Envelhecer
Suzana da Cunha Lima
— Mana, estou lhe telefonando porque estou
horrorizada. Ao me olhar no espelho,
hoje, com mais atenção, eu me dei conta de que estou envelhecendo, reparei um monte de ruguinhas em volta dos
olhos e continuo acima de meu peso.
— E o que queria, remoçar? Você fez 70 este ano. É isso aí, daqui para frente é só descer a ladeira.
— Francamente, você não anima ninguém
mesmo. Como se sente com seus 80 anos?
— Melhor do que nunca. Como pouco, ando muito,
faço Pilates. Esta é minha fórmula.
— Você não é exemplo não, mana. Nunca toma uma
caipirinha ou uma taça de vinho, não escuta música nem vai ao cinema. Nem gosta de ler, a não ser o jornal. E nunca nem tentou namorar depois que ficou
viúva, isso já tem mais de vinte anos. Ou
seja, as coisas boas da vida você passa ao largo. Isso não é vida não.
— Nunca me fizeram falta. E estou aqui bem enxutinha, caminho para todo
lugar, raramente pego um táxi. E pode-se
dizer que não fico doente. O que é que
eu quero mais, nestas alturas da vida?
— Um pouco mais de vida. Vida, mana! Ter um grupo de amigas para viajar ou jogar conversa fora, dar umas boas
gargalhadas, ter uma roda de carteado, frequentar
um círculo de leituras, quem sabe até praticar algum esporte? Estar com gente interessante, sair um pouco
de si mesma, encarar um trabalho social.
Tanta coisa que se pode fazer...
— Eu tenho um grupo de amigas há mais de 20 anos.
Sempre nos reunimos para pintar tecido uma vez por mês. Para mim basta.
— Este teu grupo está envelhecendo também. No seu aniversário eu estive com elas, todas
se queixando de doenças e da indiferença dos filhos. É o clube da bengala. A gente tem que ter contato também com gente
mais jovem, estar aberta a novas ideias...
— Olhe, nem precisava gastar interurbano para me
dar estes seus conselhos, como se eu não soubesse disso tudo. Não faço porque não gosto. Pronto! Era só
isso? Vai a uma dermatologista boa para ela receitar uns cremes. Quem sabe isso
retarde seu envelhecimento...
E desligamos. Mas eu fiquei pensando como a
idade, como um arado, vai passando na
terra e deixando sua marca: em terra boa, afofa, deixa pronta para nova
semeadura. Em terra seca, esburaca o
solo e não tem semente que germine.
O tempo deve não apenas acrescentar anos, mas
sabedoria. É o resultado de muitas
lutas, alegrias, sucessos e fracassos, decepções e também encantamentos. É neste caldo que nosso caráter vai se
formando, nossa personalidade aparando as arestas e otimizando o que temos de bom.
Neste sentido, a velhice é uma coisa boa e o
tempo pode ser nosso aliado. Já não nos
desesperamos com pequenos problemas ou situações que nos fariam perder o sono
anos atrás. Já sabemos que tudo passa, a angústia, a inquietação, o medo de não dar conta, de
decepcionar alguém.
Tudo passa, só
não pode passar é a curiosidade e alegria de viver. Porque quando de
manhã nos deparamos com um novo dia, é isso que nos vai fazer levantar
depressa, tomar o café da manhã, e
sair. Fazer uma caminhada, andar de
bicicleta, qualquer coisa que faça mexer o esqueleto para conservá-lo sempre
ágil. Eu ando aqui perto na pracinha e é um encanto
olhar os raios de sol se esgueirando pela folhagem de árvores centenárias, a
natureza nos saudando através do canto
dos pássaros e saber-se viva, funcional,
alegre, mesmo com ruguinhas em volta dos olhos ou com uns quilos a mais do que devia.
Porque até hoje não há substituto para a vida,
para o amor e amizade.
E muitas pessoas
que não atentam para isso, acabam sós, amarguradas, carentes de atenção e afeto
que também não souberam oferecer aos outros, quando isso foi preciso. Coração seco e amargo, apontando para um fim
de vida solitário e vazio.
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