Tio Sam e suas Esfinges - José Vicente Jardim de Camargo


Tio Sam e suas Esfinges
José Vicente Jardim de Camargo



Falar comigo qualquer assunto relacionado aos Estados Unidos me deixa contrariado. Não importa se é sobre turismo, política, finanças, gastronomia, esportes... Me recorda os maus momentos que lá passei como vitima inocente e mal tratada.

Desembarquei no aeroporto de Los Angeles e, com todos os documentos em mãos, me dirigi à cabine da imigração que era ocupada por uma funcionária negra de porte altivo que, já de inicio, me lança um olhar de desconfiança:

- “Passport!” me diz em tom seco sem demonstrar um mínimo gesto de simpatia como se eu estivesse implorando para entrar em seu país.

Eu lhe entrego o documento, retribuindo o semblante sério:

- Yes, here it’s!

Com unhas postiças pontiagudas e pintadas de vermelho bem vivo, que me recordaram as da bruxa entregando a maçã à Branca de Neve, ela inicia com as mesmas a virar cada página de meu passaporte, me mirando de vez em quando com certo ar de desdém.

Não creio que fosse impressão ou exagero de minha parte, pois, na verdade, o que mais queria naquele momento, após um voo tão longo, era ir logo ao hotel e tomar um bom banho. Dali a algumas horas iniciaria o Congresso que era o motivo da minha viagem.

Terminada a vistoria, ela anota algo na tela do seu computador, deixa de lado meu passaporte e me aponta com a unha reluzente a direção de uma porta, que não era a da saída para pegar as bagagens, e diz:

- Go there and wait!

Tento argumentar o motivo da retenção do meu passaporte, pois, a meu ver, tudo estava em ordem já que costumava viajar freqüentemente ao exterior, principalmente a Alemanha, país de origem da empresa onde trabalhava.

Sem sucesso! Muda, a esfinge negra continuava a me apontar com o dedo alongado a porta misteriosa.

Caminho até a tal porta, fazendo questão de manter um porte altivo e adentro a uma segunda cabine onde um funcionário de traços hispânicos me revista de alto a baixo, me retém o celular e abrindo a porta oposta, me informa para aguardar ser chamado. Este tão pouco me dá atenção sobre o motivo da minha retenção.

Entro num ambiente fechado, sem janelas, desprovido de qualquer gosto, com uma mesa de um lado e cadeiras do outro lado com algumas pessoas sentadas que se comunicam entre si na maioria em espanhol.

Do teto sobressaem duas câmeras.

Sentado, volto-me ao rapaz ao meu lado:

- Há quanto tempo aguarda ser chamado?

- Quase três horas, responde. Minha noiva e seus pais vieram me buscar. Moram aqui e eu vim para me casar. Não me deixam comunicar com eles. Imagine a aflição deles sabendo que o avião já aterrissou e eu não apareço.

Vendo minha curiosidade continua:

- Há pouco, um casal retido entrou em desespero e a mulher desmaiou. O marido enfurecido chutou tanto a porta que apareceram dois policiais, o imobilizaram com violência e o levaram, assim como a desmaiada. Não sei para onde.

Aos poucos vou me integrando da situação de cada um dos presentes. A maioria veio sem passagem de volta, sem reservas de hotel, sem dinheiro suficiente e não davam informações precisas sobre pessoas ou empresas de contato nos EEUU. Tornava-se quase evidente a intenção dos mesmos de permanecerem longo período ou mesmo de fixarem residência clandestina no país.

Mas, e o meu caso? Era completamente oposto!

Passagem de volta classe executiva reservada, hotel cinco estrelas e carro de luxo idem, cartão de crédito internacional à disposição... O que será que aquela esfinge negra me aprontou?

Certamente me viu com cara de terrorista! Sabe-se que neste país existe um trauma doentio a este respeito. A menor suspeita já leva o individuo à prisão incomunicável, tortura, Guantánamo...

O pior é que não tinha como me comunicar com o escritório da minha empresa em New York, ou mesmo em São Paulo ou Berlim, já que me retiveram o celular e quando alguém aparecia era para chamar o seguinte da fila sem dar a mínima atenção às solicitações dos demais.

Pensei em fingir desmaio e assim poder desfrutar de uma maior atenção. Mas a truculência dos guardas me assustou.

-Ah! Mas na hora da minha vez, iriam ver com quem estavam falando! Ligaria ao presidente da empresa nos EEUU, que me tem consideração, lhe explicaria o ocorrido e lhe pediria para intervir a meu favor, explicar meu cargo na empresa que me enviou como seu representante no Congresso mundial sobre “Energias do Futuro”, inclusive o papel da empresa como grande investidora no mercado americano.

- Sim, quem ri por último ri melhor!

Já estava sentindo a perda da palestra de abertura do Congresso, que, como de praxe, é a mais interessante, quando meu nome é chamado.

Atordoado pelo fuso horário, faminto, apreensivo pelo o que me poderia acontecer, me deixo conduzir a uma sala adjacente:

- Grande Surpresa! Em pé, ao lado de um policial sentado, que pelo número de listas e estrelas em seu uniforme, deduz-se que é de um grau superior, está ela - a esfinge negra!

O oficial, tendo meu passaporte e celular em mãos, me os entrega:

- “A demora foi necessária pelos contatos que tivemos de fazer com nosso consulado em São Paulo onde seu visto de entrada foi expedido. A suspeita de irregularidade no seu passaporte foi observada por nossa funcionária. Uma das páginas tem uma pequena rasura na parte superior junto ao número impresso. Sugiro que quando retorne ao seu país, retire outro passaporte para evitar novos problemas”.

Levanto meio aliviado, mas bastante frustrado. Nenhuma palavra de desculpa; de “sinto muito” pelo transtorno causado; pelo cansaço acumulado de tirar a vontade de comparecer ao Congresso; pela perda do tempo importante.

Certamente a esfinge recebera cumprimentos pela atenção observada, pelo “um milímetro” de rasura que, com certeza, lá já estava há muito tempo e que por tantos postos de imigrações em diferentes países passara.

Minha frustração era ainda maior por que não conseguira “rir por último”, telefonar com o presidente americano da empresa para que ele desse uma repreensão pelo tratamento a mim dispensado.

No final dos três dias de Congresso, ainda com um resto de frustração incontida no íntimo, tenho uma pequena recompensa ao ser solicitado pela direção do evento a participar do grupo que iria escolher a cidade organizadora do próximo Congresso dali a dois anos.

Alguns delegados sugeriram outra cidade americana, a qual me opus veementemente e, com o apoio que consegui obter dos hermanos sul americanos, Rio de janeiro foi a cidade escolhida.

Chega de síndromes de pânico, de bombas e atentados terroristas!

Que venha o colorido dos trópicos, o calor humano dos cariocas e, se a organização tiver lá suas falhas, esta será suprida pelo contagiante rebolado do samba na proteção do Cristo Redentor.



A Cartomante - Vera Lambiasi



A Cartomante                                          
Vera Lambiasi

As moças passavam as férias em Santos, quando souberam de uma cartomante, lá para os lados da Biquinha.

Saíram bem cedo, numa quarta-feira, escondidas de suas mães. Fingindo ir à praia do Gonzaga, esgueiraram-se para o ponto do ônibus, a fim de tomar o circular até São Vicente.

Camila, a mais nova, preocupava-se :

    E se formos seguidas pela Dita? Ela está desconfiada. Perguntou porque vestíamos shorts por cima do biquíni.

    Ah, Camila, ela tem mais o que fazer. Arrumar a casa, preparar o almoço, perguntou por perguntar.

Respondeu a prima arrojada, que havia inventado o passeio.

Pegaram a condução, as 5 adolescentes, sempre olhando para trás, desconfiadas.
Chegando perto da Ponte Pênsil, desembarcaram, e seguiram a pé, procurando pelo endereço rabiscado.

Bateram palmas, na casinha colorida, e foram atendidas por Madame Margot:
    Vão entrando, garotas, desvendarei todos os mistérios de suas vidas.
Assustadas, foram empurrando umas as outras:

    Quanto custa a consulta, senhora?

Tinhosa, foi encaminhando as medrosas para a sala de espera.

Era um puxadinho atrás da cozinha, chão de lajotas com cadeiras enferrujadas.
    Não se preocupem com o pagamento, vamos às cartas, e depois me dão um tantinho.

Chamou logo Camila:

    Venha, menina linda, vamos ver quem será seu primeiro namorado.
Camila entrou tremendo, surpresa em saber que Madame Margot adivinhava seus pensamentos.

Na minúscula sala, coberta de véus desbotados, jazia uma pequena mesa, dois banquinhos, e o baralho divinatório.

Madame Margot manuseava com vigor as gastas cartas, de olhos fechados, parecia tomada por espíritos.

E começou a ler:

    Um rapaz moreno está interessado em você.

Com a cara de decepção de Camila, continuava:

    Mas não será este o seu amor, e sim um homem claro, alto, muito bonito.

Continuou assim, adivinhando os anseios das inexperientes veranistas. Uma por uma.

Ganhou uma bolada, deixando as meninas só com o dinheiro do ônibus.
Voltaram atiçadas para casa, já na hora do almoço.

Não conseguiam abafar o entusiasmo, e Dita acabou escutando:

    Hoje a noite, na sorveteria, vamos testar os meninos. Se Madame Margot estiver certa, amanhã estaremos todas comprometidas.

Dita conhecia bem a charlatã, e seus métodos. Esperava há anos o príncipe encantado prometido por ela, que levou seu salário de um mês.

    Mas essa malandra não vai mesmo judiar das minhas princesas.

Chamou a patroa, contou toda a epopeia, que proibiu as filhas e sobrinhas de saírem naquela noite.

    Estão todas de castigo! E se desobedecerem não irão mais nem à praia!

O entusiasmo foi minguando, envergonhadas por terem sido enganadas, já nem tocavam no assunto. Desistiram de atacar os pretendentes.

Alguns anos mais tarde, Camila teve o seu primeiro namorado.

E era um rapaz moreno.






A Cartomante Interrompida - José Vicente Jardim de Camargo

 

A Cartomante Interrompida
José Vicente Jardim de Camargo  


A bola de cristal sobre a toalha azul de estrelas e luas cintilantes,  brilha na penumbra do ambiente.
Em frente a ela, a mulher de turbante e olhos negros suspira fundo, e exclama com voz rouca:

- Plutão encontra Saturno no anel de Júpiter! Entre nevoas vejo algo que se debate no meio de uma tormenta.

- Está em perigo? Interrompe ansiosa a outra mulher sentada ao seu lado e de olhos fixos na bola.
- Mais que isso! A morte espreita por entre as águas, emenda a cartomante.

A outra gagueja: 

- Homem ou mulher? Jovem ou velho?

- Não é humano! Tem pelos, focinho e rabo...

- Cristo do céu, é o diabo! Interrompe novamente a outra.

- Não! Tem quatro patas e orelhas pequenas...

- Ah! Então é o meu gatinho PinPon. Falei tanto para ele não se aproximar da piscina. E, num gesto rápido se levanta e deixa a sala gritando:

- Vou rápido para casa! Talvez consiga salvá-lo.

A cartomante contrariada grita em vão:

- Espere! Não terminei de interpretar minha visão. Ao lado da figura estranha de rabo, aparece também uma mulher se afogando...


JEAN – SUPOSTO TERRORISTA - Oswaldo Romano


JEAN – SUPOSTO TERRORISTA
Oswaldo Romano
                        
Era uma família cheia de esperança. O pai, a mulher e um casal de filhos.

Moravam em São Paulo quando foram, a pedido da empresa em que trabalhava,  transferidos para Londres.

As roupas que usavam ainda eram as daqui. O frio de Londres exigia vestimenta apropriada. Eles seguiam com o que tinham.

Explorando a cidade, Jean ao deixar  a estação do metrô, encolheu-se todo diante do vento gelado, levantou a gola do surrado casaco, e vestiu seu gorro passa montanha, comprado no Chile. Caminhava apressado em direção oposta ao de uns policiais que ali montavam guarda.

Eram da Scotland Yard que de atalaia procuravam o terrorista Hussain Osman.

Pela falta de alguns documentos da imigração, Jean sempre que possível evitava a polícia.

Atentos, os militares viram em Jean pelo seu comportamento, o próprio terrorista, o bandido que explodiria o metrô.


Deram o alerta de “stop”- pare, pare, gritou um policial! Repetiu  o chamado diversas vezes. Jean, fazendo-se de surdo, estremeceu, mas continuou sua apressada marcha. Os policiais agora não tinham dúvidas. Estava justificado, era ele mesmo. Todos os detalhes batiam. Sacaram suas armas e atiraram para matar. Jean apenas gemeu e deu seu último suspiro. Morreu por tão pouco... Jamais imaginaria que alguns documentos tiraria sua vida.

DOCE INGENUIDADE URBANA - M. Luiza de C.Malina

 


DOCE INGENUIDADE URBANA      
M. Luiza de C.Malina

As férias, inevitavelmente, são recheadas de saborosas aventuras.

A menina Rachel, em seus cinco anos esbugalhava os grãos de milho com as mãozinhas, jogando-os às galinhas,  e quirera aos pintinhos.

Num dado momento, já sem quirera, observa o esforço dos pintinhos a piar. Estes vinham a sua frente piando e piando.

- Piu...piu...

Intrigada na inocente observação, ela pergunta ao tio Nenen se o pinto pia pela bunda.

- Tio Nenen, o pinto pia pela bunda?

A gargalhada foi geral. Uma vez que, na fazendola, ninguém havia se dado conta de tal fato.


A PRIMEIRA VEZ DAS MENINAS - Carlos Cedano



A PRIMEIRA VEZ DAS MENINAS
Carlos Cedano

Leonor e Roberto ficaram exultantes quando receberam a noticia que a agencia deles tinha sido selecionada para um concurso de jovens talentos. Participariam 10 países e os desfiles a serem realizados nas cidades de Londres, Roma e Paris sucessivamente.

Os patrocinadores representavam uma grande grife europeia e tinha como exigência que nenhuma das modelos se tivesse apresentado antes em evento profissional, em contrapartida a agencia receberia as passagens, as diárias e verba para cobrir despesas diretas e, além disso, a vencedora receberia como premio um montante considerável de dinheiro. É uma fortuna mesmo falou Roberto! Vamos caprichar, vamos arrebentar! Concluiu com um enorme sorriso e transpirando autoconfiança.

Respiraram fundo recuperando-se da emoção, nossa agencia de modelos tem apenas um ano de vida e já temos participação num evento internacional! - disse Leonor. Pois é - concordou Roberto - e teremos muito trabalho e pouco tempo para preparar toda a viagem!

As quinze meninas do elenco tinham trabalhado intensamente. E Leonor, que tinha sido modelo, era quem as treinava. Roberto, além de ser arquiteto era administrador e  tinha trabalhado com Leonor em outra agencia durante quatro anos quando decidiram arriscar criando a deles, parecia ter sido uma boa decisão.

A primeira reunião foi com o estilista Ramón e com Rufino o maquiador, explicaram o motivo da conversa que, à medida que avançava foi tornando-se num “tsunami” de criatividade, e não poucas vezes “viajando na maionese”, Leonor teve que intervir em varias ocasiões para fazê-los “voltar” à realidade.

Uma das reuniões mais tensas e cansativas foi com as mães. Neste aspecto a experiência de Leonor foi decisiva, com calma e paciência respondeu a todas as indagações feitas pelas atribuladas e incisivas mães. Como a principal preocupação delas era a segurança, física e moral das meninas, Leonor propôs que três mães acompanhassem a delegação o que elas aceitaram. Como foi a reunião? Foi um “páreo duro”! Respondeu Leonor para seu sócio.

Entretanto outra tarefa mais dura seria preparar as meninas para um evento ainda desconhecido pra garotas. Foi novamente Leonor que assumiu essa tarefa.

Na primeira reunião as meninas escutaram com atenção os detalhes das apresentações, as reuniões seguintes foram feitas com o emprego de recursos de comunicação tais como slides e tapes, para conhecer os lugares dos desfiles e ver suas modelos favoritas desfilando: Essa aí é a Heidi Klum! Disse uma das meninas. Muito magra e não tem bum-bum! - disse outra provocando uma risada geral. Logo apareceu Gisele e foram à loucura: Que classe! Que Charme! Eram os comentários mais ouvidos. Ela tem o carisma contagiante e sedutor que caracteriza as modelos Top - completou Leonor.

Nos dois meses seguintes o ritmo de trabalho se intensificou, as meninas acordavam cedo e ensaiavam três ou quatro horas diárias com muita preocupação nos detalhes. À tarde tinham aulas para melhorar o inglês.

Às noites as garotas aproveitavam para escrever ou ligar para parentes e namorados, ou bater papo descompromissado entre elas. Neste período surgiam as crises causadas pela insegurança própria delas ou falta de ligações dos namorados ou dos pais. Expressões como acho que ele não gosta mais de mim! Ou vai ver que está com outra! Eram comuns. As colegas tratavam de consola-las e quando a situação não podia ser contornada a solução era: deixa pra lá! Amanhã a Leonor resolve.

Passaram-se os últimos dois meses. Na véspera da viagem era impressionante a quantidade de malas, pacotes e baús que nesse mesmo dia foram enviados para o aeroporto em quatro vans.

A primeira apresentação aconteceria dois dias após a chegada perante um júri composto de personalidades de reconhecido conhecimento e experiência para julgar o talento das modelos e avaliar a qualidade do design das roupas, o resto da plateia era composto por pessoas especialmente convidadas.

Nos momentos que antecederam as apresentações nos dez camarins era tudo igual: gritaria, reclamações, presa, nervosismo, correria e muito choro também, ninguém de fora poderia imaginar que dessa “baderna” sairia alguma coisa boa.

Quando as meninas pisaram na passarela botaram pra quebrar. Nas suas roupas maravilhosas o ambiente se “iluminou” e no auge do desfile “apareceu a diferença brasileira” plasmado no rebolar bonito e sutil de seus corpos que criou um clima no qual o público sentia-se flutuando numa nuvem de aromas tropicais. A surpresa e admiração apareciam no rosto dos assistentes e do próprio júri.  Arrasamos! -  disse Leonor que estava junto às mães que choravam discretamente de emoção e alegria. Num outro canto, Ramón e Rufino choravam abraçados sem muita discrição.

Foi assim em Roma e Paris, foi na mesma cidade-luz que se anunciou o resultado final, o coordenador dos três eventos comunicou ao público e à imprensa que os três juris foram unanimes em declarar Brasil como ganhador em todos os desfiles e, por isso,  fazia jus ao premio prometido.

Essa mesma noite Leonor falou com Roberto e deu-lhe a boa noticia. É verdade? Perguntou várias vezes sem saber se estava. Depois o grupo foi jantar num dos melhores restaurantes da cidade, era a primeira vez das meninas. Nunca tinham estado num lugar tão chique.

Como premio o grupo ganhou três dias em Paris e uma semana de férias na Côte d’Azur também com tudo pago pela agencia. Roberto autorizou - contou Leonor.

Na volta, todos já com muita saudade, foram recebidos com alegria por parentes e amigos. A imprensa que tinha muitas perguntas a fazer, estava surpresa com o enorme sucesso do grupo que foi amplamente divulgado pela imprensa europeia e quase nada pela nacional. Aos poucos as pessoas do grupo se dispersaram marcando a volta ao serviço na segunda feira.


Leonor fez um esforço e foi até o escritório junto com Roberto. Senta Leonor - disse ele - você parece muito cansada! Sim respondeu ela, mais pelo seu olhar e sorriso parece que você tem alguma novidade? Sim, os patrocinadores nos querem como representantes exclusivos na seleção de modelos brasileiras e contratar já algumas das meninas do grupo. Que bom Roberto! 

ÍTALA -UM ESTILO DE VIDA - M.Luiza de C.Malina


ÍTALA -UM ESTILO DE VIDA                               
M.Luiza de C.Malina

A professora Ítala, era aquele grande nome que nunca se esquece. Seu estilo de vida, normal, mas confortável provocava certas cobiças. Convicta em seus princípios resguardava-se em sua virgindade.

Uma alegre viajante. Empregava seu dinheiro conhecendo o mundo.

Compra um “tour” pelo sul do Brasil de ônibus, junto ao grupo de aposentados como ela. Sempre muito cuidadosa, chega a tempo para escolher o assento que melhor lhe convém.

A grande maioria era de mulheres viúvas, bem posicionadas na vida, falantes à procura de um parceiro. Sentam-se só na poltrona à espera que alguém interessante a escolham. O buxixo, a faz sentar-se um pouco mais atrás. Iria ler um bom livro. Neste meio de tempo, outros passageiros chegam.

Este um, era um senhor muito bem apanhado. Os lugares na maioria já estão completos. Observa os vazios e as futuras companheiras de viagem, quando é interrompido por uma que lhe diz, retirando a bolsa do assento:

- Bom dia! Seja bem vindo, pode sentar-se aqui, o lugar está vago.

Ele a cumprimenta com um sorriso e segue adiante, observando a retirada de bolsas das demais. Observa Ítala, que faz de conta que está concentrada em seu livro.

- Com licença, o lugar está vago?

- Sim. Por favor, sente-se.

- Obrigado. Prometo não lhe importunar na viagem. Também gosto de ler um bom livro.

- Ah! Que bom. Aprecio histórias leves.

- Temas românticos, você quer dizer. A propósito, não nos apresentamos. Sou Frederico Santos, resido em Vitória, Espírito Santo. Cheguei ontem para fazer este tour, que apenas a cidade de São Paulo oferece. Somos carentes de empresas de turismo em Vitória.

- Olhe só! Muito prazer. Ítala Marques, ou melhor, a vida inteira fui chamada por “professora Ítala”. Estou aposentada. Pode tratar-me apenas por Ítala.

Uma grande amizade neste momento foi concretizada com o aperto de mãos, e a observação de Frederico:

- Muito bem, já que nos apresentamos Ítala, por favor, não me leve a mal, mas acredito que você não deve estar lendo um livro de cabeça para baixo.

- UHH! Que descuido! Responde Ítala enrubescida, o que não passou despercebido por Frederico, que sorri exclamando, dando-lhe um leve cutucão de ombros:

- Ítala, Ítala! Acredito que temos muitas coisas em comum.

Ela pensa preocupada que, cada um que fique no seu quarto que, não o compartilha nem com as amigas, a privacidade é sagrada. Ah! Meu Deus!

O casal, nunca mais se separou. Frederico, 10 anos mais jovem, casa-se com Ítala. Ela se tornara a grande confidente e orientadora dos três enteados. Justa e honesta faleceu 15 anos após Frederico, seu único amor.

Em vida, repetia aos amigos que o dividia apenas com uma foto da finada Alice que, aliás, continuava enfeitando a mesa do escritório de Frederico.

Apenas no escritório, mas quando eu o utilizava, virava a foto da finadinha para a parede e então eu encontrava a liberdade de escrever.

TERRORISTA? - Mario Augusto Machado Pinto

 

TERRORISTA?
Mario Augusto Machado Pinto

11 de agosto!!!

Dia de comemorações na Faculdade de Direito da USP. Nessa data, em 1.827, foram criados os Cursos de Direito em São Paulo e Olinda. Neste dia, na “velha, mas sempre nova academia” o clima é de festa e preparativos para o célebre “pindura” quando os estudantes se divertem, comem do bom e do melhor e não pagam. Essa tradição termina com declamações e cantos homenageando o responsável pelo estabelecimento. Após despedidas bem humoradas os estudantes continuam a comemoração em outro lugar e assim passam a noite toda.

No Largo de São Francisco no meio do som estridente da tradicional bandinha e do barulho de centenas de pessoas, consegui ouvir alguém me chamar pelo apelido: kraó, kraó! Aqui na entrada! Era o Geraldo, amigão, companheiro de turma e de lutas. Empurrei gente pra todo lado. Fui empurrado por alguém que, com voz de comando gritou entra no carro! Rápido! Rápido, vai, vai!  Em segundos me vi no banco de trás de um carro entre dois soldados mal encarados.

-Pisa, toca pra casona. Não para. E você não abre a boca senão leva porrada da boa! Não se meta a bacana!

Nervos à flor da pele. Eu olhava as construções, as placas das ruas, de modo que sabia onde estava. No meu tempo de presidente de Centro Acadêmico, “Ir pra casona” significava ir pra sede do DOPS, famoso de temível e terrível.  Não senti medo. Afinal, sou advogado e lá há advogados, pelo menos o Delegado de plantão.

Aos empurrões me tiraram do carro e me levaram para uma sala sem janelas, iluminada por lâmpada que provocava penumbra no ambiente; uma pequena mesa e duas cadeiras, fedida como ela só.

Então, quem temos aqui? O famoso Lordecá? É, é você! Diga, o que vai ser hoje? Qual a atividade à noite? Ônibus queimado? Bancos assaltados? Cara, hoje vou fazer você cantar e dançar. É que você não é original nem...

Cortei a fala do Delegado dizendo:

- Sou advogado, seu colega, hoje é 11 de agosto, dia do “pindura”! Fui pro Largo ver...

-Larga essa! Advogado porra nenhuma!

-Posso provar com minha carteira da Ordem.

-Isso é muito fácil. Hoje se falsifica qualquer coisa, cara! Até a mãe! É, a mãe! com a barriga de aluguel!! Cala a boca. Ninguém mandou você sentar. Levanta!

Dizendo isso, me deu um empurrão esbravejando “Puto, puto! De merda”. Riu quando quase caí; tirou os óculos escuros; de imediato reconheci o “colega”:

-Nicolau, ô Nicolau, fomos colegas de banco e contemporâneos na Faculdade. Não me reconhece? Sou o Kraó! Kraó, de Nazaré. Lembra? Eu te passava “cola” nos exames! Fiz a tua prova de CLT do Cesarino! Você foi chefe da Delegacia de Estrangeiros. Assisti à tua posse! Quando veio parar aqui?

Contestou dizendo ”que nada Cara, cala a boca. Vamos dar uma geral...Anda, sai e não abre mais a boca!

Saímos. Prosseguimos pelos corredores sombrios, quase escuros, escorregadios, com cheiro esquisito, paredes pintadas de bordô a meia altura e de branco até o teto. Havia sons assemelhados a soluços, gemidos e gritos de dor...

-Tá escutando o rumor? São teus colegas “cantando”. O cheiro, reconhece? É de sangue, urina, fezes, vômito e não sei mais o que que sai das entranhas dessa  turma. Não para, segue em frente!


- Seu santinho do pau oco, terrorista de merda, desgraçado sem coragem que ataca escondido e mata sem dó nem piedade. Não vamos ter dó nem piedade de você, mas você vai cantar O sole mio, e vai tocar “piano”. Ah, isso vai: nós ensinamos!   

O Nica, o operador da máquina e alguns assistentes riam-se de gargalhar.

Acenderam as luzes e me empurraram para perto de um piano verdadeiro, mas diferente: tinha teclas metálicas.

-Toca as teclas 1, 2, 3 e a 4. Estão numeradas. Vamos toca!

Obedeci e toquei as teclas: inicialmente só emitiam som, mas de vez em quando uma dava um choquinho que foi aumentando cada vez mais, ficando forte, intenso e eles solfejando. Perdia o folego, requebrava e tirava os dedos de cima das teclas e eles gritavam Não, nanão, nanão. Bota no mesmo lugar! Anda! E gargalhavam. Fui estapeado, socado, cuspido por não sei quanta gente. Repetição. Repetição. Repetição até que comecei a cantar “O sole mio.... O sole mio...”


-Para com essa porra. Dá um banho de gato nele e leva o cara pra minha sala.
Foi o que fizeram: não me deixaram andar, me arrastavam e deram o tal banho de gato. Deram e me levaram.

-Entra, senta! Que tal? Tá vendo esses três gaveteiros?  Você vai ter que escolher um deles: o da direita tem pastas de alguns dos seus colegas; o do meio tem pastas de gente a ser investigada, como você; o da esquerda tem pastas de gente que já foi investigada, passou por aqui e escolheu mudar de vida, mas continuam em observação. Decide rápido, rápido que não tenho tempo a perder!

Fiquei olhando pro Nica e não acreditava que era o Nica, meu colega da Faculdade. Era...

-Bom, vou ajudar você: vou colocar sua pasta no gaveteiro da esquerda. Pronto! Legal! Kraó, não leva a mal, mas estou fazendo meu trabalho... e agora vai embora! Miranda!, põe esse cara pra fora daqui!

Fui puxado e empurrado, colocado num táxi:

-Leva esse cara e não cobra a corrida. Cortesia da casa. Não volte aqui!  Ai você morre! Tchau, seu puto de merda.

Ainda deu para ouvir:
Pega o retrato do velho
Bota no mesmo lugar...

Durante um tempo procurei pelo Geraldo; soube que ficou no caminho, só que ninguém sabe qual.

Lamento até hoje. É ferida que não para de sangrar.
Que pena!

Geraldo! Ele se foi! Nós continuamos aqui! Vamos fazer!



Tempos difíceis - Fernando Braga



Tempos difíceis
Fernando Braga

Não vou me esquecer do dia 29 de junho de 1968 quando recebi o telefonema aflito de meu companheiro de trabalho:  por favor, você ou alguém tem que me substituir hoje, pois estou com um problema muito sério.

-É problema de saúde? Indaguei.

- Minha mãe, acabou de contatar-me, dizendo que policiais foram à minha casa e levaram algemado meu pai para a delegacia. Disseram que ele apenas iria esclarecer algumas dúvidas. Meu pai é um homem pacato, que nunca se meteu em encrencas! Estamos muito preocupados. Por favor, me quebre este galho – explicou aflito.

- Claro, pode ficar sossegado. Avise-nos da evolução.

Uma semana depois Claudio apareceu ao serviço. Estava transtornado, dizendo que não haviam mais tido notícias de seu pai. Tinham procurado em todas as delegacias. Contrataram advogados, contataram alguns políticos, mas nenhuma notícia. Sua mãe estava desesperada não se alimentava mais. Pedia que continuássemos lhe dando cobertura no trabalho.

Todos, ficamos realmente assustados. Pela primeira vez, tomávamos conhecimento do que poderia ser um regime férreo.

Exatamente no dia 8 de julho, no período da tarde, Claudio nos contou que seu pai finalmente, apareceu em casa. Sujo,  barbudo, mancando da perna direita, com vários ferimentos contusos, hematomas, revoltado, mas ao mesmo tempo extremamente feliz.

-Um dia antes de me prenderem -    contou-lhes o pai -  dei carona para um rapaz, que apressado, me abordou em um semáforo da avenida São João, perguntando se eu ia em direção ao largo Sta Cecilia, pois sua mulher havia sido levada às pressas para o hospital. Pedi que subisse no carro, e após dez minutos, o deixava na porta do Hospital. Praticamente não conversamos. Reparei apenas que tinha o rosto redondo e era baixo de estatura. Um transeunte próximo, viu a agitação do rapaz ao me abordar e anotou o número da placa do meu carro, pensando que ele estivesse me sequestrando e, comunicou à polícia. A polícia, que procurava por um terrorista, naquela área, julgou que eu o havia recolhido e fosse cúmplice. Após localizar o endereço de meu carro, veio buscar-me. Levaram-me para o DEOPS e lá permaneci até hoje, incomunicável. Não acreditavam quando lhes dizia, que apenas havia dado carona para o rapaz, que não o conhecia. Eram quatro a me investigar todos os dias e diziam que era melhor eu confessar logo, se não iria sofrer muito. Bateram-me, me fizeram passar sede e fome, analisaram detalhadamente toda minha vida. Até que afinal conseguiram comprovar a verdade que referi. No final, pediram-se desculpas e me contaram que eu havia dado carona, para um dos mais procurados bandidos, o Marquito, com cognome de Pedrinho, que graças a mim, conseguira mais uma vez escafeder-se. Ele era parceiro do tal de Marighella, baiano, que havia sido deputado federal pelo partido comunista e que agora era considerado o inimigo público número 1.


Meu pai contou muitos outros detalhes de sua estadia sofrida, nas dependências do DEOPS, e pensativo concluía, que desta vez, se não tivesse conseguido provar que não era elefante, teria certamente perdido a parada.