Histórias da Vovó Ana - Oswaldo Romano


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Histórias da Vovó Ana
Oswaldo Romano                                                              

          O tempo, esse danado que não nos abandona, cria um imenso cabedal de situações inusitadas. Ficam na memória e são lembradas a cada estalo de alusão, mesmo em situações as menos propícias.

            Às vezes acontece comigo estar participando de falas na roda de amigos, falas sem endereços, perdidas como flechas lançadas. Uma só palavra me da a senha e transporta-me para lembranças que nada tem haver com o assunto em voga.

            Seria estranho me dizer que o mesmo não acontece com você. Faz parte do gênero humano, dono de milhões de neurônios se confrontando entre si. Um deles naquele momento levantando uma bandeirinha, desvia seu pensamento. Se levado para coisa engraçada, você ri. Ri sozinho. Quem perceber, estranhamente, pergunta-se:

            — Ele está rindo de que? Nem vou perguntar. Posso deixa-lo embaraçado, ou provocar uma resposta enquadrada. 

            A última vez que aconteceu comigo, na roda do café bateu a tola risada. Recordavam-se da Gracinha, a tanajura. Nesse momento, dito a palavra assanhada, foi o suficiente para que eu  lembrasse da minha avó Ana. Ri, ri a gosto, fazer o que?

  Eu com meus doze anos acompanhava a vovó nas suas andanças pelas ruas 25 de março ou Oriente. Íamos sempre de coletivo. A vovó, com seus 70 anos, para mim era muito velha. Eu já a tinha como carola. Carola, mas sagaz. Às vezes suas atitudes me inibiam.

            Quando saíamos a procura de um pano para vestido, entrava em uma, duas, três lojas. Tudo bem. Eu junto, servia como esteio. Só que em todas, o Salim desmanchava as prateleiras.

Apresentando as ultimas sugestões, ele nessa altura jogava aquelas placas enroladas de tecidos sobre o balcão, já desiludido.

Gostosas e inocentes lembranças. Porque será que eu tinha vergonha? Que pecado!

Certa feita, no coletivo, estávamos sentados de frente para duas moças balzaquianas, daquelas que falam desregradas, impondo-se quem fala primeiro, e mais alto.

            Minha vó só assuntava. Franzia a testa, me olhava de esguelho, segurava-se. Percebi que não ia se calar.

A conversa animada, de repente degringolou:  

— Ah! Ele é muito charmoso. Menina! Esta difícil eu me segurar!

— Não é só com você, não. Disse a outra. Vem acontecendo comigo a mesma coisa, e faz tempo!

            A vovó não aguentou. Eu que a conheço há muito tempo, conhecendo das suas tiradas, não esperava outra coisa.

            Com seu jeito de velhinha, vestindo chita matizada, lenço com estampas pelo pescoço, olhava ao redor, correndo os olhos sobre os óculos providos de lentes redondinhas.

            Fixando as moças, num ímpeto entrou na conversa:

            — Meninas! Meninas!

            Elas, surpresas, pararam o papo, virando-se e atendendo a vovó, que quase no grito, disse:


            — Soltem logo, apaguem esse fogo! Fosse comigo eles não me escapariam, não!

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