LAU, UM HOMEM ÉTICO
Jeremias Moreira
Aos 25 anos, o Lau foi nomeado chefe do Posto de
Fiscalização Estadual na cidade de Jaboticabal. Muita responsabilidade para uma
pessoa ainda jovem.
O fisco do estado vivia uma grande onda de corrupção e a
nomeação do Lau visava acabar com o que havia de putrefato nessa jurisdição.
Foi uma barra! Enfrentou inúmeras ameaças, tentaram
aliciá-lo, foi cortejado pelos comerciantes a se filiar ao Rotary e ao Lions,
entidades que reunia a elite dos cidadãos, mas nunca cedeu. Sempre manteve uma
postura ética. Cordial, mas severo.
Por outro lado, era camarada com os colegas, os ajudava como
podia e, na medida do possível, atendia às suas reivindicações. Assim, aos
poucos, foi conquistando a confiança dos subordinados. Alguns, que antes flertavam com a ilegalidade,
entenderam sua conduta e bandearam para seu lado.
Porém, agindo com total contrassenso, outros passaram a
aplicar multas a torto e a direito. Numa dessas, um fiscal autuou o Jamil
Soares, um português de 66 anos, que fabricava doces caseiros e vendia de porta
em porta.
Nos anos 1950, ter 66 anos era muita idade, e o ancião,
semianalfabeto, desconhecedor das leis, queria apenas ganhar seu sustendo. Ignorava
plenamente que era um infrator.
Desesperado, impedido de exercer seu ganha pão, foi ao Posto
Fiscal tentar entender o que fizera de errado e anular a multa.
O fiscal que o autuara manteve-se irredutível e tratou o
Jamil com total desconsideração. Descontrolado, o homem elevou o tom da
conversa.
Ouvindo o falatório que se passava na recepção, o Lau saiu de
sua sala e foi se inteirar do que acontecia.
Entendeu a situação num relance.
Sua visão era a de que o contribuinte não era mal
intencionado. Na maioria das vezes era mal informado. Então, o papel da
fiscalização era primeiro orientar o cidadão. Depois, persistindo a conduta, aí
sim autuar.
Estavam diante de um exemplo clássico.
O Jamil Soares jamais imaginou que, com seu minúsculo
comercio, estivesse infringindo a lei.
O Lau o orientou a procurar um escritório de contabilidade.
Abrir uma microempresa e imediatamente, entrar com um pedido de isenção fiscal,
já que seu faturamento estava bem abaixo do mínimo tributável.
Quanto à multa, autorizou o cancelamento.
Dias depois, agora trabalhando na legalidade, o Jamil Soares
bateu no portão da entrada de carro da casa do Lau. Agradecido, vinha lhe
presentear com um vidro de doce de abóbora com coco.
Surpreso com a inesperada visita, o Lau convidou o doceiro
para entrar e antes de pegar o brinde, pediu licença e foi até a garagem. Quando
voltou trazia uma garrafa de vinho tinto argentino Trapézio Reserva Malbec,
muito mais caro que o doce. Aproximou-se do Jamil:
— É com satisfação que fico com seu doce. Mas, o senhor deve
ficar com essa garrafa de vinho.
Abestalhado, sem entender o que se passava, o Jamil retrucou:
— Não precisa me dar o vinho! Eu vim apenas lhe trazer um
presente como agradecimento pela ajuda que me prestou!
— Eu aceito seu presente, com muito prazer, mas o senhor precisa
aceitar o vinho!
Continuando sem entender, o português pegou o vinho e se
despediu.
Nesses tempos de Lava-jato é bom relembrar fatos assim!
Esse aconteceu no ano de 1958 e o Lau, chama-se Wenceslau
Moreira da Silva Netto.
Irmão caçula, eu morava em sua casa e presenciei o lance.
E, o doce de abóbora com coco, do português, estava booom!
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