodígio. Aos 11 anos dominava o piano e apresentou sua primeira composição. Aos 16 anos o pai arrumou o casamento com um oficial da marinha mercante de família rica, Jacinto Amaral. Teve logo dois filhos em 1863 e 1864 e, apesar da oposição do marido, continua a se dedicar ao piano e a compor. O marido, para afasta-la do instrumento, a carrega consigo em várias viagens de navio que leva suprimentos às tropas que lutam na guerra do Paraguai. Chiquinha se revolta contra o tratamento dado aos escravos alforriados. Ao voltar ao Rio, continua a compor e tenta tocar apesar da proibição do marido. Até que, após várias brigas, o marido lhe dá o ultimato: “ A música ou eu!” . Chiquinha escolhe a música, se separa do marido em 1869, grávida do terceiro filho e vai viver sozinha levando o filho mais velho consigo. Seu pai e mãe, que ficaram com a filha, a repudiam e a declaram como morta. Em 1870 Chiquinha passa a viver com o engenheiro João Batista de Carvalho e arca com processo de separação por abandono do lar e adultério. Para se sustentar ela dá aulas de piano e publica sua primeira composição, a polca Querida por todos, com o sucesso moderado passa a tocar como pianista num conjunto de choro e a se apresentar como musicista profissional. Em 1877 publica “Atraente”, um grande sucesso e se separa de Carvalho. Chiquinha está com 30 anos e durante toda a sua vida até os 87 anos nunca parou de compor. Apresentava-se como pianista e dava aulas de piano. Conseguiu se manter e comprar imóveis. Foi a primeira maestrina brasileira a reger uma grande orquestra.  Em 1934, com 87 anos Chiquinha Gonzaga escreveu seu último trabalho, a partitura da opereta "Maria". Como maestrina, atuou em 77 peças teatrais, óperas e operetas, é autora de 2.000 composições. Foi cercada dessa glória que Chiquinha Gonzaga viveu em companhia de João Batista seu último companheiro, ela aos 52 anos ele com 16, a quem adotou como filho. Chiquinha Gonzaga batalhou para receber os direitos autorais, depois de encontrar em Berlim várias partituras suas, reproduzidas sem autorização. Foi a fundadora, sócia e patrona da SBAT - Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, ocupando a cadeira n.º 1. Chiquinha Gonzaga faleceu no Rio de Janeiro, no dia 28 de fevereiro de 1935.   

O CADERNO E O CELULAR - Sérgio Dalla Vecchia

 



 








O CADERNO E O CELULAR

Sérgio Dalla Vecchia

 

Dispostos sobre uma mesa, lá estavam o caderno e o celular.

Foi a primeira vez que se puseram frente a frente. Logo o sereno caderno puxou conversa:

—Olá celular, registro textos. Estava ansioso na busca de ouvidos companheiros que escutassem as tantas histórias que vivenciei. 

— Ora, caderno, eu lá quero saber das suas histórias. Eu sou o presente, não tenho histórias para contar, quando quiser saber algo ponho meu buscador para trabalhar e Zaz! Tenho os fatos de imediato, em cores e em tempo real. Sou apenas o máximo. – Respondeu com arrogância o celular.

Pois é meu caro, modéstia é que não lhe falta, não? - Retrucou o caderno.

— Sou onisciente, digito todo tipo de texto, tiro fotos, sou uma enciclopédia, falo todas as línguas, converso com todos os grupos de amigos, informo tudo que acontece no mundo, sou a tecnologia de ponta e portanto sou a ferramenta essencial para o homem.- Replicou o celular.

Veja como fala, seu petulante aglomerado de chips! Antes de você pensar em existir eu já registrava todos os documentos do mundo. Desde a mais rudimentar grafia até a mais refinada. Já fui pedra, papiro, pergaminho, diários de bordo dos mais valentes encouraçados até dos gigantescos transatlânticos. Já me escreveram com carvão, penas de aves até com as mais luxuosas canetas da moda. Sou eu quem registra os trechos de maior importância sublinhados pelos alunos, nas aulas e palestras. Um aluno atento não renuncia da minha presença, esteja onde estiver, mesmo tendo um simples você enfiado em um dos bolsos traseiros das calças jeans, coladinho nas nádegas.- Desabafou o caderno.

— Veja bem registrador de textos, essa conversa já deu o que tinha de dar, portanto vou me desligar por um tempo e você sentirá na pele a minha falta.- Desligando ...

O caderno não esperava tal atitude, mas atento, aguardou paciente a chegada dos efeitos colaterais do fato.

Após algum tempo eles se reencontraram, já mais calmos, conversaram bastante sobre a coexistência e arranjaram o seguinte pacto:

Ao caderno coube à nostalgia e sentimentos da alma.

Ao celular a pujança do progresso e toda frieza que ela exige.

Assim o pacto vigorou harmonioso por vários séculos, até que o mundo obsoleto perante o Universo, acabou invadido por outro celular alienígena anos luz mais eficiente!  

 

 

 

       

AMIZADE - ANTONIA MARCHESIN GONÇALVES

 



AMIZADE

ANtonia Marchesin Gonçalves

 

                Muita gente se considera uma pessoa influente e de sucesso, por ter muitos “amigos” um numero enorme de seguidores pelo Instagram e outros. Poucos entendem a profundidade dessa palavra amizade, que simboliza um sentimento que todos os seres vivos necessitam e dependem dela. Até os animais de qualquer espécie sentem a necessidade de companheiros para crescer, trabalhar, como as abelhas. Cansei de receber vídeos lindos de bichos que por natureza deveriam se inimigos mortais, convivendo como amigos inseparáveis. Até na hora de morrer, alguns se isolam como os elefantes e águias, esperando a sua hora, os outros respeitam e sabem eles que serão assim também.

                Tive um gato Simba por ser bem rajado, cinza e preto, pego recém-nascido na rua pela minha filha. Sujo e cheio de micose, que até passou para ela, foi tratado e tornou-se uma bela espécie, grande forte e corajoso, andava pela beirada da sacada da varanda sem nunca ter caído. Só que era arisco, detestava ser pego no colo, chegava a morder as pessoas, nem com a idade perdeu essa característica. Pois bem, quando estava para morrer e eu não tinha a menor idéia disso, não estava doente, passou a sondar as minhas pernas, subia no meu colo, ronronando pedindo carinho, quinze dias depois, o encontrei em sua caminha morto lindo, enroladinho com semblante em paz, parecendo até um gato de pelúcia na sua cestinha.

                Nós seres humanos, racionais a maioria, acho que alguns não são, precisam de amigos íntimos, não no sentindo de namoro e sexo, mas a necessidade de alguém para contar nas horas difíceis e também nas felizes. Minha filha caçula, por exemplo, todos os colegas ou de escola, mais tarde no trabalho, rapidinho tornavam-se seus melhores amigos. A facilidade de fazer amizade realmente conquistava essa alegria de ter amigos por mais de trinta anos, apesar de morar no Chile, ela tem contacto ainda e muitos novos lá. Mas muitos preferem certo isolamento, faz parte da característica de cada um. Eu sou uma pessoa sociável, mas tenho a necessidade de ficar sozinha nem que seja um dia, para o meu equilíbrio. Mais nova achei que tinha amigas e fui traída, não uma, mas varias, se faziam amigas e usavam a minha espontaneidade e logo a fofoca corria solta e meu nome envolvido como a geradora da confusão, até que aprendi a selecionar as amizades.

                Quantos casamentos terminaram em função dos melhores amigos, gerando a separação e tudo que nela acarreta. Por isso quando penso na palavra amizade, não tem nada que se compare com a de nossos pais e nós pais por nossos filhos, isso é o verdadeiro significado da palavra. E agora com o isolamento dessa pandemia é que sentimos o quanto nos faz falta, parentes, as reuniões, mesmo quando com pequenas alterações numas conversas inflamadas, esta fazendo falta, só quando se perde essa liberdade de convívio é que a valorizamos a “amizade”.