PERIGOSA CONEXÃO
Suzana da Cunha Lima
A grande fachada da Lavanderia Moderna,
escondia no subsolo um cassino clandestino. Eu fora chamado para tentar
conectar dr.Alvarenga, um negro muito rico e falante, que julgavam ser o dono
do cassino, à uma mulher encontrada boiando no rio, no meio de um emaranhado de
plantas e cipós.
Ela era uma das
dançarinas da boite do cassino e parecia que ele tinha sido o último a vê-la
com vida, segundo o depoimento de funcionários que o haviam visto com a mulher,
no dia anterior, tomando um táxi.
Solicitado a ir prestar declarações na delegacia do Matias, ele
esquivou-se de qualquer possibilidade de tê-la assassinado.
- Eu gostava dela e
saímos juntos umas três vezes, é só. Ontem
resolvemos ir no Luna Dourada, um hotelzinho perto dali. Evidente que não fui
para o hotel jogar baralho, mas depois de uns amassos ela me ofereceu uma
bebida e eu, como um patinho, tomei. Quando
acordei, ela tinha sumido com meus pertences.
Veja só, com toda minha experiência, fui vítima do boa-noite Cinderela,
imagine, um homem calejado como eu.
Dinheiro? Sim, eu tinha duas notas de cem e algumas de cinquenta, pouca
coisa na carteira e três cartões de crédito.
E agora o senhor está me dizendo que esta moça foi encontrada morta,
boiando no rio? E o que eu tenho com isso? Até eu capotar com a tal bebida ela
estava bem viva.
- Já disse, Sr.
Delegado, nos encontramos no bar, ali mesmo, na esquina, o Bar do Canto, o
senhor conhece, em Vila Madalena. Estou
aqui numa boa, contando o que sei, mas sou um empresário de respeito e tenho
muito a fazer. Bom, delegado, se o senhor não quer acreditar na minha história,
está na hora de eu chamar meu advogado.
Não podiam reter o
homem mais tempo lá e aí eu fui chamado, em caráter de urgência, para tentar
fazer a tal conexão, porque, a grosso
modo, todos achavam que, de inocente, o
dr.Alvarenga não tinha nada. Especulavam
de onde vinha sua fortuna. Certo, certo, ninguém sabia. Eram meras suposições e nem a Receita
Federal achou nada de irregular em sua
declaração de IR. Tinha um carrão e belas roupas e seu cartão de visita
constava que era Gestor de Negócios Comunitários. Dera azar de ter saído com aquela moça,
justamente naquela noite e logo depois
ela fora assassinada. E era frequentador do cassino, lugar de trabalho da
mulher que fora encontrada morta. Muitas
coincidências para serem desprezadas.
Tiveram que soltar o
homem e eu fiquei encarregado de segui-lo.
Logo no dia seguinte a polícia deu uma batida para valer, pois já sabia
que o cassino estava escondido no sub-solo da lavanderia. Quem saberia disso,
se não fosse algum passarinho cantar lá para a polícia?E o dr.Alvarenga lá não
se achava.
Vi muita gente bem
vestida tentando escapar dos camburões, mas não houve jeito. Trancaram e
lacraram o que puderam e levaram quem lá estava para a delegacia.
É impressionante a
imaginação das testemunhas. Nenhuma
história era sequer similar a outra. Não
conheciam a tal mulher morta , mas do dr.Alvarenga lembravam bem. Alto, bem vestido e sempre oferecendo polpudas
gorjetas. Interessante é que não jogava, passeava por todo recinto com ares de dono e
depois se encostava no bar e pedia uma bebida e lá ficava, só observando o
movimento. Apenas um dos empregados, que
havia saído por uma porta lateral para fumar, na noite do crime, notou algo diferente. Viu dr.Alvarenga abraçado à uma mulher na calçada e logo
depois tomaram um táxi. Para onde foram não sabia mas tomou nota da placa porque achou uma atitude pouco usual do doutor
e bem suspeita.
Pela placa do táxi
não chegaram a lugar nenhum. Parece que
o motorista os deixou num enorme
supermercado. As câmaras de segurança
não estavam bem posicionadas e apenas dava para ver dois vultos entrando num
carro estacionado ali. Para onde foram?
Ninguém sabe. Dali por diante, era uma prova depois da outra incriminando-o. No tal hotel para onde eles foram, na noite do boa noite Cinderela, ninguém lembrava deles. Um pouco estranho ignorar um negro alto e
bem posto como ele. Uma das funcionárias
do cassino afirmou que a tal mulher encontrada boiando no rio era bem conhecida
do dr.Alvarenga. Eles tinham um
apartamento onde costumavam se encontrar. Quem era ela? Um amor clandestino? Um
amor antigo?
A muito custo a policia descobriu o
endereço. Chegaram lá e nada encontraram
de suspeito.
De qualquer forma,
ninguém mata ou manda matar sem um bom motivo. Por
que a polícia estava tentando incriminar dr.Alvarenga no caso da mulher
assassinada? Só porque frequentava um cassino clandestino? Achei tudo aquilo
muito estranho. Comecei a pensar que ele estava sendo vítima de um golpe, haviam
plantado pistas falsas para que ele fosse considerado culpado, um bode
expiatório de algum golpe maior. Sei que foi pressionado de diversas maneiras
para fornecer informações das quais parecia não ter o menor conhecimento. A policia acabou prendendo- em
casa, sem poder sair, alegando que ele podia atrapalhar as investigações.
Estavam convictos de sua culpa, mas não havia provas nem indícios suficientes
de que fosse o assassino. E qual foi
minha surpresa, quando ele me telefonou.
Sabia de minha
ligação com a policia para investigar casos onde a discrição era essencial e
colocou as cartas na mesa.
- Estão me culpando por um crime que nunca cometi. Com
certeza eu frequentava o cassino, nunca neguei, e também saí com muitas
mulheres de lá. Nada disso me torna um
assassino, não é? Então peço que você contate o comissário Osório. Sozinho, de
preferência em local publico, sem possibilidades de grampos ou escutas. A senha
é tsunami. Faça isso o mais rápido
possível. Seus honorários serão pagos
direitinho, não se preocupe.
O comissário Osório
logo prontificou-se a escutar o que eu tinha a dizer, quando falei o nome do
dr.Alvarenga e em menos de meia hora estávamos sentados no banco da praça.
- Tudo que você vai
ver e ouvir é estritamente confidencial. É que as coisas estão indo longe
demais e o assassinato desta mulher só fez piorar. Daqui a pouco foge de meu controle. Matias
conseguiu que o juiz permitisse o Alvarenga esperar o julgamento em casa, não é?
Olhou-me fixamente: Alvarenga é o codinome de um agente meu muito precioso, um
infiltrado. Está neste bando há 3 anos e
já conseguiu descobrir muitos documentos fraudulentos, golpes contra o erário e
principalmente o esquema de lavar dinheiro sujo. Achamos que ele foi
descoberto, então está correndo sério perigo. Ele precisa sair de onde está e sumir. Somente
eu e o Matias, e agora você sabem realmente quem ele é.
Assenti, desnorteado.
Não sabia que Alvarenga era tão precioso assim.
- Pois bem, vou arrumar um pretexto para tirá-lo
de casa e levá-lo para um lugar seguro. É difícil disfarçar um negro, mas vou
tentar, e queria que você me ajudasse. Vou com uma viatura e quando chegar lá
você aperta a campainha e tenta falar com ele mesmo. Inventa qualquer coisa, desde que o faça sair
de casa e entrar no carro. Deve ter
gente observando, então, vá disfarçado
também. Sei que pouca gente o conhece, mas nunca se sabe...
Assim fizemos e
quando chegamos perto da casa de Alvarenga,
já havia uma viatura policial no local.
Osório saiu correndo para saber quem eram e levou um tiro no
joelho. Ainda deu tempo de sacar a arma
e atingir seu adversário.
Eu corri para dentro
da casa, mesmo desarmado. Num canto da
sala duas mulheres juntas, amedrontadas,
rendidas por dois homens.
Parecia que eles haviam acabado de chegar. Nada do
Alvarenga. Onde estaria o homem? Subi pelo alpendre dos fundos,
equilibrando-me numa árvore frondosa e consegui colocar o pé no peitoril da
janela. Vi Alvarenga jogando umas roupas numa valise pequena, pronto para
fugir. Fiz sinal para ele, informando
que havia dois homens embaixo.
Descemos com cuidado,
porque Alvarenga me fez ver que eram perigosos e sua mulher e filha estavam
agora à mercê deles. Olhei pela janela
do hall da escada e percebi que o Osório vinha se arrastando para dentro da
casa, mesmo ferido. O outro indivíduo
permanecia desacordado. Alvarenga já entrou atirando nos dois sujeitos, nem vi
de onde ele sacou a arma. Eles caíram no chão, nem sei se mortos ou desmaiados.
Alvarenga foi lá,
acalmou as mulheres, passou um bolo de dinheiro para a bolsa de uma delas e as
mandou sair da casa imediatamente. Fechou as janelas, observou o carro dobrar a
esquina e desaparecer. Depois voltou-se para
mim dizendo:
- Com esse pessoal
não se brinca. Que foi que o Osório disse ao ouvir a senha?
Foi só naquele
instante que me dei conta que não tinha dito nenhuma senha para o Osório, tão
perturbado estava.
- Eu esqueci de falar
a senha, mas ele logo quis vir para cá, lhe levar para um lugar seguro.
- O semblante do
dr.Alvarenga mudou por completo. Ele não lhe pediu a senha, então? E onde ele
está agora?
- Não, não pediu,
respondi meio assustado. Está aí fora, se arrastando, levou um tiro no joelho logo
que paramos aqui.
Vi dr. Alvarenga
examinar seu revolver, certificar-se de que tinha balas ainda e se dirigir,
cautelosamente para a porta de entrada.
Não deu tempo do
Osório fazer nada. Levou um tiro na cabeça e ali mesmo ficou. Dr.Alvarenga limpou bem seu revólver e
colocou-o na mão inerte do outro bandido caído no chão. Depois ligou para alguém, que entendi ser
Matias.
- Tudo bem por aqui,
Matias. Três deles já estavam aqui em casa. Vieram de viatura policial, veja
que desfaçatez. Todos mortos. O Osório?
Que pena, ele levou um tiro de um destes salafrários e não resistiu.
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