PERSONAGENS PERIGOSOS - Jeremias Moreira

PERSONAGENS PERIGOSOS
Jeremias Moreira

O automóvel entrou no enquadramento da câmera que focava a entrada de carros e a imagem surgiu no monitor numero cinco da sala de segurança. Josué percebeu quando o Doutor Carvalho gesticulou com um aceno. Estranhou! O advogado era sempre tão circunspecto e nunca se dirigia aos funcionários, nem para cumprimenta-los.

Acionou o botão, o portão abriu, o carro entrou. Entrou, mas foi para a garagem errada! Estacionou na vaga errada!

Alguma coisa estava errada!“Será que o Doutor Carvalho bebeu?” – pensou Josué encafifado! - “Que saco!” Teria que ir alertá-lo do erro e pedir que fosse para sua vaga.  Tinha um pé atrás com o encrenqueiro advogado. Sabia que a corda sempre arrebenta no lado mais fraco e que sobraria pra ele. Mas, não tinha outro jeito, então deixou a cabine e desceu a escada.

Assim que colocou o pé no piso da garagem do primeiro subsolo levou uma pancada na nuca que o fez desabar.

− Levei a pancada e me senti atropelado por uma jamanta. Mas, enquanto tombava, consegui ver o Mickey com um porrete na mão.

− O Mickey! Que Mickey?

− O das histórias em quadrinhos!

Foi o que Josué contou para o delegado Sampaio, encarregado da investigação do desaparecimento do Doutor Carvalho.

Nessa mesma noite a Claudia, mulher do advogado, recebeu um telefonema exigindo a quantia de um milhão de reais para lhe devolverem o marido. Imediatamente ligou para o Gaspar, sócio do Carvalho, que acionou a polícia. Como os advogados tinham bom trânsito na Secretaria de Segurança conseguiram que o Departamento Antissequestro agisse rápido. E lá estava o delegado Sampaio com mais um caso.
Ele pediu uma lista de moradores do prédio, a relação das respectivas garagens e as gravações das câmeras de segurança.

Os “cds” com as gravações haviam sumido. Certamente, enquanto Josué esteve desacordado, os sequestradores se apossaram do material. Sampaio examinou a lista de moradores. Um nome lhe chamou a atenção. O de Gabriel Gabrieli, o GeGê. Um conhecido comediante de um talk-show da TV que Sampaio costumava assistir. Lembrou-se que certa vez ele aparecera num programa com uma máscara do Mickey. Um indício a se considerar.

Verificou a lista das garagens e a que Josué apontou como a que o Dr Carvalho estacionara pertencia ao Gegê. Agora eram duas provas circunstanciais!

Determinou a seus auxiliares que fossem buscar Gegê para averiguações. Mas, no apartamento do comediante não havia ninguém. Ele morava só.

Entraram em contato com a produção do seu programa e souberam que Gegê estava em um Spa, em Sorocaba. Um forte álibi.

Sampaio voltou para a sala de segurança, e à estaca zero!

Foi procurado pela dona Jandira, do 211, que tinha uma informação importante. O seu Ventura, morador do 712, tivera uma briga feia com o Doutor Carvalho numa das reuniões de condomínio.

Sampaio foi interrogá-lo. O senhor Ventura tinha 82 anos e sofria de enfisema pulmonar. Mal podia consigo.

O Josué agora restabelecido da pancada, trouxe novidades:
— Assim que entrei na garagem, instantes antes de ser nocauteado, vi de relance um vulto ao lado do carro. Agora, pensando melhor, acho que o vulto era o Pato Donald.

“Mickey e Pato Donald... então, eram dois?”

Voltou seu pensamento para o Gegê. Foi checar e descobriu que o comediante tinha seguranças.  Dois! “O Mickey e o Pato Donald! Bem pensado! Interna-se num Spa, constrói um álibi, enquanto seus homens agem!”

Ainda faltava o motivo. O delegado não achava que fosse por dinheiro.

Descobriu que o Gegê e o Doutor Carvalho eram inimigos. O comediante vivia dando festa e o advogado implicava com isso. Numa dessas ocasiões chegaram a se agredir.

Conseguiu uma liminar para retirá-lo do Spa. Também prendeu seus dois seguranças. Perpetraram intenso interrogatório com os três. Tentaram toda forma de inquirição. Tudo infrutífero. Eles sustentaram até o fim que não tinham nada ver com o desaparecimento do homem.

Sampaio deixou a sala de interrogatório desanimado. Essa linha de investigação não levava a nada.

Nesse meio tempo o advogado do Gegê pediu e o juiz deferiu o relaxamento das prisões. O delegado teve que libertá-los.

Havia uma equipe de policiais, peritos em telefonia, monitorando as chamadas, na casa da vítima. Depois do primeiro telefonema os sequestradores silenciaram. A esposa beirava à histeria.

O delegado Sampaio foi para lá. Aguardava o elevador quando foi abordado pelo Josué:

— Doutor estive pensando... Não tenho certeza porque foi tudo muito rápido, mas a impressão que tenho é que o Pato Donald tinha jeito de mulher.

—  Mulher?

— É! Era baixo e tinha ancas largas.

O delegado subiu pelo elevador pensativo. Entrou no apartamento dos Carvalho. Os agentes que monitoravam o telefone não tinham novidades. Nesse instante Claudia atravessou a sala em direção à copa. Reparou nela. Ela era baixa e tinha o quadril largo. Dissimulando buscar um copo d’água, o delegado entrou na copa. Silencioso, observou a mulher. Percebeu-a bastante apreensiva. Mas, a apreensão de quem carrega o peso de um segredo e teme ser descoberto.

Calmamente postou-se à frente dela e quando falou foi quase um sussurro:

— Onde está o Carvalho, Claudia?


A mulher desandou num berreiro!

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