NEM
SEMPRE O QUE É, PARECE
Oswaldo U. Lopes
Décio Rodrigues
Prado era negro, alto e empresário. De cara isso o colocava um pouco à margem.
A cor da pele o incluía numa parcela significativa da população, mas a altura e
a função, não. Sabemos que os africanos trazidos ao Brasil vieram da costa
ocidental da África, em particular o Golfo da Guiné. Embora fortes, não se
destacavam pela altura. Poucos chegaram ao basquetebol, embora o padrão recente
estivesse mudando, negro alto ainda é raro.
Desprovidos de
possibilidades de herança os negros que se destacaram como empresários eram e
são profissionais liberais.
Décio era advogado
criminalista e chefe de um escritório muito conceituado e movimentado. Havia,
no meio jurídico, brincadeiras e chistes a respeito:
“Matou a amante
com três tiros e dezoito facadas e foi absolvido pelo advogado negro que alegou
traição e honra ofendida.”
“Esperou o sócio,
na calada da noite, no beco do estacionamento e o fuzilou a queima roupa e foi
absolvido pelo advogado negro que alegou quebra de confiança e desfalque
grosseiro”
Bem, chegou a vez
dele pensou o investigador da policia civil Sergio Hiroito quando entrou no
escritório e deu com Dr. Décio Prado sentado a sua mesa e com dois furos negros
no peito da camisa impecável e invariavelmente branca.
Morto e gelado,
fora encontrado já rígido pela manhã e a hora provável da morte foi dada como
perto das 21 horas da véspera.
Sabidamente era o
ultimo a deixar o escritório. O prédio tinha três andares, todos ocupados pelo
escritório, onde além dele trabalhavam outros nove advogados e um bom número de
secretárias e office-boys.
A informação era
de que de um tempo para cá, saia cada vez mais tarde, recebendo clientes que só
queriam vir quando estivesse escuro. Gente que entrava apressada e mal
cumprimentava o porteiro.
O disque-disque
recente era de que estava envolvido na defesa de gente metida em confusão
grande, muito grande com estatais, com contas no exterior etc. Décio começara a
ser investigado pela polícia e por clientes que temiam uma traição do
profissional.
No meio dessa
confusão sobrava ainda que o Dr. Décio tinha outra qualidade, era mulherengo,
do tipo que vestiu saia, não sendo escocês, estou interessado!
Hiroito sabia do
ultimo caso, linda mulher de trinta de 30 anos que tinha, pasmem, não um marido
ou companheiro traído, mas uma amante, uma parceira. Os clientes envolvidos na
lava-jato não tinham, nem de longe, a possibilidade de praticamente encostar o
revólver no peito do advogado para efetuar os disparos, uma mulher, teria.
Se a história
enviesasse para o lado de amor traído, seria uma amante que iam ter que
procurar. É coisa para primeira página, pensou Hiroito.
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