A QUARESMEIRA - Suzana da Cunha Lima



A QUARESMEIRA
Suzana da Cunha Lima

Estou aqui há tanto tempo que nem me lembro mais quando nasci.  Ah, sou filha de transplante, recordei... Peguei bem, não teve problemas, ninguém me descriminou, e embora eu não saiba quem foi meu pai, tenho muitas amigas por aqui.

Gosto deste parque.  Há uma pista de corrida em toda sua volta e outra para bicicletas. Sábados e domingos é a maior disputa das bikes que muitas vezes invadem a pista de corredores.  A Prefeitura já foi solicitada a marcar bem a divisão, para evitar acidentes.  Outro dia, colocaram uma menina perto de mim, enquanto providenciavam socorro.  Fiquei muito orgulhosa e a acolhi como se fosse filha.   Eu e minhas amigas apreciamos muito poder dar acolhida e aconchego a todos, tornando o peso da vida mais leve. Afinal, somos privilegiadas por morar num bairro tão lindo, tão cheio de verde...

De manhã há o alarido das crianças, com suas mães ou babás, que parecem não esgotar o assunto, de tanto que conversam.  Antes mesmo das crianças,  surgem os senhores barrigudos e donas de casa obesas a suar em volta do parque. Difícil emagrecer quando se chegou a este ponto, mas a esperança é a última que morre, não é? Depois chegam os velhinhos, uns de bengala, a maioria de bonés. Vão jogar damas ou dominós, já tem a mesa deles preparada. A Prefeitura cuida bem deles, é uma boa coisa respeitar a velhice que tanto trabalhou e se sacrificou para a cidade. Gosto de apreciar a bonita convivência da infância com a velhice. É pacífica e sinto uma nuvem de amor cobrindo tudo..

Depois de meio dia, todos somem. Hora do almoço, da preguiça, da leseira. É bom sentir a brisa perpassando pelas folhas, o sol coado na peneira das árvores. Mais para tarde, começam a surgir os jovens, a maioria estudantes da Escola de II Grau que fica na esquina.

Barulhentos, andam em bandos, rindo e proseando. Ficam em volta do pipoqueiro ou do carrinho de cachorro quente, falam alto, dão risadas. Jogam o material de estudo no chão ou nos bancos, se esparramam na grama.  Há muita paquera, muito amasso, mas tudo dentro da lei e da ordem. Coisa da juventude, tão cheia de hormônios e energia!

Ao entardecer, ainda chegam algumas crianças, quando o tempo está bom, principalmente no horário de verão, quando o sol se põe mais tarde.  A gente vê também muitas pessoas  voltando do trabalho e que dão uma paradinha aqui, para comer alguma coisa, dar um dedo de prosa com um amigo, enfim, uma pausa e descanso para enfrentarem o longo caminho de volta. A fila para o ônibus é enorme.

Quando cai a noite, a maioria some. Hora de jantar, de encontro com a família.  Os ambulantes vão embora. Hora vazia,  o sol se despede relutante, não quer dar seu lugar à lua, que tanto o empurra no céu que ele acaba indo embora.  Mas volta amanhã, sempre quente e brilhante, o grande deus sem  o qual a gente não existiria.

Nem pessoas, nem pássaros, nem flores, nada que vive pode dispensar o sol.
Nem eu, uma simples quaresmeira rosa que espera ansiosa a primavera para inundar com minhas flores delicadas o chão deste lindo parque onde vivo desde sempre.

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