Medo - Adriana Frosoni

 

 



Medo

Adriana Frosoni

 

Num final de tarde, enquanto todo o movimento da casa de Ana fluía normalmente, de repente, acabou a luz. Foi um tal de correr para um lado, bater a canela na mesinha, procurar uma vela, ir para a cozinha e não encontrar o fósforo. Vozes de crianças chamando a mãe porque estavam com medo, e o marido, imóvel na poltrona no meio da sala, perguntando se ela precisava de ajuda.

A energia sempre faltava nessa época do ano naquela região. Já estavam acostumados, era só começar a época de chuva. Ana estava pensando que precisava deixar tudo organizado e à mão para socorrer a todos o mais rápido possível.

Mas desta vez estava diferente, o céu escureceu mais cedo, a tempestade chegou rapidamente e muito pesada. Na verdade, todas as luzes das ruas se apagaram. O vento uivava contra as janelas, e a chuva caía com intensidade, encharcando o jardim.

Quando Ana conseguiu acender a vela, todos da família foram para a frente do janelão da sala. As cortinas abertas permitiam a eles assistir a esse espetáculo da natureza, porém, em pouco tempo já não permitia que vissem nem o outro lado da rua. De repente, um raio, daqueles que iluminam o céu, rasgou a noite escura e o medo se apoderou deles.

Daquele lugar, em frente ao janelão, foi possível ver, por um instante, a silhueta e uma pessoa bem próxima ao flamboyant que havia em frente a casa. Não era possível identificar se o vulto estava na frente ou atrás da árvore. Encostada nela, quem sabe! Mas o perfil era inconfundível. 

— Uma mulher? — Disse Ana. As crianças estremeceram e começaram a choramingar

— Acalmem-se, uma mulher não consegue entrar nessa casa, é bem seguro aqui! Ela deve estar se protegendo da chuva embaixo da árvore.

— Então ela vai morrer no nosso jardim! — Disse o filho mais velho. — O raio vai cair na árvore e vai matá-la eletrocutada! — E o mais novo começou a chorar.

O marido de Ana comentou que ela parecia estar com os braços levantados, os quais eram desproporcionalmente longos e grossos. A menos que ela estivesse segurando um machado, por exemplo. Quando ele terminou de dizer isso, o silêncio se instalou e todos arregalaram os olhos como se isso fosse ajudá-los a enxergar naquele breu. 

O pavor se apoderava de cada um deles, não era apenas o medo do desconhecido, mas sim o medo visceral de algo espreitando nas sombras, esperando pelo momento certo para atacar. A imaginação de cada um corria solta, criando possibilidades no impossível. 

O temporal não melhorou. As crianças quiseram dormir na cama dos pais e todos adormeceram de cansaço, porque os raios e trovões continuaram a maltratar a imaginação deles. Qualquer estalar de galhos reacendia o medo e o desconforto. Os sonhos foram medonhos, o sono, agitado.

Amanheceu um lindo dia de sol e céu azul. O jardim estava verdinho e feliz pela rega da natureza. Não havia sinal de destruição da chuva, pelo menos não no quintal. A energia havia voltado. Ana e o marido foram até a janela da sala, para abrir a cortina e espiar o flamboyant. Ainda de olheira pela noite mal dormida, entreolharam-se e caíram na risada. Mesmo morando lá por 10 anos, nunca haviam percebido que a bendita árvore, dependendo do ângulo que se olhava, tinha mesmo o perfil de uma mulher de braços levantados.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário