CONCURSO LITERÁRIO SINDI CLUBE - ATÉ 18 DE AGOSTO


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Participe do Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes!

Associados de clubes de todo o país, que gostam de escrever, estão convidados a participar do Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes.
As inscrições vão de 29 de abril a 18 de agosto de 2017, para trabalhos de poesia, crônica e conto.
O concurso é uma iniciativa prevista no convênio firmado entre o Sindi-Clube e a Fenaclubes (Federação Nacional dos Clubes), que dá caráter nacional ao Prêmio Sindi-Clube/APL de Literatura, antes realizado apenas em São Paulo.
As condições exigidas para participar do Prêmio Nacional de Literatura dos Clubes podem ser consultadas no regulamento do concurso.
O Prêmio é feito em parceria com a Academia Paulista de Letras (APL), que formará uma comissão julgadora composta por especialistas em cada gênero literário para analisar os textos inscritos.
Os melhores colocados receberão prêmios de R$ 1.500,00, R$ 1.000,00 e R$ 500,00. O concurso permite a inscrição de uma obra inédita por participante e os temas dos trabalhos são de livre escolha.

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AS MÃOS DE ALICE
Carlos Cedano

Vi pela primeira vez Alice quando cursava o primeiro ano de Arquitetura e eu o segundo de Engenharia. O belo rosto e seu corpo espigado pareciam acompanhar uma melodia só por ela percebida. Não ousava aproximar-me dela, não era falta de vontade, não! Mas, não imaginava seu delicado rosto em minhas mãos profanas, era como um sonho impossível!

Nos três anos seguintes, sempre que podia, acompanhava de longe sua marcha até onde tinha deixado seu carro. Formei-me e fui trabalhar numa grande empresa com excelente salário e perspectivas pra lá de boas. Em poucos anos meu padrão de vida mudou muito, os contatos profissionais e sociais se multiplicaram, mas Alice continuava a ocupar todos os cantos de minhas emoções e até invadia deliciosamente a intimidade de meus sonhos!

O Diretor da firma acostumava promover soirées com concertistas promissores de música clássica, ele mesmo distribuía os convites para seus convidados. Um convite significava apreço e distinção especial para quem o recebia, eu fui um deles e isso me desorientou, então pedi conselhos sendo eu um marinheiro de primeira viagem, ele foi gentil, deu-me dicas de como vestir, conversar e ser discreto e atencioso.

Nesse sábado cheguei as oito e trinta a meu destino, e fui me enturmar com os outros colegas. Dei uma olhada no programa, seriam cinco curtos recitais de piano e um belo piano Bosendorfer, considerado um dos melhores do mundo, esperava os interpretes.

Quando os pianistas entraram no palco, chamados pelo próprio Presidente, meu coração quase parou, um deles era Alice... Alice estava muito linda com postura de rainha. Nas duas horas seguintes fomos brindados com maravilhosas melodias que me fizeram sentir emoções alternando alegria, suspiros profundos e paz interior.

Alice foi o quarto pianista e interpretou um pequeno repertorio romântico com peças de Chopin, Debussy e Liszt. Minha atenção foi atraída pelos movimentos de suas mãos que deslizavam suavemente sobre o teclado. Seus dedos lançavam notas que se espalhavam por todos os cantos do enorme salão penetrando no coração das pessoas e fazendo-as atingir seus mais profundos sentimentos de amor! Eu estava hipnotizado pela magia dessas belas mãos e pelo rosto de fino cristal que agora o acariciaria com as mais delicadas vibrações de meu ser!

As palmas foram intensas e sustentadas durante um bom tempo, vi lágrimas nos olhos da Alice, e eu mal continha as minhas!

Serviram champanhe, deliciosos petiscos, e quando virei minha cabeça enxerguei Alice, fui até ela, ela também me viu e me recebeu com um sorriso de quem recebe um velho conhecido.

— Parabéns Alice, você esteve simplesmente divina.

— Renato! Estou tão feliz de te reencontrar. Achei que não veria mais você!

— E eu nunca deixei de guardar você em meu coração Alice. Hoje essa convicção se ancorou definitivamente em mim!

— Me abraça, Renato. Abraça-me forte! Que bom que você perdeu sua timidez. - Disse Alice com um tênue sabor de ironia!


E a magia adentrou essa noite que se tornou infinita!

O relógio de ouro - Ises de Almeida Abrahamsohn


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O relógio de ouro
Ises de Almeida Abrahamsohn

Estava no escritório de sua pequena indústria de peças de alta precisão quando o telefone tocou. Era alguém do DOPS intimando-o a comparecer à delegacia central. Desligou o aparelho, deixou-se cair na cadeira e veio-lhe o gosto metálico do medo. Eram os anos 70 em São Paulo. Teria feito algo de errado? Talvez um dos empregados? Teria que obedecer à intimação. Isso era certo. Imigrante, tinha sido apátrida quando escapara da cortina de ferro, mas agora tinha passaporte e sua carteira de estrangeiro. Os impostos e pagamentos estavam em dia. Tomou um copo d’água para se acalmar. Em vão. Relembrou o pavor que sentira há quinze anos quando, em busca de liberdade, cruzou a fronteira.

Separou os documentos da firma, escritura da casa e da fábrica para mostrar. Avisou a mulher. No dia seguinte apresentou-se na portaria do ameaçador prédio no bairro da Luz. Indicaram-lhe uma sala do segundo andar. Cruzou com tipos mal encarados à paisana em cujos olhares oblíquos pressentia ameaças. Foi recebido por um homem gorducho de meia idade que se identificou  como ligado à Interpol. O infeliz cidadão engoliu em seco.

— Quero apenas saber se o senhor tem um relógio Rolex de ouro!

Boquiaberto, o interrogado recuperou o controle e informou que há cinco anos de fato tinha possuído um; tinha sido roubado numa viagem de trem entre Bruxelas e Frankfurt. Contou que deixara a maleta contendo  o relógio e outros pertences sob a guarda de dois passageiros enquanto foi jantar. Quando voltou, o compartimento estava vazio e a maleta havia desaparecido. Deu queixa, porém o seguro não lhe reembolsou o relógio que havia sido presente da mulher.


O delegado contou-lhe que a polícia de Barcelona encontrou  o relógio no pulso de um indigente morto. Localizar o verdadeiro dono foi possível porque por ocasião da compra dos relógios dessa marca  o nome do comprador é anotado e registrado na firma. Cada peça leva o número de identificação gravado no verso.  Entretanto em Barcelona só lhe entregariam o relógio, caso se comprometesse a arcar com as despesas do enterro do infeliz. Pasmo com essa história, apressou-se a concordar. Alguns meses depois recebeu na Europa o seu relógio de estimação.

Candidato inoportuno - Conto Coletivo - Silvinha, Maria Verônica, Oswaldo Lopes , Maria Amélia e Ises.


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Candidato inoportuno
Conto Coletivo

Silvinha, Maria Verônica, Oswaldo Lopes , Maria Amélia e Ises.


Três gerações estavam reunidas ao redor da grande mesa de madeira da sala. Era o aniversário da Zezé. Presentes todos os fartos quitutes da cozinha mineira. Zezé a única das cinco filhas do velho Machado ainda solteira pontificava. Era o seu dia. As crianças em alvoroço olhavam com gula as espigas de milho e as coxinhas de frango.

Além da algazarra ouviu-se o blém, blém estridente da sineta da varanda. Zezé teve que gritar:

Zico vai ver quem é! Quem será a esta hora?

Sou eu, Zezé. Você não se lembra? O Epaminondas. Estou morando agora na fazenda perto da divisa.

Fez-se  um silêncio atônito. Todos se lembravam do malandro do Epaminondas que, apesar de tudo, conseguira há oito anos ser eleito prefeito de Argirita. Felizmente tinha sido derrotado na última eleição.

O velho Machado que até agora não se manifestara não deixou por menos.
Seu cara de pau! Como tem coragem de aparecer de novo depois do que aprontou para a Zezé?

 Que é isso, seu Machado? O que passou, passou! Venho em paz. Eu mudei demais da conta. Agora estou tentando a reeleição!

Dito isto, o intruso empurrou as crianças e se aboletou ao lado de Zezé. Sem cerimônia, anunciou que tinha fome de leão e agarrou a primeira coxa de frango que viu pela frente.  Com a boca lambuzada de gordura esticou o prato para lhe servirem generosas porções de tutu e torresmo. Esnobou o quiabo refogado.

Não gosto de baba, declarou. Você lembra, não é Zezé?

Foi nessa hora que o Zico que tinha sido expulso da cadeira pelo glutão, não se conteve:

Mãe, olha a visita, já avançou no frango e botou defeito no quiabo. Não é falta de educação?

Sem dar atenção ao menino e aos olhares reprovadores, o intruso virou-se.
Como é Zezé, não tem uma cervejinha aí ?

Mesmo a contragosto, a aniversariante foi buscar a bebida para o ex-noivo.  O almoço prosseguiu com o pessoal visivelmente sem jeito enquanto o Epaminondas falava pelos cotovelos. Entornava um copo após outro e ainda pediu a cachacinha para arrematar.

Virou-se para Zezé com a voz já enrolada, passando-lhe o braço suado pelos ombros:

E aí Zezé, saudades daqueles bons tempos? Pelas minhas contas já está com cinquenta, não é não?

Foi demais para o velho Machado. Empertigado e, com a dignidade que lhe era peculiar, se aproximou do descarado.

Acho que você está querendo ir embora, Epaminondas! Deve ter mil eleitores esperando! Faço questão de acompanhá-lo até a porta.

Ante o 38 visível na cintura do velho, Epaminondas amarelou.


Que é isso, padrinho. Já tava mesmo de saída. Agradeço o almoço. Próximo domingo é a eleição. Conto com os votos de todos. Já vou indo. Já vou indo. Já vou indo...

Memória visual - Fernando Braga



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Memória visual

Fernando Braga

        Sempre se gabava de sua memória visual.

— Uns têm memória para nomes, outros para fatos, outros mais para sons, cheiros ou sabores. Outros ainda, enxergam com as mãos, ouvem com os olhos e assim vai. O meu forte é a memória visual, especialmente para guardar fisionomias. Vejo uma pessoa, posso não lembrar seu nome, mas sei que a conheço, mesmo passado muito, muito tempo. Tenho memória de elefante, que dizem, procura voltar a seu local de origem, quando sente a morte próxima.
Contou o seguinte fato, dado como real.

       Ainda criança, com 8 ou 9 anos, frequentemente acompanhava meu pai, quando  ia para a fazenda, guiando o seu Fordinho 29, o carro mais comum da época, que enfrentava valentemente as estradas de terra, esburacadas e sinuosas. Por volta das quatro horas da tarde, o retorno.

Seu Mateus era o administrador da fazenda, marido da dona Luzia, tinham duas filhas e ainda o Zezinho e o Luizinho. Este último com uns seis anos. Lembro-me até hoje, o seu Mateus sentado, comendo feijão com arroz, pegando umas cinco pimentas vermelhas grandes, amassá-las e misturá-las à comida. Pensava na época: Vai gostar de pimenta no inferno!

Certa ocasião, sentei-me no carro, bati a porta e fiquei aguardando meu pai, que, por sua vez, sentou-se, colocou o câmbio em ponto morto, pronto para dar a partida, trocou ainda algumas ideias com seu Mateus, e bateu fortemente a porta do seu lado. Neste momento, um grito agudo de Luizinho ressoou no ar, gritando e apertando fortemente a mão direita que estava ensopada de sangue. O dedo indicador da mão direita do menino havia sido decepado pela porta. 

Após enrolar sua mão em uma toalha, foi levado às pressas para uma farmácia, a única da vilazinha próxima. O farmacêutico, deu cinco pontos no dedo do menino, que havia perdido a falanginha e a falangeta, restando apenas a falange.

Seu Mateus e família, ficaram como empregados ainda por alguns anos, mudando-se para a cidade. Nenhum contato mais.

Cerca de uns 30 anos após, estava chegando à minha sala e no corredor, um rapaz forte, moreno, bem vestido, com um bigode de mexicano, aproximou-se chamando-me pelo nome:

— O senhor se lembra de mim? Me reconhece?

Encarei o rapaz, olhei bem em seus olhos,  percebi que já o tinha visto em algum lugar. Fiquei parado, sem perguntar nada, e depois:

— Mostre suas mãos.

O dedo indicador da mão direita, pela metade!


—Você é o Luizinho! E se me procura após tanto tempo, é porque deve precisar de mim! Vamos entrar! Que satisfação em revê-lo!

A CORRENTEZA - Sérgio Dalla Vecchia

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A CORRENTEZA
Sérgio Dalla Vecchia

Sentado na areia da praia, observava estático o movimento das ondas. Os pensamentos brancos como a espuma viajavam para o nada.

Naquele momento o mar brindava comigo, oferecia-me taças de espumante, servidas pelas ondas na arrebentação.

Enquanto degustava olhando pela taça translúcida da imaginação, revivi os erros da vida e almejei acertos vindouros.

O implacável sol castigava minhas costas desnudas, pássaros plainavam ascendentes nas correntes de ar quente.

O horizonte se mostrava logo ali. Vez ou outra um pesqueiro em movimento o cortinava por instantes.

A paz era real, até que surgiu uma moça em um Stand Up logo após a arrebentação. Parecia que não saia do lugar. Os movimentos das remadas eram visíveis, mas a prancha não avançava. Percebia-se o desespero da moça, bem como o despreparo para a navegação. Não usava colete salva vidas e remava contra a maré.

Dificilmente sairia daquela posição, mas insistia.

Foi quando exausta caiu sentada na prancha.

Naquele momento levantei-me e fui correndo em sua direção. Não havia mais ninguém, apenas eu. Ela me avistou e balançou os braços.

Entrei no mar até a cintura e a orientei para que mudasse a rota e viesse em minha direção.

Deu certo, ela começou a vir. Quase emborcou algumas vezes ao transpor a arrebentação, mas avançava.  

Finalmente chegou até mim e exausta me abraçou freneticamente.

Enquanto ela descansava em meus braços eu a acalmava com palavras de conforto.

Aos poucos sentia a respiração e o bater do seu coração relaxarem.

Percebi que aquele abraço não buscava mais socorro e sim amor. Era justamente que pedi a Netuno.


Nunca mais nos desgrudamos.

Amargo ou doce enfrente o seu destino. - Ana Maria Pinto


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Amargo ou doce enfrente o seu destino.
Ana Maria Pinto

Manuela achava a vida muito doce. Na realidade sempre tinha sido muito benevolente com ela: crescera numa família de classe média alta, nada lhe faltava e o amor dos pais era  uma benção.

Até que um dia a mãe adoece gravemente, e em poucas semanas morre, para grande mágoa de todos.  O pai sem saber o que fazer da vida, resolve ir morar com a mãe dele, levando Manuela consigo.

A mãe dele era uma senhora muito interessante, completamente fora da sua época, mas conseguia "dar medo ao susto" Era viciada em jogo e todo o final de semana ia para o casino onde a maior parte das vezes, perdia grandes somas em dinheiro.

Era o orçamento doméstico que sofria e as refeições eram cada vez mais pobres e escassas. O pai de Manuela nem se dava conta da tristeza da situação. Era obcecado pela mãe e tudo o que ela fizesse estava certo por definição.

Então Manuela começou a articular uma fuga para esta situação: tinha Anabela, uma grande amiga de colégio com quem se dava muito bem e cuja mãe tinha uma confecção bem sucedida; assim Manuela foi para casa da amiga, deixou a casa da avó e para não ficar sendo muito pesada, para as amigas se ofereceu para ajudar na  fábrica e incrementar as vendas, coisa que ela sabia fazer muito bem. E assim Manuela conseguiu ser alguém importante, sobretudo independente, e seguir na vida em frente, tal qual navio que vai direto ao destino.


Cobra-Cega - José Vicente Camargo

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Cobra-Cega
José Vicente J. de Camargo

Há mais de um mês estava ele na casinha de três cômodos que alugara. Escolhera a dedo. Queria um lugar alto, com vista para o mar e a brisa arrepiando as copas das arvores, vergando as touceiras de bambus e as folhas das palmeiras. Tinha de sobra as premissas naturais, mas faltava as de conforto. A água, salubre e barrenta, tinha de ser içada com balde do poço raso. Potável, só no poço artesiano do Dr. Joaquim, latifundiário da região, mas para tanto tinha uma caminhada de alguns quilômetros. A luz era a querosene. Celular sem utilidade pela falta de sinal. As necessidades físicas, e o banho frio se davam entre quadro paredes de pau a pique afastadas da casa.

Todos estes “senões de desconforto” não o perturbavam. Ao contrário, o estimulavam a alcançar o objetivo a que viera, pois lhe recordavam as boas ferias a beira mar que passara na infância com os pais e irmãos numa praia erma onde o conforto também passava longe. Procurava, nessas lembranças e na semelhança das paisagens, subsídios para a inspiração.

Inspiração! Para isso viera. Trocar a mente exaurida de sensações, por outra que o motivasse a arrancar de si, o fio da meada para iniciar a escrita do romance pretendido. Mas qual! Até agora não a encontrara, apesar do olhar atento aos detalhes do ambiente esplendoroso, do viver das pessoas com costume e cultura típica − que poderiam aguçar a imaginação de qualquer escritor.

No rodamoinho desse devaneio, não se deu conta que seu estoque de água acabara. Abraçou os vasilhames e se pôs a caminho do poço artesiano. A fila de espera estava grande. Se distraiu observando um grupo de crianças que brincavam. No meio da algazarra, de olhos vendados, uma criança era rodopiada pelas demais até ficar tonta. Vacilante, apalpava o ar procurando agarrar outra criança que a substituísse, que a salvasse daquela escuridão estonteante. Se desanimada da procura, tentava desistir, era persuadida pelas demais a ficar com apupos de “fica medrosa”. Era um rodízio de estar mal no “escuro” ou bem no “claro”.

Na volta à casinha, ele pega carona num carro de boi. Vai percebendo que a paisagem está mais nítida, da qual emergem detalhes antes não percebidos. Do ar capta odores de algas e sais marinhos mais acentuados. A luz está mais brilhante, as nuvens mais brincalhonas. Observa a pele queimada do carroceiro, seu cigarro de palha mirando o andar molengo dos bois. Se sente como participando de um jogo de cobra–cega. Até há pouco, era a própria. Agora, de repente, sem desconfiar, encontrou a salvação. Saiu do estado sonambulo para o de observador. Cansou, mas não desistiu. Permaneceu no jogo.

Na jogada da vida...

O BUSTO DO VASCONCELOS - Oswaldo U. Lopes


O BUSTO DO VASCONCELOS
Oswaldo U. Lopes

        Dizem que um renomado médico paulista foi o criador do Jet-Sky, exagero! Ele apenas colocou um motor marítimo de 40cv numa prancha oca especialmente construída e saiu mar adentro. Causou sensação não só pela velocidade que o artefato desenvolvia como pela formidável esteira de água que erguia atrás de si. É claro que depois de diversas demonstrações acabou quebrando o pé.

        Profissional conceituadíssimo, especialista de renome. Filho de médico teve seis filhos, só um seguiu sua vocação profissional. Mas em termos de aprontar coisas impensáveis todos se revelaram dignos dele. Teve de tudo, desde pilotos misteriosos que desceram com um avião paulistinha emprestado do Aeroclube na Pça. Charles Muller (Pacaembu), até caça de chapéus de ilustres damas sentadas no andar térreo, por meio de anzóis baixados do andar de cima. Devia ter escrito pesca. A sensação de ter o chapéu erguido sem entender como, é incrível, fato reportado por uma das vitimas.

        Pois essa fabulosa gangue (os seis) resolveu atacar de novo. A vítima: o busto do Vasconcelos.

        Como descobri anos depois de formado, todos os poderosos professores da cirurgia tinham o seu busto em algum lugar. Discretamente na própria sala, na biblioteca da clínica ou até em casa conforme o tamanho da modéstia. O do Vasconcelos estava no anfiteatro que ele usava para dar aulas. E, que anfiteatro!

        Dizer que parecia igreja é pouco.  Tinha todos os elementos eclesiásticos. De um lado a nave, destinada ao povo, nós os alunos, assentos de anfiteatro, ordenados por altura de modo a garantir visibilidade para todos os fieis.

        De outro o presbitério e o altar mor onde o Sumo Sacerdote, ele Vasconcelos, pontificava e perorava.  Separando-nos a mesa da comunhão que segundo se apregoava viera de uma igreja barroca baiana e era de talha preciosa. No que seria equivalente ao transepto ficava o famoso busto em cima de um pedestal.

        A presença dos assistentes (demais professores da clínica) no presbitério reforçava a inevitável comparação com uma igreja. Era frequente que um auxiliar se encostasse ao pedestal do busto, sendo de imediato reprendido:
— Desencosta de mim!

        Estava criado o mito e o busto como objeto de desejo estudantil. Os tempos eram mais respeitosos e temerosos. Uma vez, no Show Medicina resolveu-se fazer a conversa dos bustos. Não houve coragem para retirar de seus lugares o busto do Arnaldo nem o do Bovero. Arnaldo o fundador da Faculdade, Bovero o famoso professor de Anatomia. Foram feitas cópias muito boas em gesso, mas os originais permaneceram intocados.

        Foi ai que a fabulosa gangue resolveu se aventurar. Não fizeram nada sem planejamento, e nisso eram muito bons. Estamos falando dos anos setenta, não de fantásticas séries de televisão. Bolaram tudo até os detalhes.

        Abrir o anfiteatro era coisa de criança, um clipe de papel resolveu. Já tinham preparada uma maca com lençóis e peças mais volumosas. O busto foi colocado na maca e coberto com lençóis, as peças volumosas ajudaram a montar um pseudocorpo de um doente falecido.

        Existia e creio que ainda existe um túnel que ligava o complexo hospitalar à Faculdade de Medicina, em particular, ao Departamento de Patologia. Passava debaixo da rua (Av. Enéas Carvalho de Aguiar) e era muito conveniente para transportar os defuntos sem chamar a atenção das numerosas pessoas que por ali transitam.

        Era também usado no trote dos calouros, passar por ali não era para almas frágeis. Embora amplo, ao longo do trajeto viam-se numerosos caixões destinados a enterro dos mais simples. A entrada do túnel pelo lado do Hospital era fácil,  a saída na patológica é que costumava ficar fechada. O planejamento previu tudo. Havia bueiros para ventilação no túnel.

        A equipe se dividiu, uns conduziam a maca pelo túnel, outros se postaram ao lado do bueiro. No momento preciso a tampa foi erguida, cordas foram baixadas, o busto foi erguido e colocado num carro que partiu com rumo ignorado.

        Ignorado por muitos, inclusive o Vasconcelos, de pleno conhecimento dos fabulosos, foi em direção ao bairro de Perdizes. Lá na residência do conhecido especialista ele permaneceu por dois longos anos. Vasconcelos fez de tudo, não conseguiu nenhuma pista nem paradeiro.

        Passado tanto tempo o nosso especialista resolve convidar o Vasconcelos para um jantar regado a vinhos que só ele tinha e comidas dignas dos vinhos. Chega a hora do Porto:

— Vasconcelos e essa história do busto. Que coisa triste não?

— Pois é respondeu Vasconcelos. Você não imagina como isso me aborreceu e abateu. Notifiquei a polícia, contratei investigador, mas não conseguiram nenhuma pista do meu precioso busto.

— Eu tenho uma proposta. Você promete não fazer nenhuma retaliação, nem processo e eu vou ver o que posso fazer.

        Vasconcelos topou na hora, ao que, o anfitrião pediu a um de seus filhos, ilustre membro da gangue que fosse buscar o busto no andar de cima da casa.

        Minha história termina aqui. O busto voltou ao seu lugar habitual. A fechadura foi substituída por uma trava de altíssima segurança e eu gostaria muito de saber, passados tantos anos, onde o busto foi parar.

O QUE TERIA ACONTECIDO ? - Ana Maria Pinto


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O QUE TERIA ACONTECIDO ?
Ana Maria Pinto

Na escuridão densa do mar, aquele nadador enxuto tinha-se afastado, convencido de que o cais e as pedras estavam vindo em sua direção.

E assim, acabou a vida tão cheia de promessas e glórias que o faziam suspirar pelo futuro.


As nossas esperanças nem sempre se concretizam neste oceano que é a nossa vida.

VAI E VEM - JOSÉ VICENTE J. DE CAMARGO


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Vai e Vem
José Vicente J. de Camargo


Vai pra lá
Vem pra cá
No embalo do á
Terminamos no dá

Dá um, dá dois
Juntamos no três
Se vontade sobrá
Pulamos pro quatro

De quatro em quatro
Acabamos no quarto
Juntinho somamos
As forças pro quinto

Vai pra lá
Vem pra cá
A roda do dá

Não quer mais pará...

NO ESCURINHO DO PRONTO SOCORRO - Oswaldo U.Lopes


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NO ESCURINHO DO PRONTO SOCORRO
Oswaldo U.Lopes

        De trás para frente a leitura era fácil. O velhote dera entrada no Pronto Socorro com uma história confusa de evacuação escura. Os sinais clínicos eram de hipotensão, pulso rápido e palidez. Estava mais branco do que o lençol em que se deitara.

        Duas coisas chamavam a atenção:

        1- A ausência de qualquer história anterior que fosse compatível com lesão ou ulceração do aparelho digestivo alto. Era um caso típico de melena. Nome grego usado em medicina e que significa escuro. Preto. O odor das fezes negras é forte porque o sangue sofre um processo de digestão na sua trajetória no intestino.

        2- A filha do senhor. Uma bela mulher, típica balzaquiana de seus trinta e tantos, não muito magra, com as curvas certas nos lugares certos. Na sua enorme aflição agarrara sua mão com força e tinha angústia saindo pelos poros.

        Outro detalhe chamara a atenção no exame clínico. A presença de um aneurisma pouco acima da bifurcação da aorta. Os exames mostraram o esperado: anemia, aneurisma e condições cardio circulatórias complicadas pela hemorragia.

        Impunha-se a cirurgia e ela foi realizada. O caso era até bonito, tratava-se de um aneurisma da artéria aorta que perfurara o duodeno e era por essa perfuração que houvera o sangramento.

        Sucesso total. Reparação do duodeno e colocação de uma prótese em Y substituindo o aneurisma. Ao sair da cirurgia deu de cara com a balzaquiana cujo nome era Carmem que lhe agradeceu comovida e agarrou suas mãos com força e carinho.

        Lembrou-se de uma outra vez em que algo semelhante acontecera, mas fora no escurinho do cinema. O pronto socorro podia ser tudo, menos escurinho, mas o roupeiro era.

        Dirigiu-a para lá, já meio agarradinhos e no ambiente de pouca luz, trocaram caricias, amassos e beijos e... Ela muito agradecida e ele muito satisfeito pelo resultado da cirurgia e pelos agradecimentos recebidos.

        O senhor ficou internado por nove dias e por nove dias o roupeiro foi seguidamente visitado. Carmem não cabia em si de agradecimentos. Deu alta para o velhote e encaminhou-o para o Setor de Moléstias Vasculares para seguimento, despediu-se de Carmem e seguiu a vida.

        Não esperava pelo que acontecera agora. No seu consultório, Carmem viera, pagara uma consulta e não ocultava suas prováveis intenções, continuar as aventuras do escurinho do roupeiro. Ele sentiu outro cheiro, o de encrenca. Como é que dizia mesmo seu avô espanhol?


        “Onde ganhas o pão não comas a carne.”

FOTOS - ESCREVIVER - Autores criativos.


O EscreViver e seus autores

Com alegria os textos vão nascendo.

Acima: Oswaldo Romano, Sérgio Dalla Vecchia, Carlos Cedano, José Vicente J. Camargo, Ana Maria Pinto, e Maria Luiza C. Malina.



Acima: Oswaldo U. Lopes, Ises de Almeida Abrahamsohn, Angela de Barros, Silvia Helena de Ávila Ballarati , Ledice Pereira,  Dóris Therezinha Straneli Albero, e Maria Amélia Favale





Aniversário do Oswaldo e ele levou um escandaloso e delicioso bolo Cup & Cake de frutas vermelhas.