MEU AMIGO PAPAI NOEL - CONTO DE NATAL

MEU AMIGO PAPAI NOEL
CONTO DE NATAL


Passeava na floresta curtindo meu hobby favorito, fotografar aves e gravação de seus cantos. Era a primeira vez que levava meu novo equipamento completo e estava emocionado. Como cheguei bem cedo consegui capturar imagens de muitas espécies e gravar alguns sons e o balanço da jornada me deixava muito feliz, meus amigos ornitólogos como eu, gostariam muito!

Quase no fim da tarde me deparo com uma cena curiosa e inaudita, não acreditava no que via! Um senhor sem calça, de camisa vermelha com mangas compridas e com uma longa barba muito branca, transpirava intensamente e parecia acometido por algum mal. Quando me viu, e percebendo minha cara de espanto disse:

        ― Pois é meu filho, sou eu mesmo Papai Noel! Acho que a água que tomei no riacho da parada anterior me fez muito mal, vomitei todo o alimento e agora sou puro líquido por cima e por baixo e não sei que fazer! Por isso tive que fazer este pouso de emergência!

Ainda incrédulo me aproximei do velhinho e perguntei:

E cadê as renas e o trenó? 

Você não esta acreditando em mim, não é? Vá uns vinte metros por esse lado e você verá! Tinha que protegê-las do sol e dos animais ferozes - me disse apontando a direção a seguir.


Nesse momento o velho senhor esboçou um espasmo estomacal e se retorceu, foi quando percebi que a situação podia ser grave. Peguei minha caixinha de primeiros socorros:

        ― Na minha profissão nós temos remédios adequados quando saímos de viagem de exploração na floresta. Vejamos o que temos por aqui para o mal do senhor. Ah sim! - disse em voz alta - tenho remédio para a dor, para o enjoo e até para combater alguma infecção estomacal se for o caso...

        ― Tá parecendo vendedor de remédio! Vai logo cara e não enrola! Falou nosso amigo natalino com seu rosto de sofrimento.

Felizmente os medicamentos foram eficazes, uma hora depois Papai Noel estava quase em forma, sem dor e sem enjoo, mas estava fortemente desidratado, fui procurar água num riacho próximo e quando voltei o Papai Noel quase gritando me disse:

        ― Você vai me dar água outra vez? Vai ver que está contaminada também!

        ― De jeito nenhum! Dissolvi dois comprimidos que a torna totalmente potável, pura e sem perigo, você tem que bebê-la aos poucos, este cantil é grande e será suficiente até o fim de sua viagem, também vai levar um conjunto extra de remédios, nunca se sabe!

Comecei ajudá-lo a se vestir, sua barriga fazia jus à lenda, era volumosa e natural. Vesti-lo até que foi fácil, mas o que deu mais trabalho foi calçar as botas, nunca vi pés tão grandes “entrarem” em botas tão pequenas! Seu ar sisudo até esse momento foi desaparecendo e aos poucos, mostrava seu lado bonachão e alegre.

        ― O que mais me preocupava – disse o Papai Noel - era não poder entregar os presentes das crianças que moram nos Andes, tenho somente até meia noite para entrega-los, mas graças a você esses meninos terão uma noite muito feliz!

Antes de partir me abraçou fortemente, foi o momento que mais me emocionou e minhas lágrimas brotaram. Ele me olhou e soltou seu famoso 

Ho! Ho! Ho! 


Já subindo no trenó com as renas em posição de partida me perguntou:

        ― Qual é seu nome?

        ― Marcos. - respondi.

        ― Não conte pra ninguém a história que vivemos hoje, guarda-a em seu coração que eu também me lembrarei de você com muito carinho. Adeus Marcos!

Acenei pra ele enquanto as renas saiam em disparada perdendo-se no céu em poucos instantes! 



Voltei pensativo pra o acampamento, já estava bastante escuro: Pensei, ele tem razão, ninguém vai acreditar, só vão achar que é um sonho de natal que estou contando!


FIM




Autor: Carlos Cedano



São Paulo, 15/12/2015

FESTA DE ENCERRAMENTO 2015 - FOTOS

Nossa festa de encerramento do ano foi inesquecível, emocionante e gratificante.

Obrigada pela participação, 
pelo carinho, 
e pela amizade.

Em 2016 seremos mais EscreViver do que nunca!

Abaixo apenas algumas fotos, e ainda virão muitas outras que Luiz Guilherme fez. Aguardem. 






















FELIZ NATAL E UM ANO NOVO, NOVO E MUITO MAIS FELIZ!
Ana Maria

A Frágil Fé de Berenice - CONTO DE NATAL

A Frágil Fé de Berenice
CONTO DE NATAL



O Natal estava chegando e as famílias já se preparavam para a festividade. As luzes da cidade já piscavam e os pinheiros se acenderam clareando a luz que somente no Natal se vê.

Na casa dos Moraes, dona Berenice fazia a costumeira novena e pedia um Natal de paz e harmonia. Era católica e tinha muita vontade de ver Jesus, mas sabia que por ser uma simples mortal não poderia estar com Ele simplesmente porque  desejava. Haveria de merecê-Lo!

Já era noite de Natal. Uma luz amarela faiscou diante de Berenice e de dentro do facho de luz um anjo lhe disse que Jesus a visitaria naquela noite.      

— Esta noite o Senhor Jesus visitará a tua casa!

Dona Berenice nem acreditava. Mas, vindo de um anjo era para ser verdade. Ficou exultante. Imediatamente pensou que haveria de preparar a casa para tão ilustre visita, haveria de preparar uma ceia especial, abrir vinhos raros e oferecer boas entradas.

De pronto começou a temperar carnes, cozinhar legumes e assar aves. Separou os melhores vinhos de sua adega, quando ouviu tocar a campainha:

— Meu Deus, será que é Jesus? Se for, ainda não estão prontos os assados, e o jantar ainda não está pronto para recebê-Lo!

Ao abrir a porta deparou-se com um velho maltrapilho, de corpo arqueado e voz trêmula, que disse:


— Por Jesus, tenho muita fome! Há dias não como nada. Sinto que não passarei desta noite, preciso de um prato de qualquer comida...

Mas, Berenice nem o ouvia, atarantada com tudo que ainda tinha por fazer, e nem mesmo o esperou que terminasse e foi logo dizendo:

— Agora não posso. Eu realmente estou muito ocupada, de modo que não posso ajudá-lo agora. Mas volte amanhã que te darei um bom prato. – E fechou a porta antes que o velho argumentasse em seu favor.

A mulher afobada voltou aos seus afazeres, agora mais ofegante com muita coisa ainda por terminar. Abriu dois vinhos para respirar, limpou os cristais, ordenou a louça inglesa na mesa sobre a toalha de linho que comprou para ocasiões extremamente especiais. Olhou para o relógio, quando de repente a campainha tocou, e ela eufórica correu para a porta.


— Minha Nossa Senhora, será que é Jesus? Se for ainda é muito cedo, e tenho que terminar a salada, preparar os pães que serão servidos na entrada, e tirar os assados do forno...

Mas, quando abre a porta se depara com um homem gordo que pede ajuda:

— Em nome de Jesus, Nosso Senhor,  lhe peço socorro. Não quero dinheiro nem comida, preciso usar um telefone para chamar uma ambulância que leve minha mulher para a maternidade. Ela vai parir...

Mas, Berenice nem ouvia o que homem  dizia,  nem esperou que terminasse a fala, e foi logo dizendo:

— Me desculpe não poder ajudá-lo. É que estou muito ocupada, e estou tão atrasada com meus afazeres. Use o telefone público da praça ali em frente. – Disse apontando a praça diante de sua casa, e fechou a porta. O homem ainda insistiu tocando a campainha outras vezes, mas ela não voltou para atendê-lo.

Corria de um lado para outro, uma barata tonta, limpando a prataria, organizando as flores, dobrando guardanapos. E vez ou outra olhava para o relógio.

Já passava das dez da noite quando novamente a campainha tocou.
Berenice  ficou eufórica:

— É Ele! - Tirou o avental, ajeitou os cabelos, retocou o batom e botou um sorriso nos lábios antes de abrir a porta. Quando, decepcionada, deparou-se com um menino de rua, todo sujo de lama, roupas esfarrapadas, pedindo comida. Ela ficou furiosa:

— Mas, o que é isso?! Vocês combinaram de me azucrinar a vida justamente na noite de hoje? Estou ocupadíssima preparando a casa para uma visita muitíssimo especial e não posso atender você, garoto. Volte amanhã que haverá muita sobra de comida.


— Ah, e saia do meu portão, você está sujando a entrada de minha casa com esses pés enlameados! - Disse e fechou a porta. 

A mulher abriu as latas de caviar e pediu que a família se sentasse para esperá-Lo. As horas foram passando depressa e logo as crianças bocejavam. Januário bocejava. E até Berenice bocejava. Os pequenos já estavam beliscando uma coisinha aqui e outra ali. Até que os ponteiros marcavam meia noite,  e Jesus ainda não tinha vindo. Berenice autorizou que as crianças jantassem e se recolhessem, mas ela e o esposo ficariam esperando.

— É claro que Ele não viria para visitar apenas nossa casa. Está visitando outras famílias. Deve estar testando nossa paciência. Vamos esperá-Lo.

Horas mais tarde o casal já tinha devorado o caviar e tomado o vinho, acabado com a salada, e não havendo mais condições de esperar, sentaram e comeram.

Ela ficou emburrada e não quis falar no assunto. Apenas resmungava enfurecida. Ele a chamava de maluca, pois ele mesmo não tinha acreditado que Jesus os visitaria.

Ela se enfureceu e gritou que era verdade. Afinal os anjos não mentem.

Ele retrucou:

— Não, os anjos não mentem. Mas,  se não mentem por que Jesus não veio? Acho que deve ter sido coisa da sua cabeça, Berê...

Ela se sentiu insultada.

Brigaram. E foram dormir em quartos separados.

A noite de Natal não estava sendo nada boa! – pensou a mulher.

Berenice chorou embaixo dos lençóis. Ela não O merecia, senão Ele teria vindo. Tanta fé. Tanta crença. Tantas orações. E Ele não reconhece. A mulher chorou tanto e por tanto tempo que adormeceu.

Uma luz amarela faiscou no sonho de Berenice e de dentro do facho de luz um anjo lhe disse:

— Se desejava tanto vê-Lo, por que não recebeu Jesus?

Ela respondeu que cansou de esperar, já passava das duas da manhã, e Ele ainda não tinha chegado. Ela estava frustrada, e não acreditava mais no anjo.

E anjo disse:

— Mas, Jesus veio sim! Ele esteve aqui várias vezes, mas a senhora não o recebeu.

— Como assim?!

— Ele veio como idoso maltrapilho pedindo comida, e a senhora estava muito ocupada para oferecer-lhe um prato. Depois Ele voltou como um gordo e desesperado marido precisando usar seu telefone para chamar uma ambulância, e a Ele a senhora recomendou que usasse o telefone público da praça, pois estava muito ocupada para ajudá-Lo. Mais tarde Ele voltou como um pobre garoto de rua, e a senhora o mandou embora, pois estava Ele sujando a calçada.

— Senhor, me perdoe!

— Jesus está em qualquer lugar, em qualquer pessoa ou animal, minha filha.

Berenice acordou assustada. Percebeu que havia cometido erros lamentáveis. Chorou muito.

Como pudera ela não reconhecer Jesus naquelas pessoas!? – pensava.

— Realmente não O mereço, Senhor. Ainda não estou pronta para recebê-Lo.

E assim Berenice descobriu que não bastava rezar e acreditar, mas precisava amar o próximo. 

E depois disso, ela e a família arranjavam tempo para conversar com as pessoas,  passaram a ajudar  e acolher os pobres, pois agora sabiam que Ele poderia estar dentro de cada um.

FIM





Autora: Ana Maria Maruggi


Ao meu querido amigo secreto:
Ao meu amigo secreto desejo os milagres de Natal!
Desejo que a felicidade contagie os corações.
Que os sorrisos não cessem.
Desejo que o amor seja o sentimento maior.
Que haja poesia nos seus dias.
Que haja caridade em suas mãos.
Que haja amizade de sobra para este,  e para todos os Natais.

FELIZ NATAL!
Um ANO NOVO MUITO PRÓSPERO!


DUAS CRIANÇAS - CONTO DE NATAL


DUAS CRIANÇAS
CONTO DE NATAL




Ele nasceu há mais de dois mil anos em Belém, uma cidadezinha da Palestina e foi colocado, recém-nascido, numa manjedoura.  Ainda bebê fugiu de sua terra para escapar dos soldados do Rei Herodes. Quando o perigo acabou, voltou para sua terra onde cresceu, pobre e analfabeto. Morreu aos trinta e três anos, nas mãos dos carrascos de seu próprio povo.

Ele era Jesus de Nazaré, um Rei cujo reino não é desta terra, embora sua palavra continue viva e eterna e até hoje encerra toda a verdade do mundo.

Ele é Aylan Kurdi, uma pequena criança de Korbana, Síria, encontrada morta, coberta de espuma e sal, nas praias de Ali Hoca, em Bodrun, Turquia.  Levada pelas ondas, como um dejeto qualquer, é um símbolo trágico do desespero migratório, que tem sepultado tantas vidas e tantos sonhos.  Também ele, sua família e muitos outros continuam abandonando seu país, esfacelado pela guerra civil e por um perverso fanatismo que não obedece a nenhuma regra ou convenção humana civilizada. Também ele estava fugindo do longo braço dos soldados de sua própria pátria.

 Aylan Kurdi morreu, porém sua voz ressurge no grito e indignação dos povos e, quem sabe, consiga tocar, com sua inocência, os corações dos que possuem poderes para conter o Mal.

Há uma verdadeira e profunda ligação entre estas duas crianças: ambas fugiam da opressão de seus governos totalitários, ambas buscavam um espaço de paz  e  liberdade para viver seus sonhos e cumprir sua missão.  

O mundo caminha entre o Bem e o Mal desde que o primeiro homem pisou neste planeta.  O Mal se impõe pela Violência e o Bem age pela Paz.  Estamos nesta encruzilhada, é o que me vem à mente nesta época em que celebramos o nascimento de Jesus, cada vez mais angustiados e desesperançados diante da extrema crueldade como o Mal se manifesta.

Será que chegou a hora de nós, homens e mulheres do Bem, nos levantarmos contra a barbárie e desembainharmos também nossas espadas?



FIM





Autora: Suzana da Cunha Lima


O GRANDE MISTÉRIO DO NATAL - CONTO DE NATAL


O GRANDE MISTÉRIO DO NATAL
CONTO DE NATAL



Jorge Antônio já era um cirurgião conhecido e respeitado. Fizera internato, residência de primeiro, segundo e terceiro ano, sempre dando plantões de pronto-socorro. Tornara-se assistente, e continuava a dar os plantões de cirurgia. Não precisaria mais fazê-lo, já tinha reputação e era respeitado na enfermaria. O Prof. Alípio já o conhecia pelo nome e o tiraria do pronto-socorro quando quisesse, mas não queria, era sua cachaça, gostava do corre-corre, daquela vertigem de casos inesperados e situações incríveis e desesperadoras.

       Dezembro chegara e aquele clima de Natal estava em toda parte. Era cristão o que bastava para diferenciá-lo dos colegas judeus. Todo fim de ano era a mesma história. Os cristãos ficavam com o réveillon e os judeus com o Natal.  Topava, mas achava um pouco estranho. O fim do ano era de estourar champanhe para qualquer credo, o Natal só tinha uma dimensão maior para os chamados cristãos.

       Não era o caso este ano, como assistente mais antigo e de maior nome tinha seus privilégios e este ano estava fora do Natal e do Ano-Novo. Não obstante ficava pensando e pensando sobre o significado de tudo aquilo. Há pouco descobrira um livro cujo título falava da “Mulher que gerou o Homem mais Importante da História”. O que teria passado pela cabeça dessa mulher tão importante e da qual pouco se falava ou se conhecia. Não lera o livro, estava guardando para as férias, mas pensava na mulher.

       Uma reprimenda aqui, um pedido acolá, um enorme sofrimento mais adiante, não era muito. O seu pensamento médico ia para a virgem que dava a luz em condições extremamente desfavoráveis, numa manjedoura, por falta de lugar na hospedaria. Pelo menos era assim que Lucas descrevia os acontecimentos. Não escondia que gostava de Lucas porque era médico, mas também porque escrevia poesia pura e em grego. Por um capricho de menino Jorge Antônio resolvera, ainda no ginásio, que ia aprender grego, e o conseguira de modo até brilhante.

E ele sabia que Lucas o médico, que falava grego, era o que mais mencionava a mulher que tinha gerado o homem mais importante da história. Alguns até chamavam o Evangelho de Lucas de O Evangelho de Maria outros de Evangelho da Misericórdia. Ele escreveu que “uma espada transpassara a tua própria alma” e também que “sua mãe conservava todas estas palavras no seu coração”, mas não falava muito daquela noite na manjedoura em que ela “de a luz seu filho primogênito e o envolveu em panos”. Cruzes tudo isso sozinha, nunca vira nada igual.

Misericórdia era o que sentia muitas e muitas vezes. Achava até que misericórdia e compaixão eram o coração da medicina. Opunha-as violentamente a piedade e pena. Ambas, misericórdia e compaixão, tinham raízes semelhantes envolvendo compaixão e isso ele entendia, grudava na raiz grega. Pathos era enfermidade, doença e com era estar junto, para ele compaixão era sofrer junto estar junto.

Era duro no cuidado e tratamento devido aos doentes, não tolerava deslizes nem esquecimentos, vivia para dizer que você pode errar o diagnóstico, mas não a conduta. O diagnóstico é corrigível, o erro de conduta mata. Era temido pelas enfermeiras e pelos residentes, pouco tolerante com o pouco caso ou esquecimento junto aos pacientes. Alias fizera do junto (con, syn no grego) seu mote, se tivesse um escudo lá estaria escrito conpathos ou sympathos, se a sofrimento estou junto.

Tinha uma birra terrível da Madre Tereza de Calcutá desde que ficara sabendo que ela distribuía orações em vez de analgésicos para os doentes com dores, mesmo tendo recursos para os remédios. Para as pessoas as doenças eram sofrimento bastante, não necessitavam que as dores as acompanhassem. Se fosse provocado ia citar Hipócrates no grego, mesmo sabendo de certas dúvidas a respeito da frase, sobretudo a parte de curar, mas de aliviar e consolar não tinha duvida.



Για την άνεση πάντα – Consolar sempre


Mas, voltemos ao gélido vacum, era dia de Natal e como sempre fazia viera ao pronto-socorro tomar sua dose de cachaça especial. Foi ali que viu entrar Joaquim, 3 anos, filho de Maria. Tinha caído da varanda do segundo andar e por sorte caíra num canteiro de flores e gerânios. Sorte? Tinha pequenas escoriações pelo corpo, mas a cabeça batera na quina cimentada do canteiro.

Porra! Quem é que inventara a quina nos canteiros? Que mal havia se um pouco de terra escorresse para fora de um canteiro? Joaquim já fora atendido e alguém já fizera a classificação do coma, grau III para grau IV, Coma Profundo para Coma Irreversível. Embora conhecessem e respeitassem a classificação de Glasgow, não a usavam na sua complexidade, a classificação em quatro etapas era mais simples e dava indicações mais rápidas.

Jorge Antônio conhecia bem a classificação de Glasgow, até conhecia a cidade industrial da Escócia, cinza, escura e sem nenhum charme, mas fora lá que Teasdale e Jennet, professores de neurologia da University of Glasgow, desenvolveram e publicaram a famosa escala, na revista Lancet em 1974.

Ninguém gostava ou se sentia com total convicção para, de cara, avaliar um grau IV. Este grau era de coma irreversível, morte cerebral e corpo de uma só utilidade: transplantes.

Jorge Antônio olhou Joaquim e seu espirito voou no tempo para traz. Ano 1960, o jovem quintanista ensaiava frequentar o Hospital das Clinicas e seu concorrido Pronto Socorro. Fora lá que vira adentrar, num dia de dezembro, mas não Natal, Flávio, dois anos de idade filho de Maria... Luiza. Problema queda de varanda, primeiro andar, se machucara também na quina do canteiro. O caso, porém, era leve. Naquele tempo não havia classificação de Glasgow, se houvesse ia ser de I para no máximo II.

Acontece que Jorge Antônio era jovem e muito enamorado da medicina, Flávio era lindo, digno exemplar da classe média e Maria Luiza era uma mãe bonita, jovem e sofrendo muito. Jorge Antônio acompanhou aquela criança com todo cuidado do mundo e mais um pouco, em dois dias estava bem consciente, brincava com ele no terceiro e no quarto teve alta. Não conseguia esquecer o olhar agradecido da mãe, mãe é mãe, vai do sofrimento ao paraíso em questão de minutos. Nunca mais a vira, mas aquele olhar ficara grudado na sua retina.

Agora naquele quarto escuro, quase sem luz, como recomendado para os comatosos, começou o inevitável, a comparação:

Flávio, dois anos, pele clara, queda de primeiro andar. Joaquim, pele escura, três anos, queda do segundo andar. Mãe de Flávio, Maria Luiza, bonita, elegante, classe média alta. Maria, mãe de Joaquim, Maria só, beleza judiada pela lida diária, mulher pobre. Ambas as mães muito sofridas e sofredoras. Flávio um coma leve, Joaquim um coma quase irreversível.

 Naquela escuridão de hospital, Jorge Antônio lembrou-se do filme Zorba, o grego e de Anthony Quinn o majestoso ator e da cena em que surpreendido, ajoelhando-se para rezar, ela alega que estava procurando um botão da camisa. Pensou sorrindo naquela cena e fazendo uma genuflexão pediu àquela mulher que gerara o homem mais importante da história que intercedesse pelo Joaquim e que o tirasse da morte cerebral.

Feito isto, checou a medicação, os cuidados médicos e puxando o celular avisou a desolada família que iria permanecer no hospital e que, portanto não era certo que chegaria para a ceia de Natal. Ouviu ranger de dentes do outro lado e foi tratando de desligar o telefone.

Acabou se envolvendo no plantão, e foi seguindo os habituais casos, acrescidos de bebedeiras e atropelamentos causados pelos habituais motoristas natalinos embriagados. Facadas, tiros, agressões etc. Um ou outro caso clínico. Uma apendicite numa bonita e morena jovem. O residente iria operá-la e certamente capricharia numa incisão quase invisível. A cachaça certamente não estava aguada. De vez em quando uma espiada no comatoso Joaquim, mas não havia novidade. A enfermagem estava atenta, mas o coma parecia mesmo irreversível.



A noite avançava e a hora santa do Natal se aproximava. As 23h30min deu uma espiada e achou que Joaquim havia se virado, mas fora só impressão. 

Quando começaram a estourar garrafas contrabandeadas de champanhe nos postos de enfermagem, onde a generosidade da ingestão não passava de goles, entrou na obscura enfermaria. Esfregou os olhos e não quis acreditar no que via, meia noite em ponto Joaquim estava em pé no leito e esticava as mãos para sua mãe que se aproximava chorando do berço.

Porque aqui e agora? Já era Natal em mais da metade do mundo, na Europa inteira, porque ele não acordara antes! Baixou a cabeça e entendeu, havia pedido, o que sabia um milagre, aquela que gerara o homem mais importante do universo e então fora atendido quando se celebrava aqui e agora, na terra de Joaquim, o Mistério do Natal.

Começou a chorar silenciosamente diante de um mistério muito maior do que ele e sua medicina, ajoelhou-se diante da manjedoura-berço de Joaquim e, sem pensar em Zorba, sua família  e em nada mais começou a rezar:


— Senhor eu não sou digno...



FIM


Autor: Oswaldo U. Lopes


O RELÓGIO CUCO E A CASCA DE NOZ - CONTO DE NATAL

O RELÓGIO CUCO E A CASCA DE NOZ
CONTO DE NATAL
    


Cuco... Cuco... Cuco!

Conta a lenda que, o Cuco, pássaro comum na Floresta Negra, tem a missão de proteção. Vive nas montanhas no Sudoeste da Alemanha. Do alto dos pinheiros tudo observa. Muito inteligente, um alegre cantor e amigo dos animais.

 

Assim sendo, se algum caçador estiver no encalço de algum animal desavisado, ele entoa um canto de guerra, alto, muito alto para preveni-los do perigo. Os que ouvem saem em disparada, logrando a sorte do caçador.   

A Bruxa... sim, na floresta precisa ter uma bruxa. Ela usa plantas e animais para feitiços. Ela não gostava nada do Cuco, e nem ele dela, porque o pássaro podia enxergar as malvadezas, atrapalhando seu intento.

Um dia... Ah! Esse dia! A Bruxa andava em seu encalço há muito tempo. Fez um feitiço e conseguiu prender o Cuco dentro de um relógio. O feitiço virou contra o feiticeiro. Ele adquiriu os poderes mágicos do relógio gaiola, e de lá  conseguia avistar toda floresta. No entanto, a floresta silenciou sem o Cuco e os animais ficaram mais cautelosos.

Ele não deixou por menos. Quando a malvada Bruxa saia à procura de animais, ele abria a janela do relógio despertando a floresta alertando-os do perigo, cantando alto o mais que pudesse: 

Cuco... Cuco... Cuco!


E a Bruxa irritada voltava de mãos vazias, caminhando cabisbaixa, corcunda com o saco murcho nas costas, pisando forte, marcando seus passos com um enorme galho seco de árvore em que se apoiava.



O relógio Cuco... Bons tempos em que morávamos na casa dos avós maternos.

 A única coisa com a qual implicávamos, era o tal indicador das horas que pulava a nossa frente sem nunca conseguirmos ganhar dele nas tarefas, muitas coisas ficavam para o irritado depois. A vontade era de mexer em seus ponteiros, tirar os pêndulos de chumbo, parar o tempo, segurar a porta para que não cantasse, mas que nada, embora soubéssemos que o mecanismo de bronze era tipo infinito, não queríamos que nos culpassem de algum entrave.
Um dia descobri.

Vovô Hanke, era exigente com os horários e outras coisas mais adquiridas da educação germânica. As refeições, isto o tirava do sério, deveriam ser exatamente no mesmo horário. Sentava-se à mesa dez minutos antes do meio dia, de costas para o relógio, aguardava sua precisão e a pontualidade da comida a sua frente. Neste dia, vovó Hermínia estava um tanto atrapalhada na cozinha, era a típica vovozinha de avental, gordinha que arrastava chinelas pela casa, esfregava as mãos em momentos aflição, este é um sinal, então fui ajudá-la.

Malutchka, (assim me chamava) - cochichando ao meu ouvido - pega no “schrank”, (típico armário de canto que ficava na mesma parede do relógio) uma travessa para a carne e, bem devagar volta o ponteiro dos minutos um pouco atrás.

La fui eu cúmplice da Omama* a mexer no sagrado relógio que, só ele Opapa* Arthur, só ele puxava os pêndulos, só ele o fazia parar à noite. Acho que o relógio o conhecia bem. Com aparência de que ia apenas pegar a vasilha, espichei-me ao máximo, com uma mão eu o atrasei com a outra. A porta rangeu e, triunfante voltei à cozinha. Tudo à mesa. Era ela, já sem o avental, quem fazia questão de servir a todos, sendo ele o primeiro. O Cuco rompe a janela e inicia os doze toques. Minha avó cabisbaixa me olha e sorri dizendo:

Bom Apetite!

A última a sentar, sobrou-me o lugar que todos temiam, à frente dele. O apetite, aumentado pelo nervoso da peripécia dos ponteiros era tamanho que, na primeira esfaqueada na carne, que estava à beira do prato, este tombou em meu colo. Não sei o que era pior, a situação em si, o calor da comida queimando minha perna, ou o Vovô Arthur olhando sem nada dizer. O silêncio era tanto que dava para ouvir o mastigar. Ele desatou em riso:

Nunca imaginei ver isto na minha vida!

O Cuco acabou seu concerto e fechou a portinhola.

Às vezes tinha vontade de lhe dar um tapinha, pois presenciava a tudo e nos delatava ao chegarmos fora do horário. Até que, tivemos coragem e, ao sair escutávamos se ele roncava, quando então uma mão encostada na folha de plátano silenciava o seco tic...tac.

Escapamos por pouco. O pássaro preso na casa amadeirada não teve a mesma sorte. Estava rouco... Na floresta seu cuquear era manso, leve, uma dança no ar, sem a Bruxa por perto.

Com a chegada do Natal e fim do ano, ele era o pontuador, o mais vigiado para a abertura dos presentes e para um Feliz Ano Novo. Este foi o último Natal em que ele tentou me avisar de alguma coisa.
Na véspera limpávamos a sala, nosso avô entrou apoiado na bengala, e justo naquele instante o Cuco cantou, acompanhando o compasso irônico da alegre  observação:

Mas quanta limpeza! Por um acaso vai chegar um príncipe?

Não Opapa* - é o Papai Noel que estamos esperando – e ele ria.

Na verdade estava nos espreitando para conferir a brincadeira, queria saber qual de nós sairia de casa no próximo ano. A bacia com água lá estava. Cada uma colocou dentro dela, meia casca de noz um toco de vela colorida acesa dentro, formando um barquinho. Se as cascas ficassem juntas ninguém sairia, se uma se afastasse, aquela seria a que iria se casar.

Sou eu! – gritei.

E o Cuco neste momento abriu a janela e, choroso cantou três horas da tarde.

À noite recebemos visita de um primo, vindo de São Paulo, em um Fusca VW branco, de uns trinta e seis cavalos aproximadamente. Havia descoberto nosso endereço, pois nosso pai não permitia namoro entre primos e nos afastou. Ajudou-nos a vestir o pinheiro com as decorações guardadas dos anos que se passaram.

Um momento mágico em que, ramos e essências enfeitam a casa e um gato enroscado na janela perscruta ouvindo árvores que falam baixinho, cantam e dançam ao som do vento de fora.

Pobre Cuco...

No ano seguinte sai de casa. O relógio engasgou-se em uma das correntes que se rompeu. Acredito que, finalmente o Cuco tenha se libertado da belíssima casa de carvalho, cujos entalhes remetiam-lhe as lembranças da vida dos moradores da Floresta Negra e da Bruxa.       

Quanto ao primo, que não era príncipe, mas um súdito, seu Fusca não se transformou em um cavalo branco. Foi me buscar para que eu encontrasse meu verdadeiro príncipe.

E, um dia ao som das músicas de John Travolta, o príncipe chegou das longínquas terras do leste europeu. Casamos e vivemos felizes para sempre, perpetuados por princesa e dois príncipes  que continuaram com as tradições.

O Cuco terminou sua missão.

Já não precisava mais me proteger.     


                        FIM





Autora: Maria Luiza C. Malina


Desejo ao meu amigo secreto o melhor Natal que se pode ter!
Com fartura de abraços da família e dos amigos...
Com vozes chamando-o pelo nome...
Com mãos que se estendam para as suas.

Com olhares que alcancem os seus...   
Feliz Natal!