ALÉM DE VIZINHA, AMIGA! - Jeremias Moreira




ALÉM DE VIZINHA, AMIGA!
Jeremias Moreira

Cansada de tanto apanhar do marido, Lalinha resolveu pôr um fim nessa agressão!

O Carlão até que era boa gente, mas não podia beber que virava bicho. Arrumava briga com a facilidade de quem diz boa noite. Nessas ocasiões, fazia da mulher saco de pancadas.

Passada a bebedeira, chorava, pedia mil perdões, jurava nunca mais pôr bebida na boca. Papo furado! Vira e mexa, lá vinha o Carlão parecendo um gambá de tão bêbedo. Soltava espuma pelas ventas, xingava a Lalinha com uma lista de ofensas. E, dá-lhe porradas!

Por diversas vezes Lalinha tentou abandoná-lo, mas deixava-se levar pela lenga-lenga do marido. É que, no fundo, nutria esperança da redenção dele.

Até esse dia, quando pressentiu que era mais um de bebedeira. Jurou que seria o último.

Amargurada, escreveu uma carta aos pais de Carlão onde exprimia sua consternação e pedia perdão pelo ato que faria. Apoiou a carta, bem visível, na armação do porta-retratos onde estava sua foto de casamento. Depois foi à garagem e pegou a enxó de marceneiro, na caixa de ferramentas.

Quando voltava ouviu o ranger do portão e a voz engrolada chamando por ela. Respirou fundo e pôs-se no umbral da porta da cozinha. Foi onde ele a encontrou e desandou a xingá-la. Cambaleante, avançou.

Surpreso, recebeu o golpe na cabeça. O sangue jorrou instantâneo, feito chafariz. Dobrou as pernas e desmontou. Seu olhar exprimia perplexidade.

Calma, Lalinha assistiu ao seu último estertor. Estranhamente sentia-se em paz.

Saltou o corpo arqueado do marido, pegou a mala e saiu para a casa de Suzi, que dividia parede e meia com a sua. Contou rapidamente o acontecido e foi para a rodoviária embarcar no primeiro ônibus para São Paulo.

À polícia, Suzi contou que ouviu o Carlão chegar e depois uns gritos. Chamou por ele e não obteve resposta. Foi verificar e deu com o corpo.

Seu estranhamento deveu-se a Lalinha, a esposa, estar em viajem havia uma semana.

A primeira hipótese da polícia foi a de que Carlão flagrou um ladrão em pleno assalto e foi atacado.


A carta deixada por Lalinha jamais foi encontrada.

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