SUPER MEL - Oswaldo U. Lopes


SUPER MEL
Oswaldo U. Lopes

            Dizem que a principal diferença entre um cão e um gato, não são aquelas obvias que todo mundo sabe: o som emitido (latido x miado), olfato apurado (ponto para o cachorro), unhas retráteis (ponto para os felinos) e hábitos bem definidos. Dizem que a diferença é simples: quando você os adquire ou ganha o cão te aceita como dono e só quer saber o seu nome, o gato quer uma cópia do seu currículo.

            Mel era um lindo exemplar da raça Bernaise, grandes, mas menores que seus primos os São Bernardo, também suíços e que são famosos pelas três cores (branco, preto e marrom), pelo gênio dócil e pela sociabilidade.

            Você nunca pediria uma pote de mel, nem procuraria pela mel de laranjeira, então me explica porque todo mundo achava que mel era fêmea.

            Seu dono não era um menino de 10 anos ou um moleque de catorze que gostasse de uma boa pelada... De futebol é bom que se esclareça, nessa idade, onde a descoberta do mundo, dos gêneros vem misturada com os malabarismos possíveis com uma bola de meia ou de qualquer outro material que lhe resguarde  o aspecto redondo. Sem sexismo, também não era uma adolescente de longos cabelos que o levaria, à noite, para dormir com ela na cama.

            Seu dono era um engenheiro civil de quarenta e poucos anos, metido até a raiz das botas em construções de todo tipo e altura.

            Mel era tudo que se espera de um Bernaise, dócil, delicado, apesar de imenso, obediente. Incapaz de tocar na comida, mesmo estando com uma bruta fome, enquanto seu dono não autorizasse com um gesto rápido e sutil. Isso tudo já o tornaria um cachorro diferente, charmoso, bonito, elegante, de um porte altivo e soberano.

            Mas, tinha algo a mais que as pessoas mais próximas notavam, já tinham notado ou mesmo se beneficiado de seu algo a mais. Tinha o famoso sexto sentido, aquele sentido que o fazia antever e evitar ou remediar um perigo eminente. Já o fizera tantas vezes e com tal certeza de seu presságio que se tornara mascote querida dos peões de obra, nas construções que seu dono frequentava ou dirigia.

            Não, caro leitor, não era aquela coisa de subir na calçada quando da passagem de um carro em alta velocidade ou latir para uma janela aberta quando uma inesperada tempestade se avizinhava.

            Era se recusar a entrar num elevador de obra que frequentava corriqueiramente, resistir a ordens bruscas e puxões violentos para que o fizesse. Nada feito. Ia pela escada com o enfurecido dono enquanto o elevador despencava do 10º andar e se esborrachava embaixo. Era fazer, como fez, um tremendo escarcéu para passar, dentro do carro, num cruzamento de nível com um linha férrea abandonada.

            André, seu dono, parou o carro antes do abandonado X, só para ver, um enorme trem passar em alta velocidade, pelo trilho há muito fora de uso.

            Tirar peão da direção de vigas perdidas ou balançantes era corriqueiro. A peãozada olhava-o boquiaberta sem entender nada e tentando se refazer do susto horrível. 
            Hoje estava acontecendo o que André menos gostava, prédio em final de acabamento, paredes erguidas que tiram a visão do conjunto, tudo rebocado, mas não pintado, de modo que não havia contraste para o cinza e ainda por cima sua irmã Tereza com os filhos, Ana Maria de cinco anos e Tiago de anos, visitando o futuro apartamento no 10º andar.

            Fora tudo muito rápido, Mel estava com os peões acompanhando o almoço deles, comandado pelo tradicional enxadão da obra, lá no 18º andar, enquanto Tereza e os filhos circulavam pelo 10º andar muito próximos da escada, sem anteparo, e do vazio deixado pela ausência do ainda não colocado elevador social. Não deu outra Tiago, afilhado de André, aproveitou que a mãe conversava com o mestre da obra Seu Joaquim e se aproximou do vão imenso.

            Todos no 18º andar olharam assustados quando Mel levantou as orelhas e disparou para o vão da escada se precipitando por ela abaixo.

            Estava no meio da escada  do 11º andar para o 10º quando Tiago se aproximou de costas do buraco mortal, parecia que, desta vez, não ia dar tempo. A peãozada lá de cima olhava aquilo com grito mudo de terror.

            Ai Mel se jogou no vão e cobriu a distância num salto prodigioso. Tiago que já tinha uma perna no ar foi arremessado de volta numa enorme bola de pelos, cachorro e gente. Chorava bastante, mas além de pequenas escoriações não tinha outros ferimentos. Mel com a pata encolhida lambia-o carinhosamente. O povão do 18º andar descia correndo e aplaudindo a incrível façanha. Tereza ciente, agora, do que ocorrera chorava copiosamente segurando Tiago e Ana Maria.

            Naquela noite, refastelados no tapete à frente da TV, André e Mel conversavam a sua maneira:

- Mel,  dá para me explicar como é que você percebeu o que ia acontecer?


            A resposta de Mel esticado de comprido, com o focinho grudado no chão veio, no conhecido dois pra lá um pra cá de seu vigoroso rabo.

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