CAUSOS DA VOVÓ
Jeremias Moreira
Chamava-se
Benvinda Gonçalves, mas para nós era a vó Benja, uma grande contadora de causos,
como ela própria dizia. Às vezes repetia a mesma história, mas era como se
contasse pela primeira vez. De estudo tinha apenas o primário, mas tinha uma
fluência narrativa impar!
Certa
vez encontrei-a debruçada na janela apreciando o vai e vem da rua.
—
Olhando o movimento, vó?
Como
que despertada de um transe, virou-se para mim:
—
Na verdade estou revivendo fatos. As
situações surgem e passam rápidas pela lembrança como se fossem cenas de cinema
mudo.
Então
se pôs a falar. Contou de um que nunca contara a ninguém e que a terrorizava
até hoje: ela presenciara um assassinato!
—
Durante a campanha para prefeito de 1950 ,
num comício do candidato Artur Arnoni, do PTB do Getulio Vargas, apareceu o
Hugo Linori, que era partidário do outro candidato, o da UDN, e começou a
achincalhar. Falava alto e interrompia o orador a todo instante. A certa altura
o Tonico Machadão, cabo eleitoral do Artur, interveio e o retirou o Hugo a
bofetadas. Ele estava embriagado, jurou vingança, que mataria o Machadão. Eu
estava no clube com minha amiga Zuzinha e seu avô – que eu já namorava às
escondidas - nos acompanhou até a casa dela. Mais tarde, quando saí da casa da
Zuzinha, o comício já havia terminado e peguei a rua de casa, vi o Linori,
andando cambaleante à frente. Não queria que ele me visse e parei atrás de um
carro até ele entrar no seu depósito de bebidas, que ficava pouco adiante. De
repente, escondidos no recuo do portão estavam dois brutamontes que se atiraram
pra cima do Hugo. Um deles retirou uma faca e o atingiu diversas vezes. Meu
coração disparou. Batia tanto que temi que os homens ouvissem. Largaram o corpo
do Hugo Linori no chão e vieram em minha direção. Eu quase morri de medo.
Atirei-me debaixo do carro e prendi a respiração. Eles passaram. Consegui reconhecer
o Tonico Machadão como um dos homens. Assim que recobrei as forças fiz o que
achei certo. Saí de fino e fui para casa em disparada. Nunca contei para
ninguém e o caso ficou insolúvel até hoje. Você é o primeiro a quem conto. Se
me dedurar talvez eu seja presa por obstruir a justiça, mas acredito que, como
meu neto querido você não fará isso com sua avó, não é?
Disse
isso e foi para seu quarto.
Claro
que eu não iria delatar minha avó. Também, creio que não faria diferença!
Decorridos sessenta e seis anos o crime deve ter prescrevido!
Mas
supondo que eu dedurasse, acho que faria papel de bobo, pois tenho certeza de
que esse foi mais um dos causos de minha avó!
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