STRIKE - SUZANA DA CUNHA LIMA



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STRIKE
SUZANA DA CUNHA LIMA

Era um vizinho quase invisível. Eu chegava do trabalho às 20 horas e, às vezes, o encontrava no hall do elevador. Eu entrando, ele saindo.  Ambos com pressa. Ninguém sabia qual o seu ganha-pão e não havia motivo para se especular sobre a vida dele.  Não comparecia às reuniões de condomínio, é verdade, porém não reclamava de nada e pagava pontualmente suas contas, segundo o sindico e os zeladores.

Minhas janelas não davam para as dele, assim, pouco se escutava sobre seus afazeres domésticos. Enfim, num sábado, eu me preparava para almoçar no Clube quando ele tocou minha campainha.

Ainda retirando os rolos do cabelo, escovei-os rapidamente e coloquei uma sandália. Sozinha em casa, eu adorava andar descalça e fazia rolinho no meu cabelo superliso para me apresentar melhor.

Ficamos um olhando para a cara do outro uns segundos e ai ele veio com sua conversa. Eu o achei diferente, mas sou meio distraída.

- Vou viajar daqui a dois dias.  Queria ver você podia tomar conta da casa e deste cachorrinho, é um poodle marrom, está vendo?

Olhei para aquela bolinha sedosa no colo dele, meio sem saber o que responder. Reconheci imediatamente o Strike, o cachorrinho de dr. Macedo.

- Este cachorro é do Dr.Macedo, do 4 andar. Ele lhe deu? Era louco por ele.

- Não senhora. Continua dele. Só me pediu para eu tomar conta dele este mês, parece que vai viajar. – fez um carinho no Strike, que não gostou muito. -  Strike é pequeno mas tem muita demanda. Duas vezes por dia a gente passeia com ele, uma vez por semana é tosa e banho, uma vez por mês, ida ao veterinário.  Nada mais. Ele é muito educado e faz companhia, excelente companhia, sabe?  Quanto à casa é muito simples, mas há muitas plantas que precisam ser regadas, regadas do modo certo. – mostrou-me um pedaço de papel.-  Sr. Soares me deu instruções detalhadas de como cuidar delas. Algumas são regadas todo dia, outras, uma vez em quatro e outras uma vez na semana.  As instruções estão todas aqui. Inclusive quanto à limpeza da casa.-  Suspirou, meio cansado de tanto falar, querendo me enfiar aquele papel nas mãos.

- Limpeza da casa? Perguntei surpresa, louca para fechar a porta e acabar com aquela conversa de doido.

Ante meu olhar estuporado., continuou sua fala macia como se fosse a coisa mais natural do mundo pedir a quem quer que seja este tipo de disponibilidade e trabalho.

- Dispensei a faxineira neste mês que estou fora.  Basta aspirar uma vez por semana e ir limpando o que sujar, sabe como é a poluição... Eu abro sempre as janelas para entrar fresco.

- Vai ficar fora quanto tempo? Um mês?  Na minha ignorância, eu estava imaginando que seria apenas o final de semana e já estava achando até demais. Imagine um mês!

- Talvez mais um pouco.  Sou cientista e enviei um projeto para a Alemanha. Eles gostaram muito e me convidaram a terminar a pesquisa lá mesmo.  Aqui no Brasil não tenho condições.

- Sei. E o que o faz crer que vou aceitar este encargo? Cláudio jamais tocou nesse assunto comigo.

- Bom, você vive sozinha e o Strike é muito companheiro e afetuoso. E você tem uma empregada fixa, que fica com muito tempo ocioso. Juntamos as coisas e ficam todos satisfeitos. Aliás, a minha pesquisa trata um pouco disso. A disponibilidade social do pessoal da classe média em assuntos domésticos.

- Sei. Não me lembro de ter conversado nada a esse respeito com Claudio, o dono do apê e muito menos com você, a quem estou conhecendo agora. Ele sorriu meio amarelo:

- Sei, esqueci de me apresentar. Bruno Campos, às suas ordens.

- Quanto você se disporia a pagar por este trabalho que está pedindo?

Ele espantou-se com a pergunta:

- Pagar? Imagine... Considero isso uma cortesia entre vizinhos. As pessoas sempre acabam precisando umas das outras, não é? O que estou lhe pedindo é muito comum nos outros países.

- Então, acho melhor você ir morar de vez num deles. Eu trabalho o dia inteiro e longe daqui, nem venho almoçar. De noite tenho meus cursos e lazer.  Não tenho nenhum bichinho de estimação porque não tenho tempo para cuidar nem quero ficar presa à rotina de nenhum animal, mesmo este que é tão fofinho.


- Como é? A senhora está me dizendo que não pode fazer estas coisas tão simples, por outro ser humano que, alem disso é seu vizinho de porta? - Ele saiu depressa da fala macia para a exaltação.

- Exatamente. – Peguei a maçaneta da porta para ir logo dispensando ele. Enquanto dizia:

 – Sugiro que deixe o Strike, Strike, não é? Num hotelzinho de cachorro e permaneça com a faxineira uma vez por semana para fazer este serviço com as plantas e a casa. Pronto, fica tudo arranjado assim. E agora desculpe, tenho o que fazer.

Ele colocou o pé para não me deixar fechar a porta e jogou o poodle dentro de casa.

- A senhora tem que ficar com ele sim. Uma mão ajuda a outra. E já venho aqui com a chave de casa e as instruções. Ora veja só... Está me dispensando, quem pensa que é?

O homem é doido, pensei, começando a ficar com medo. Fechei a porta de casa, sem antes pegar o cachorrinho e deixá-lo no Hall dos elevadores.  Ele estava transtornado e mais ficou quando Strike correu para ele e fez xixi em sua perna.  Tranquei a porta e chamei o síndico e o zelador.

Oi dois chegaram juntos, a tempo de ver ele batendo na minha porta tocando a campainha sem parar, o que chamou a atenção dos outros moradores do andar.  Foi uma luta fazê-lo parar. Ainda bem que chamaram a polícia também, aí o rolo ficou completo.  Todos sabiam que o poodle era do vizinho de outro andar que já havia dado queixa na portaria e ficou bem feliz quando pegou seu cachorrinho de volta. Acho que este doido pensou que ia me sensibilizar com o poodle e cair nesta esparrela.

Porém, o  mais bizarro desta história é que, em parte, era verdadeira.  O Claudio, meu vizinho, havia lhe pedido para tomar conta, porque ia viajar uns tempos. Como estava demorando a voltar, o tal sujeito, o Bruno Campos pensou neste estratagema, jogar sua responsabilidade para outra pessoa e sumir. A policia levou-o, mas não sei o que fazem neste caso.  Acho que acionam o dono e o responsabilizam por negligência, creio eu. O bom é que o Strike achou seu dono de volta. Mas o meu vizinho vai ter uma surpresa e tanto quando voltar.



Amiga desligada ou ... - Ises de Almeida Abrahamsohn



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Amiga desligada ou ...
Ises de Almeida Abrahamsohn



Você provavelmente tem entre seus amigos alguém do tipo classificado como desligado (a). Com certeza sabe a que eu estou me referindo. São pessoas possivelmente de várias virtudes, mas cujo defeito é serem desligadas. Existem em vários padrões. Aliás, será que alguém já fez um catálogo das múltiplas manifestações de “desligamento” ?

Minha amiga Neusa é um espécimen pertencente a esse grande contingente. Isso não quer dizer que ela esteja fora do mundo ou que não preste atenção ao que acontece ao redor. Pelo contrário, ela é muito, digamos assim, ligada nas coisas que lhe interessam diretamente como finanças, viagens, cinema, etc.  Mas creio que alguns aspectos da biologia lhe escapam totalmente. Talvez por ter se encaminhado para o estudo de humanidades.

Adora cães e gatos embora nunca tivesse de fato possuído um vivente de quatro patas. Até que surgiu o Petisco. Um filhote mestiço de siamês, miando de cortar o coração,  abandonado sorrateiramente à porta do seu prédio. Neusa saía para trabalhar quando viu o enjeitado e salvou-o das garras do vilão, no caso o porteiro que com a vassoura estava a enxotá-lo. Compadecida, acolheu e se afeiçoou ao gato que realmente era muito simpático. Eu, inclusive, lhe disse que o bichano, logo batizado de Petisco, parecia um gato bem comportado e de bom caráter. Era uma boa companhia para Neusa que, após dois noivados desfeitos, estava um tanto desiludida com o sexo masculino.

 Porém aconteceu que a mãe de Neusa, moradora em Palmas, Tocantins, adoeceu e Neusa teve que acudir a velha senhora. Tirou um mês de férias do escritório de marketing onde trabalhava. O que fazer com Petisco? Ninguém de seus conhecidos quis ficar com o bichano durante esse período. Neusa não queria hospedar o animal num desses hotéis veterinários por melhor que fosse. Seria cruel com seu animalzinho, dizia ela.  Imagine o stress de ter que conviver com os outros hóspedes felinos ou caninos e ser alojado em gaiola.

Foi então que sobrou pra mim.

Não pude negar. Me pediu com os olhos rasos d’água (que clichê mais batido!), mas era mesmo assim, ela estava à beira do choro. Eu era a sua última esperança e além do mais eu morava numa casa com jardim. Não podia alegar a desculpa dos outros de que o prédio proibia animais.

 Assim o Petisco veio para minha casa. Arrumei sua cama na lavanderia. À noite ficava trancado, mas durante o dia via-se que apreciava muito a liberdade do jardim e elegeu uma cadeira de vime do terraço para tomar sol durante a manhã. O gato se deu bem comigo e à tarde me fazia companhia deitado no pufe do escritório. Notei que estava com o pelo mais brilhante e certamente tinha engordado. Confesso que eu comprava às vezes comida especial para ele. Achei que facilitaria a nossa interação. A ração seca de todo dia era monótona.

Quando Neusa ligava de Palmas não deixava de ansiosa, perguntar pelo seu querido Petisco. Teria que ficar mais algum tempo além do programado. Creio até que ela estava com ciúmes por ele estar tão bem acomodado em minha casa.

Foi quando aconteceu o inesperado. Ao abrir a porta da lavanderia de manhã para soltar o gato, lá estava o Petisco que me olhou orgulhoso exibindo a ninhada de cinco filhotes de várias cores acomodados junto à sua barriga. Pois é.... O Petisco virou Petisca. Neusa terá que escolher algum outro nome, esse soa agora estranho.

O certo é que eu não vou dar conta de achar um lar para os 5 gatinhos.

Foi o que comuniquei para Neusa no último telefonema.

Neusa prometeu que em duas semanas estará de volta. Fiz as contas. Prenhez de gato leva oito semanas.  Portanto o felino já veio prenhe.

Será que ela não percebeu que o gato era gata? 

Amiga desligada? Ou ...


O Outro - José Vicente Camargo




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O Outro
José Vicente Camargo



Me desculpes, mas no íntimo, sou o Outro!

Daquele tipo que tu não gostas, lanças impropérios, manténs distância.
Não sei como agirias se soubesses...  

Aceitarias a situação ou, impulsiva como és, me expulsarias de casa, da vida, das lembranças nossas que, entre risos e gracejos tu gostas de contar?

Serias capaz de compensar meu assim ser pelo valor dos anos que juntos passamos? Dos lugares que visitamos, amamos, procriamos?

Teu orgulho ferido impediria o perdão? De compreender que o amor nasce tanto em solos férteis como áridos e que sua força é bem maior que a razão? Dar-me-ias nova chance?

No rio tortuoso da vida rumo ao mar sem fim, guardião eterno de nossas almas, onde sentimentos já não existem, carrego correnteza abaixo a experiencia do saber popular:

“O que os olhos não veem, o coração não sente”

Em mim sempre terás fiel ouvinte, provedor e defensor de todas tuas causas. 

Na esperança que minha companhia continue a te dar prazer, a acalmar teus anseios do coração, sigo meu caminho desviando teu olhar de mim para o futuro lúdico no aconchego do lar que tanto prezas, sob o brilho do firmamento cujos mistérios tanto te atraem, intrigam e que lamentas não poder compreender, tal qual a sensação que terias do meu segredo de sol e lua vagando errante pelos buracos negros da celeste abobada...


A VIZINHA - Antonia Marchesin Gonçalves



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A VIZINHA      
Antonia Marchesin Gonçalves



                Fabiana mora na mesma casa e rua há mais de vinte anos, o que a leva a conhecer todos os vizinhos, não gosto de apartamento dizia ela, me sentiria engaiolada se morasse num. Uma de suas vizinhas de parede era Dona Yolanda, uma senhora portuguesa que morava sozinha muito educada e sempre prestativa. Ficara viúva, sem filhos, e por medo de assalto, resolveu ter um pequeno canil no quintal, um cão pastor alemão capa preta, ensinado ficava de dia no canil e à noite o soltava. Assim se sentia mais segura.

                A vizinha de Fabiana precisava viajar para Portugal para cuidar de suas propriedades por lá e visitar os parentes. Antes de viajar foi pedir à Fabiana, o favor de cuidar da casa e do cachorro. Ela não teve coragem de dizer não, sabia que ia ser difícil, pois trabalhava fora, e inda tinha mais o marido e seu filho para cuidar. Pode viajar sossegada que eu e Ernesto, vamos ficar de olho, disse.

                Mal sabia que cumbuca se meteria. Durante a semana que antecedeu a partida de Yolanda, Fabiana e o marido iam todos os dias juntos para prender o Clark e o soltar a noite, para que ele se acostumasse com eles,  e receberam também as chaves da casa. Na primeira semana tudo correu bem, já na segunda o alarme da casa dispara no meio da tarde, atormentando toda a vizinhança e com isso o Clark não parava de latir. Os vizinhos atormentados chamaram a policia e ao entrarem na casa forçando o portão, deixaram o cachorro mais bravo, furioso babava a ponto de arrebentar a trave do canil e avançando para os policiais, não tiveram outra opção senão atirar no cão.

                Fabiana ao chegar do trabalho foi avisada do ocorrido e tratou de logo de abrir a casa e constatar que nada tinha sido mexido, foi alarme falso, mas o Clark estava morto. Levaram para a prefeitura para que fosse cremado e voltaram com as cinzas do animal para entregar quando a dona voltasse. Passaram dois meses e nada de  Yolanda voltar. Cansados da responsabilidade de cuidar da casa da vizinha, resolveram ligar para Portugal, pois tinham o telefone dos parentes para alguma emergência. Ao ligaram ficaram sabendo que a vizinha havia morrido de um infarto fulminante e que um sobrinho viria para o Brasil para cuidar de tudo.

                Ao chegar o sobrinho, um senhor dos seus 45 anos, muito educado chamou-os para uma reunião e agradeceu o trabalho deles de cuidar das coisas da tia e disse que a vontade dela era dar a casa para Fabiana, pois antes de morrer haviam comentado com ele sobre isso, pois não pretendia voltar ao Brasil.

                Ficaram surpresos e agradecidos e viram que a solidariedade que tiveram com a senhora independente de interesses, acabou sendo reconhecida.

Maricota - José Vicente J. Camargo






Maricota
José Vicente J. Camargo
    

Ela chegou bem novinha na casa da família, embrulhada numa meia de lã dentro de uma caixa de sapato cheia de furinhos, tremendo de frio, naquela manhã de inverno. Quem a trouxe foi Zelão, avô do Rafa, tido como caçador e pescador dos bons, no tempo em que essas atividades eram permitidas e tinham muitos adeptos pelos campos e rios do interior do Estado. A caixa, segurada com cuidado pelas mãos fortes do Zelão, foi depositada sobre a mesa do café aguardando o aniversariante que, blasfemando o ar frio e com uma baita vontade de permanecer no quentinho da cama, vestia o uniforme do terceiro ano primário do Grupo Escolar. Helena, atarefada no preparo do lanche do filho, mira o sogro surgido do nada tal fantasma e, acostumada com suas peripécias repentinas, exclama:

− Zelão, espero que não seja mais uma surpresa pra me dar trabalho...

− Não! Retruca ele. Rafa me pediu várias vezes que lhe arrumasse um.

Ao ver o avô na cozinha, Rafa descongela o sorriso e corre para o abraço por mais uma velinha no seu bolo de aniversário da noite. Zelão aponta a caixa surpresa e os olhos dele refletem o brilho da alegria de um presente almejado. Desata o nó da cordinha embaralhando os dedos e, ao ver o bichinho, expira aquele ar de satisfação. O avô comenta:

− É uma raça de papagaio cabeça vermelha, dos que falam. Você precisa treiná-lo repetindo as mesmas frases em voz alta todos os dias. Com o tempo ele vai imitar não só suas frases como também outras das pessoas ao redor. Há tempo que venho pedindo à caseira da fazenda onde vou caçar, me arranjar um.  Desta vez ela conseguiu, descobrindo um ninho no alto de um abacateiro às margens de um brejo onde Judas perdeu as botas. Vigiou o ninho por vários dias até a avezinha ter forças para voar. Cortou um pouco as asas para que não voasse longe. Completo meu presente com um poleiro e uma correntinha para colocar na pata e a outra extremidade num arame de correr para que se exercite. Quando voltar da escola estará tudo montado inclusive com água e comida. A caseira da fazenda, em troca, me pediu que conservasse o nome que ela deu: “Maricota”, em homenagem a sua cadelinha de estimação que morreu faz pouco tempo.

Helena, olhando de envies o sogro, como a dizer: “Só me traz problema!”, pega o filho pelo braço e o arrasta para o carro. Rafa não desgruda os olhos da caixa até que a porta da sala batendo, corta sua visão lúdica.

No retorno da aula, dispensa a força da mãe e corre em disparada para a cozinha dando de cara com o avô nos últimos retoques que diz:

 − A área de serviço é um local protegido contra os ataques da gataiada da rua. Pegue o estilingue que lhe dei no último aniversário e comece a treinar a pontaria até afugentar essa bicharada, pois, gato e papagaio só são amigos nos livros e histórias infantis.

− Certo Vô! Vou praticar todo dia. Inclusive essa frase dos gatos já está na lista que preparei na escola para ensinar à Maricota: “cuidado, gato em casa”; “Rafa acorda, 7 horas, escola”; “almoço tá na mesa”; “Maricota quer comer”; “Rafa, lição de casa”...

Aos poucos Helena e o restante da família foram se adaptando e sentindo falta do palavreado truncado do louro nas tardes de frio quando esticava o sono. As visitas já iam direto perguntando pela Maricota e não deixavam de ir área de serviço dando-lhe o dedo para que subisse pelo braço até os ombros, abaixasse a cabeça emplumada de verde-amarelo-vermelho e pedir “Maricota cafuné!” e depois retribuir o carinho com bicadinhas na ponta da orelha do visitante. Este gesto ficou famoso em toda a vizinhança principalmente pela criançada que não parava de tocar a campainha pedindo brincar com Maricota.  As visitas tornaram-se tão frequentes que obrigou Helena, a contragosto do Rafa, a colocar uma placa no portão do jardim: “Visitas à Maricota só aos sábados das 10 às 12:00 horas”. Com tanto vozerio ao seu redor, Maricota aprendeu rápido a arte de imitar a voz dos que lhe eram familiares. Ia e vinha no arame esticado a sua disposição cantarolando: “Helena desligue a TV”; “Marcela (irmã) academia”; “Jú (empregada, fã de forró) dança da garrafa”. Numa manhã, estranharam o silêncio que reinava na área de serviço. Maricota ausente em troca de algumas peninhas verde-amarelas deixadas no poleiro. Rebuliço na casa toda! Rafa, batendo o pé, gritava que não iria à aula, precisava desenhar panfletos para distribuir pela vizinhança do tipo “Quem viu! Favor informar. Recompensa! ”. O choro e as lamúrias vararam dias, a esperança se diluindo: “com certeza Maricota voou pro beleléu para algum cafundó do Judas perdido no raio que o parta” diziam os conhecidos. As promessas para São Francisco, padroeiro dos animais e para Santo Expedito, das causas perdidas, deram frutos. Num domingo, a vizinha aos gritos anuncia um louro no telhado da casa em frente. Rafa corre como um raio e impede que o proprietário suba no telhado:

− Não! Ela só vem comigo. Trouxe um pouco de ração para atraí-la. Esticando a mão Maricota caminha despreocupada em sua direção, tritura a ração, sobe pelo seu braço e se empoleira no seu ombro observando o agito na rua. Abaixa a cabeça e aguarda o cafuné do seu preferido.

O proprietário observa o louro com atenção e pergunta:

− Porque o chama de Maricota se é um macho? Com certeza fugiu atrás de uma fêmea no cio.

Rafa, surpreso com a notícia, e sem jeito por não saber distinguir o gênero da ave, assim como ninguém na família, responde:

− É, sabe! Minha mãe e minha irmã gostam mais de animais do sexo feminino e o batizaram com esse nome. Mas ele é macho de verdade! Desvencilhou-se de uma corrente forte para ir namorar e mira Maricota que, com os olhos fixos no dele, exclama:

“Rafa, amigo da onça, vou de dar o troco quando sua namoradinha vier me pedir o dedo. Em vez do carinho na orelha, vou fazer cocô no ombro dela...”