ACREDITE A ILHA DO CARDOSO EXISTE - Oswaldo U. Lopes


ACREDITE A ILHA DO CARDOSO EXISTE
Oswaldo U. Lopes

         La se vai a voadeira e com ela minha esperança de dormir numa boa cama e tomar um banho descente e quente. Para que gastar a mais com a voadeira se era para passar a semana inteira, viéssemos de escuna mesmo. Eu sei que a diferença é ridícula, para quem ganha o que ganhamos, mas vale o principio. Ainda tentei convencê-lo a ficar em Cananeia, numa boa pousada, com direito a banho quente, telefone celular e outras delicias da chamada civilização. Quem disse que homem é uma criança grande sabia das coisas. Os conselhos que recebi dos mochileiros amigos da minha filha se resumiam em: repelente e bronzeador. Por ai dá para imaginar o que nos esperava. Ah! Mesmo sendo as pousadas da ilha, absolutamente primitivas com quartos coletivos e banheiros fora, ele ainda quis o experimento primitivo completo. Reservou um quarto numa casa de pescador. O quarto é razoável de tamanho, mas dá na sala que junta com a cozinha. O banheiro é lá fora. Como de habito, em casa de pescador o cheiro de fritura é forte. To nessa faz tempo, devia ter-me acostumado? Você acostuma com o desconforto e uma higiene precária? A noite vem chegando e com o cansaço da viagem, pelo menos a primeira noite de sono esta garantida.

Manhã seguinte, a mulher do pescador põe o café na mesa. Café preto fraco, mas pelo menos quente, broa de milho e doce de banana e a própria em natura. Ele respira fundo e comente:

- Sinta o ar puro, veja a força da natureza.

 Pergunto se ele não quer aproveitar para ensacar o ar e vender puro como andam fazendo na China. Fica indignado e diz que vai andar nos manguezais, lembro que é bom levar repelente. Fica novamente indignado e diz que não precisa dessas frescuras. Fico por ali e vou andando para a praia,  é bonita e de águas claras. A mulher do pescador é simpática e de boa de conversa. Casada com o Raimundo ajuda na pesca e cuida da casa e dos hospedes quando tem algum.

Almoço peixe frito com farofa de banana e, pasmem, verduras frescas de uma horta comunitária. Já tinham me dito que sendo pescado fresco até bagre fica gostoso. Pura verdade, o peixe tirado da água e fritado na hora é um manjar imperdível. Descanso um pouco e vou ao mar, delicia das delicias. Resolvo ficar com a água salgada no corpo, a felicidade ajuda minha pele a não se queixar.

Já está escuro quando Olavo regressa de sua exploração no mangue. Esta com uma cara pra lá de molambenta. Pernas inchadas e arranhões pelo corpo todo. Se atira na cama sem comer nada e dorme direto.

Acorda em melhor estado físico, mas não mental. Informa que vai de novo para o desconhecido e com ar intrépido sai com o guia local. Repito o dia anterior, aproveitando e desfrutando cada momento desta paz não encomendada. A conversa com Rosa é cada vez mais interessante. Filha de caiçaras o pai queria que ela estudasse e ela completou o fundamental. Gostava de ler e tinha uma noção do mundo e das coisas que nos rodeiam que muito letrado por ai não tem.

Fim de tarde, Olavo esta de volta totalmente estropiado e lascado, o ar de machão da floresta virgem já não é tão visível. Deita-se e me parece febril. Durante a noite tem febre e queixa-se muito de dores nas juntas. De manhã, não consegue se levantar e vejo manchas avermelhadas pelo corpo, as dores articulares são fortes.

Uma coisa que sempre acompanha machão intrépido e a sorte. Descobre-se um médico infectologista que veio passar o dia na ilha. Simpático o doutorzinho, pena que veio de voadeira, com a noiva e para ficar apenas um dia. Examinou o Olavo e fez diagnóstico de chikungunya e me informou que essa palavra é de um dialeto da Tanzânia e quer dizer que não pode dobrar. Esse nome refere-se ao fato de por causa das dores articulares a pessoa não conseguir nem se abaixar. Me diz com razoável confiança que das três a chikungunya não é das piores e que Olavo, não foi afetado tão fortemente assim e que  deve melhorar muito em dois ou três dias.

— Quer saber de uma coisa, se eu fosse a senhora não levava ele para parte alguma. Daqui para São Paulo, vai ter que tomar voadeira e depois estrada dura e cheia de buracos. Vai ser um sofrimento para quem esta com as articulações inflamadas. Fique mais uns dias e quando ele melhorar vocês vão embora. Vamos ficar no tratamento sintomático. Analgésico quase que a vontade,  antipirético e boa sorte.

O doutorzinho além de gato era competente, três dias depois Olavo consegue se levantar e podemos enfim sair do Cardoso.

Até que o balanço final não foi tão ruim. Descansei, comi melhor do que esperava e aprendi muito com a Rosa que se revelou uma companhia inigualável. Ah! Tem um acréscimo, o intrépido caçador de aventuras selvagens sossegou por um bom tempo.


Um comentário:

  1. Seu Oswaldo, nossos personagens até se parecem, só que o seu foi ainda mais infeliz que o meu.
    abs
    Ledice

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